Cidades

Em pelo menos seis acidentes que resultaram em 13 mortes nas pistas, acusados estão soltos

Paulo César Timponi foi o que ficou mais tempo na cadeia

Adriana Bernardes
postado em 27/10/2009 08:00

Em 2007, o Golf conduzido por Paulo César Timponi, que está solto, teria provocado o acidente na Ponte JKSeis acidentes de trânsito graves. Treze mortos e quatro feridos. Em todos esses casos a acusação revela circunstâncias semelhantes: uma combinação de alta velocidade e ingestão de bebida. Dos seis motoristas, cinco acabaram presos. Mas conquistaram o direito à liberdade. Levantamento feito pelo Correio revela que o Judiciário teve argumentos diferentes para livrá-los da cadeia. Uma situação controversa que, na opinião de alguns especialistas, revela a necessidade de aperfeiçoamento da lei. Para outros, a margem para interpretação é melhor do que inserir no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) a figura do crime de homicídio com dolo eventual. Nos seis casos levantados pela reportagem (veja Memória) o tempo de prisão dos motoristas variou de um dia a quase 22 meses. Um deles nunca foi preso. Bons antecedentes, ter emprego e residência fixa contaram a favor dos acusados. Assim como o entendimento de que alta velocidade e dirigir alcoolizado não são suficientes para caracterizar o dolo eventual, quando não há intenção, mas assume-se o risco de produzir o resultado, no caso do trânsito, de matar ou machucar alguém. Um dos casos mais emblemáticos foi o do professor de educação física Paulo César Timponi. Não só porque foi o que ficou mais tempo atrás das grades: quase dois anos, ao todo. Mas também por outros dois motivos: primeiro, porque foi em razão do acidente que o envolve que os parlamentares aprovaram a Lei 11.705/08, a lei seca, que instituiu a tolerância zero à combinação álcool e volante e tornou crime o ato de dirigir alcoolizado (veja O que diz a lei). Segundo, porque a decisão recente do Tribunal de Justiça abriu um precedente para que outros condutores peçam o mesmo benefício. A 1; Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TDFT) desclassificou o crime. No entendimento da desembargadora Sandra de Santis, Timponi não cometeu homicídio com dolo eventual. Trata-se de um simples acidente de trânsito e que, portanto, deve ser julgado na Vara de Delitos de Trânsito. E, para esses casos, não há respaldo legal para que o acusado fique preso. Denúncia Em abril do ano passado, o analista de sistemas Igor de Resende Borges envolveu-se em um acidente com características semelhantes. Segundo a denúncia, ele havia ingerido bebida alcoólica e dirigia acima da velocidade, fazendo ziguezague na DF-001. Igor ficou na cadeia por quase cinco meses. Teve a prisão preventiva (1) revogada por meio de liminar, em 30 de setembro de 2008. Quase um ano depois, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o mérito do pedido de habeas corpus. O ministro do STJ Haroldo Rodrigues apresentou quatro argumentos para revogar definitivamente a detenção de Igor. Entendeu que a prisão cautelar não pode ser fundamentada na ;gravidade abstrata do delito e com base na presunção de fuga. Também não pode ser baseada na repercussão do delito na sociedade. E, por fim, que deve ser levado em conta os antecedentes do acusado;. Igor é réu primário, com profissão definida, residência fixa e compareceu a todos os atos processuais. ;Nada impede que lhe seja concedido o direito de aguardar em liberdade pelo julgamento do processo;, escreveu o ministro. Em Planaltina, o professor David Silva Rocha viveu experiência parecida ao volante. Segundo a denúncia, ele estava alcoolizado e dirigia em alta velocidade quando atropelou uma menina de 5 anos e a babá dela, em uma faixa de pedestre, em dezembro de 2008. A garota morreu dias depois do acidente. O professor foi preso em flagrante, mas foi libertado no dia seguinte. 1 - Garantia Segundo o Código de Processo Penal, a prisão preventiva pode ser decretada como garantia das ordens pública e econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. Isso nos casos em que houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. O que diz a lei O artigo 306 do CTB tipificou como crime o ato de dirigir com concentração igual ou superior a 0,3 miligramas de álcool por litro de ar expelido dos pulmões. Quem é flagrado nessa situação é punido com pena de detenção de 6 meses a 3 anos, multa e suspensão do direito de dirigir. Dolo eventual contestado Dos motoristas citados na reportagem, o Correio conseguiu falar com o advogado de quatro deles. Eles são unânimes ao defender que a prisão e a qualificação do dolo eventual para homicídio na direção de veículo são uma afronta às leis brasileiras. A reportagem tentou entrevistar os seis condutores. Mas apenas o professor David Silva Rocha aceitou dar entrevista. Por telefone, ele afirmou que jamais teve a intenção de atropelar e matar Giovanna