Cidades

Sentenças que colocam fora da cadeia acusados dos acidentes provocam mais revolta

Adriana Bernardes
postado em 27/10/2009 08:34

Revolta, tristeza e uma sensação crescente de impunidade. Esse é o sentimento das famílias de vítimas do trânsito. Em casos como os citados pela reportagem ; em que o condutor é acusado de estar alcoolizado ou em alta velocidade ; a indignação parece maior. Antônio da Silva perdeu a irmã Ana Telma no acidente da DF-001, em abril do ano passado.Butitiere, mãe de Giovanna, espera o julgamento do motorista acusado de matar sua filha: engajamento em campanhas pela paz no trânsito

Ana Telma da Silva foi uma das cinco vítimas do acidente supostamente provocado por Igor de Resende Borges. ;No meu ponto de vista, a Justiça é falha. Esse rapaz tirou a vida de cinco pessoas. Os amigos dele contaram na delegacia que ele tinha bebido. Não socorreu nem os amigos que estavam no carro dele e está por aí;, lamentou Antônio. Desde a morte de Ana Telma, a filha dela, Geovana, mora com os avós no Maranhão. ;Ela vive falando da mãe. A gente tenta amenizar como pode. Mas é muito difícil. É difícil até ficar conversando sobre ela com você. A Ana era como uma filha para mim, entende?; Ao dizer isso, Antônio desligou o telefone.

As sentenças dos tribunais de Justiça têm despertado a atenção da Comissão de Assuntos e Estudos sobre Direito de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo. Só este ano, o presidente da comissão, Cyro Vidal, reuniu 198 sentenças de diferentes estados absolvendo ou tirando da cadeia condutores que se envolveram em acidentes de trânsito fatal.

[SAIBAMAIS]Para Vidal, é um problema de interpretação. ;Muitos juízes entendem que, mesmo matando, o motorista não tinha a intenção. Esquecem-se de que no dolo eventual a pessoa não tem a intenção, mas pela conduta, o fato era perfeitamente previsível;, critica Vidal. No levantamento feito por ele, alguns juízes só consideram como prova de crime o teste do bafômetro ou exame de sangue. Mesmo nos casos em que o condutor provocou a morte de terceiros. ;Sem isso, eles não aceitam a prova testemunhal nem o exame clínico do IML (Instituto de Medicina Legal). Mas também temos sentenças de condenação. Em alguns tribunais, os juízes não estão perdoando;.

No entanto, Vidal é contra inserir no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) o homicídio com dolo eventual na direção de veículo automotor. Assim como o deputado Hugo Legal (PSC), autor da Lei Federal 11.705/08. Segundo ele, existem propostas para fazer adequação da legislação de trânsito ao artigo 121 do Código Penal. ;Não vejo necessidade de escrever dolo eventual no Código de Trânsito. Isso, no meu entendimento, deve ficar a cargo da percepção do Judiciário com base no inquérito e acusação do MP. Não podemos generalizar;, diz.

Ansiedade

A mãe da menina Giovanna, atropelada em uma faixa de pedestres em Planaltina, espera ansiosa a punição do motorista. Passado quase um ano da morte da filha, a contadora Butitiere Fernanda de Assis, 26 anos, às vezes, ainda precisa faltar ao serviço porque não consegue trabalhar. Continua em tratamento psicológico e, uma das poucas vezes em que ficou frente a frente com o condutor acusado de atropelar sua filha, a tristeza foi ainda maior. ;A sensação que eu tive é que ele não tem arrependimento nenhum;, diz. Depois da tragédia, a família da menina se envolveu em campanhas pela paz no trânsito.

Para o promotor Bernardo Urbano Resende, do Tribunal do Júri de Taguatinga, a sensação de impunidade relatada pelas famílias não tem se confirmado nos tribunais. Segundo ele, é cada vez mais frequente o entendimento de que o motorista que mata no trânsito sob o efeito de álcool ou porque estava em alta velocidade ou ainda disputando racha comete crime com dolo eventual. Nesses casos, são julgados pelo Tribunal do Júri e punidos com 12 a 30 anos de reclusão.

Segundo o promotor, há até bem pouco tempo, não só os juízes tinham dificuldade de enxergar o risco de matar no trânsito, como também os jurados. ;Acredito que, para evitar a controvérsia, talvez uma mudança legislativa fosse melhor. Punir com pena mais elevada os crimes praticados com veículo automotor, quando evidente que a condução do mesmo não se deu dentro da conduta tolerada;, defendeu.

O que diz a lei
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê apenas o homicídio culposo na direção de veículo automotor. Está no artigo 302. De acordo com a lei, o autor desse tipo de crime deve cumprir pena de detenção de dois a quatro anos e suspensão do direito de dirigir ou de obter a permissão para dirigir. O Código do Processo Penal prevê o dolo eventual (quando a pessoa não tem a intenção, mas assume o risco de matar) em casos de trânsito se o motorista adotar certa conduta que aumente os riscos. O que tem acontecido no meio jurídico é a combinação das duas legislações para punir com mais rigor os responsáveis por mortes no trânsito.

Depoimento
;A nossa vida ficou bem complicada. Minha filha Malu teve uma crise de rebeldia. Não aceitava a morte do pai. Ficava perguntando porque aquele cara fez isso. Paulinho sempre foi um pai muito presente. O pior de tudo isso é se acostumar com a ausência da pessoa. No começo, você fica anestesiada. Depois a dor só aumenta. Estou sozinha para tomar todas as decisões. Sei que ele (o condutor) já ficou preso e sentiu um pouquinho o peso do que fez. Mas precisa ficar mais tempo atrás das grades para aprender o valor da vida humana;.

Cláudia Nogueira de Lima, 35 anos, mulher de Paulo José Loureiro, morto aos 33 anos em um acidente de trânsito supostamente provocado por Igor de Resende Borges.

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