Adriana Bernardes
postado em 03/11/2009 08:00
Nem amigo da vez nem suco de laranja a noite toda. Trocar o bar mais badalado da cidade por outro perto de casa, só para evitar a blitz da lei seca, nem pensar. No Distrito Federal, há quem faça qualquer coisa para não abrir mão de beber e voltar para casa dirigindo. Depois da corrente do goró, bem no comecinho da lei seca, a moda agora é consultar o Twitter ; um microblog ; para fugir da fiscalização. Mas isso é apenas um item de uma lista enorme de estratégias para burlar a fiscalização. Há quem conte até com a ajuda divina de São Pedro.A página do Twitter que alerta sobre blitzes tem mil seguidores, fato comemorado na última quinta-feira com a seguinte mensagem. ;Galeraaa , conseguimos a meta estabelecida, a partir de agora é só aumentar, cobertura total em BSB, vamos q vamos....;. O princípio é o mesmo da corrente do goró, apelido às mensagens trocadas pelo celular. No caso do Twitter, só manda mensagem quem é registrado. E para ler a informação é preciso acessar a internet.
Apesar de se propor a avisar sobre blitzes, na página tem mais mensagem de convocação para que mais pessoas ;dedurem; os pontos de fiscalização do que efetivamente informações sobre onde ocorrem. Durante o mês de outubro, os usuários informaram a ocorrência de 10 blitzes e o mesmo número de locais onde ocorrem com frequência.
Há quem use mecanismos mais simples. Um telefonema, por exemplo. Ou uma mensagem de celular. É o caso das amigas Patrícia Lisboa, 26 anos, professora, e Marilia Vieira, 25, secretária. Patrícia mora do Guará e Marília, em Sobradinho. ;Eu já mandei e recebi mensagem avisando sobre blitz. Isso é muito comum;, diz Patrícia. Já Marília procura caminhos alternativos para voltar para casa dirigindo depois de ter bebido. ;Tem lugar que eles nunca fazem blitz. É só você não passar pelos locais críticos que nunca vai ter problema;, diz.
São Pedro
Há quem despreze a tecnologia e aposte na ajuda que cai do céu: a chuva. E até quem se proponha a vencer os fiscais pelo cansaço. O estudante Guilherme Gonçalves, 23 anos, garante: com chuva, pode voltar dirigindo tranquilo porque não tem blitz. ;Mas não pode ser qualquer chuvinha. Tem que ser aquela que te deixa com preguiça de sair de casa. Não chega a ser um incentivo para ir para a balada. Mas é uma solução porque o policial não fica fazendo teste de bafômetro debaixo de chuva;, afirma.
Amigo de Guilherme, o também estudante Marcelo Rolim, 23, mapeou bares e quadras onde sempre têm fiscalização. Nas noites em que bebe e volta dirigindo evita passar pelas quadras 205, 402/403 Sul e Pontão do Lago Sul, por exemplo. ;Mas no Eixão nunca tem blitz. Na W3 e L2, é muito difícil;, assegura. A aposta do estudante Alex Chaves, 22, é na credibilidade dos casais. ;Quando tem casal no carro é mais difícil de ser parado. Mas se tem só macho, é fatal. Os agentes não perdoam;, diz.
E as estratégias não param por aí. Ficar na balada até 4h é outra tática adotada por motoristas que beberam e terão de voltar para casa dirigindo. Eles garantem que, nesse horário, não tem fiscalização. O advogado Antônio (nome fictício), 32, parte do princípio de que a proibição estabelecida pela lei seca é ilegal. ;Já fiquei em bar até as 4h, em plena terça-feira, esperando uma blitz acabar. Um amigo meu já passou dois carros por blitzes. Ele saiu primeiro, caiu e o teste deu negativo. Deixou o carro longe, voltou a pé para buscar outros dois que estavam no bar;, contou.
Tanto o gerente de Fiscalização do Departamento de Trânsito (Detran), Silvain Fonseca, quanto o comandante do Batalhão de Polícia do Trânsito (BPTran), coronel Ricardo Cintra, asseguram que as estratégias dos motoristas para burlar as blitzes são insignificantes. ;A gente fica duas, três horas em cada ponto. Numa noite cobrimos pelo menos 15 regiões. Se escapa de um cai em outro;, afirmou o coronel Cintra. ;Esse tipo de iniciativa não preocupa de forma alguma. São tão ineficientes que o número de autuações só tem aumentado. De junho do ano passado para cá, já flagramos mais de 5 mil condutores alcoolizados;, finalizou Fonseca.
Tolerância zero
Lei seca é como ficou conhecida a Lei Federal n; 11.705/08, que instituiu a tolerância zero à mistura álcool e volante. Entrou em vigor em 20 de junho do ano passado e tornou mais rígida a punição aos infratores, transformando em crime o ato de dirigir com concentração de álcool igual ou superior a 0,3 miligrama por litro de ar expelido dos pulmões, por exemplo.
; Punições aumentam nas pistas
O aumento do número de condutores autuados por dirigir alcoolizado e das suspensões de carteira de motorista com base no artigo 165 da lei seca são fatos que, segundo Silvain Fonseca, demonstram a ineficácia das estratégias para escapar da punição. De 20 de julho de 2008 até 20 de outubro passado, a fiscalização flagrou 5.066 pessoas ao volante sob a influência de álcool. Durante todo o ano de 2008, foram 2.668 autos emitidos.
Os primeiros a cair na blitzes começam a sentir a agora o peso maior da punição. De janeiro a setembro deste ano, a quantidade de pessoas punidas com a suspensão de dirigir por um ano aumentou em 363%. Em números absolutos, o Departamento de Trânsito (Detran) tirou das ruas 1.311 condutores que foram flagrados dirigindo sob o efeito do álcool. No mesmo período do ano passado, foram apenas 283.
Entre os 5.066 motoristas pegos infringindo a lei seca, 2.183 acabaram na delegacia porque o bafômetro acusou índice igual ou maior que 0,3 miligrama de álcool por litro de ar expelido dos pulmões. Esses, além das punições administrativas ; multa e suspensão da CNH ; tiveram de pagar fiança (entre R$ 600 e R$ 2 mil), e estão respondendo criminalmente. Em alguns casos, o Ministério Público propõe um acordo de suspensão do processo por dois anos, desde que o infrator aceite uma lista de condições. Entre elas, prestar serviço comunitário e só sair do DF por mais de 15 dias com autorização do juiz.