Vitória de Assis, 5 anos, ou machucar a babá dela, Francilda da Paz, 36. ;Não fiquei na cadeia, mas fiquei em prisão domiciliar decretada pela família da vítima.; David diz ter ficado oito meses afastado das salas de aula, desenvolveu a síndrome do pânico e teve de passar por tratamento. Igor de Resende nunca deu entrevista sobre o acidente. Segundo o advogado dele, Otelino Dias do Nascimento, isso ocorreu por opção da família. E agora, ele não considera apropriado. Otelino vai aguardar a decisão do STJ ao recurso do Ministério Público contra a decisão da 1; Turma Criminal do TJ, que desclassificou para homicídio simples as mortes supostamente provocadas por Timponi. Pretende pedir o mesmo para seu cliente. O advogado de Timponi, assim como do frentista Otávio Pereira de Sampaio, consideram absurda a prisão dos seus clientes. Tratam o caso como fatalidade. (AB) ; Memória Abril de 2009 Em 4 de abril, José de Araújo Arruda, 33 anos, bateu de frente com um ônibus na W3 Sul. Na caminhonete estavam o sogro e o cunhado dele, respectivamente, Carlos Alberto Silva, 51, e Carlos Alberto Silva Júnior, 30, que morreram. O que aconteceu ao motorista: José de Araújo fez o teste do bafômetro. O aparelho apontou 1,16mg de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões. Ele foi preso em flagrante. Mas ganhou a liberdade em 12 de abril. A Justiça considerou que Araújo é uma pessoa inofensiva à sociedade. Março de 2009 O frentista Otávio Pereira de Sampaio, 41 anos, é acusado de atropelar e matar a aposentada Iracema Martins Machado, 68, na pista marginal da via Estrutural. Teste do bafômetro acusou a presença de 1,03 miligrama de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões. Ele foi indiciado por homicídio com dolo eventual. O que aconteceu ao motorista: Ficou preso um mês e 15 dias. Em 29 de maio, teve o pedido de liberdade negado. A defesa entrou com pedido de habeas corpus, que foi julgado em 9 de julho. Os bons antecedentes criminais, o fato de ele ter emprego e residência fixa foram levados em conta. Dezembro de 2008 Em 19 de dezembro de 2008, o professor David Silva da Rocha, então com 46 anos, foi acusado de atropelar Giovanna Vitória de Assis, 5 anos, e a babá dela, Francilda da Paz, 36. Elas atravessavam a faixa de pedestre, em Planaltina, quando foram atingidas pelo veículo conduzido por David. Após seis dias em coma, a menina morreu, na manhã de 25 de dezembro. Segundo a polícia e o MP, o professor estava alcoolizado, o que foi comprovado pelo bafômetro. O que aconteceu ao motorista: Ele foi preso em flagrante e solto no dia seguinte. Acabou denunciado pelos crimes de homicídio com dolo eventual e lesão corporal grave, com dolo eventual, pelo mesmo motivo. Abril de 2008 Igor de Resende Borges, então com 29 anos, dirigia um Peugeot quando bateu de frente com o Vectra dirigido por Paulo José Loureiro, 33, que morreu na hora, assim como Josiane Monteiro da Silva, 17; Elilde Costa de Almeida, 23; e Ana Telma da Silva, que ocupavam o Vectra. Dias depois, a estudante Ingrid Martins Castro, 17, passageira do Peugeot, também morreu. O que aconteceu ao motorista: Preso em flagrante, foi liberado mediante pagamento de R$ 2,5 mil de fiança. Na semana seguinte, teve o pedido de prisão decretado e ficou preso quatro meses e 19 dias. Foi denunciado pelo MP por homicídio triplamente qualificado e lesão corporal leve e grave. Em 12 de agosto de 2008, o TJ decidiu que Igor irá a júri popular. A defesa pediu a desclassificação do crime para culposo. Em 27 de novembro de 2008, desembargadores confirmam o dolo eventual, mas entendem que não houve motivo torpe nem recurso que dificultou a defesa das vítimas. O MP recorreu ao STJ, que ainda não julgou o recurso. Igor aguarda em liberdade. Outubro de 2007 O Golf conduzido por Paulo César Timponi bateu na traseira de um Corolla na Ponte JK. Com o impacto, três mulheres que estavam no banco de trás do carro foram arremessadas para fora do veículo e morreram na hora. O que aconteceu ao motorista: Foi preso três vezes. Na primeira, ficou 6 dias na cadeia e saiu porque o TJ entendeu que a prisão havia sido decretada de ofício pelo juiz antes de a denúncia ser oferecida e fixada a competência do Tribunal do Júri. Teve novamente a prisão decretada em 18 de outubro de 2007. Ficou na cadeia quatro meses e 12 dias. Saiu em 30 de janeiro. Foi preso novamente em 10 de abril de 2008 e deixou a prisão em 17 de setembro deste ano. Janeiro de 2004 O estudante Rodolpho Félix Grande Ladeira dirigia um Mercedes Benz a 165km/h, segundo laudos periciais, quando bateu na traseira do Santana conduzido pelo advogado Francisco Augusto Nora Teixeira, o Gutão, que morreu na hora. O acidente foi na Ponte JK. O que aconteceu ao motorista: O estudante não ficou preso um único dia. » Leia matérias anteriores sobre acidentes de trânsito (arquivos em formato pdf)

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