Renato Alves
postado em 08/11/2009 08:27
Um tesouro da história candanga e nacional está guardado em um apartamento no Rio de Janeiro. São mais de 2 mil imagens, de altíssima qualidade técnica e praticamente desconhecidas. Registros da construção e inauguração da nova capital, sob a ótica do paraibano Alberto Ferreira Lima, um dos mais importantes repórteres-fotográficos do país. Morto em 2007 aos 75 anos, ele deixou o acervo quase intocado. Somente em 2010, no cinquentenário de Brasília, é que os brasilienses e brasileiros poderão conhecer a obra, por meio de livro e exposição ; que correrá no Distrito Federal, no Brasil e no mundo. Com exclusividade, o Correio revela hoje parte do acervo de Alberto Ferreira. São 10 imagens selecionadas e cedidas por um dos três filhos dele, o também fotojornalista Antônio Carlos Ferreira Lima, 39 anos. Ele é o coordenador do projeto Construção e inauguração de Brasília: O olhar de Alberto Ferreira. ;A ideia não é ganhar dinheiro. Quero que meu pai deixe de ser reconhecido apenas como o autor da foto da bicicleta do Pelé e passe a ser reconhecido também como o fotógrafo da construção da capital do nosso país;, ressalta Antônio Carlos.
Ele se refere ao registro feito pelo pai, em uma época de equipamentos fotográficos inteiramente mecânicos, do voo de Pelé em um jogo do Brasil contra a Bélgica, no Maracanã, em 1965. É a foto mais famosa de Alberto Ferreira. Rendeu-lhe o prêmio Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e tornou-se um símbolo. Esteve exposta no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, no Maracanã e em tantos outros museus. Faz parte, por exemplo, do acervo do Museu Europeu de Fotografia como um dos 28 Instantâneos de Felicidade.
Candangos
Além de cobrir os maiores eventos esportivos ao longo da carreira, Alberto Ferreira esteve diversas vezes em Brasília, de 1958 até a inauguração da cidade, em 21 de abril de 1960. Ele sempre vinha ao Planalto Central acompanhado pela condessa Pereira Carneiro, dona do Jornal do Brasil, veículo carioca para o qual trabalhava. As imagens dos encontros da patroa com o então presidente, Juscelino Kubitschek, e outras autoridades eram publicadas na época pelo jornal. Mas o restante do rico material, o registro do cotidiano da cidade em construção, jamais ganhou a página de um periódico, até hoje.
Entre as preciosidades de Alberto Ferreira estão a colocação de pedras e o plantio de árvores nas principais vias e monumentos de Brasília e, acima de tudo, os flagrantes da vida e do trabalho dos operários. São cenas inusitadas, como o momento do lanche em uma barraca de madeira com salames pendurados, em meio ao poeirão, tendo apenas o Supremo Tribunal Federal ao fundo. ;Imigrante nordestino, que se mudou para o Rio aos 18 anos em busca de emprego, meu pai se identificava com os candangos, por isso sentia necessidade de mostrar a realidade deles em Brasília;, ressalta Antônio Carlos.
Das suas mais de 2 mil imagens da construção e inauguração da capital, Alberto Ferreira decidiu passar 40 para o papel, pela primeira vez, em 2005. Na época, as fotos ficaram expostas em Paris, na mostra Brasília, uma metáfora da liberdade, durante as comemorações do Ano do Brasil na França. O restante da obra sobre Brasília veio à tona após a morte do autor. Quando decidiu revirar o acervo de quase 20 mil fotos do pai, guardadas em rolos de negativo no apartamento de Alberto Ferreira em São Paulo, Antônio Carlos se empolgou com a quantidade de registros feitos no Distrito Federal.
Conservação
Preocupado com o destino e com a conservação do acervo do pai, Antônio Carlos levou tudo para seu apartamento, no Rio de Janeiro. Lá, examinando melhor o material, constatou que cerca de 30% dos 2 mil negativos com imagens de Brasília estavam danificados pelo tempo. Esses serão restaurados. Os outros 70% passam por identificação de personagens e locais. ;Até agora, catalogamos apenas 10%, a quantidade editada no livro. Todo o trabalho é uma contribuição para a memória do meu pai e de Brasília;, destaca o fotógrafo.
O número
No acervo de Alberto Ferreira de Brasília há
1,2 mil negativos em formato 6x6cm, que permitem ampliar a fotografia do tamanho de um outdoor e outras
800 do tamanho 35mm, o convencional, mais vendido na era anterior às câmeras digitais
PERSONAGEM DA NOTÍCIA
Precursor do fotojornalismo
Nascido em Campina Grande (PB), Alberto Ferreira Lima é um dos precursores do fotojornalismo brasileiro, dos primeiros a fazer valer o velho chavão das redações de que ;uma foto vale mais que mil palavras;. ;O Alberto é da época em que a fotografia em jornal era algo meramente ilustrativo. A partir do trabalho dele e de outros, essa linguagem mudou. A imagem passou a ser um elemento informativo;, destaca o jornalista Lutero Mota Soares, 73 anos, colega de trabalho de Ferreira no Jornal do Brasil (JB).
O também fotógrafo Erno Schneider, 74, é da geração dos primórdios do fotojornalismo. Trabalhou com Alberto Ferreira no JB. ;Nossa equipe procurava fazer sempre diferente dos fotógrafos de outros veículos;, lembra ele, autor da célebre foto do então presidente Jânio Quadros com os pés enviesados, que simbolizavam a incoerente atuação política e ficaram para sempre associados à sua imagem.
Já Alberto Ferreira venceu vários prêmios importantes nos 30 anos de JB, sendo 25 como editor de fotografia. Uma de suas fotos mais famosas, que lhe valeu o prêmio Esso de fotografia em 1963, registra o exato momento em que Pelé, na partida do Brasil contra a então Tchecoslováquia, sente a contusão que o afastou definitivamente da Copa do Mundo do Chile, em 1962.
Alberto Ferreira participou de diversas reportagens no exterior ligadas ao esporte brasileiro. Cobriu a Copa da Inglaterra, em 1966, e trabalhou na Copa do México em 1970. Dois anos mais tarde, passou longa temporada cobrindo a Fórmula-1, fazendo algumas das melhores imagens da carreira de Emerson Fittipaldi. Esteve nas Olimpíadas de Munique (1972) e oito anos depois nas de Moscou. Lá, só ele fez uma sequência de fotos da única queda durante uma competição da campeoníssima ginasta romena Nádia Comanecci.
Em 1982, Alberto Ferreira foi cobrir uma Copa do Mundo, na Espanha. Em 1986, voltou ao México para outro campeonato mundial. Suas fotos jornalísticas são notáveis também em outras áreas, como a cobertura do concurso Miss Universo em Miami, em 1963, e os funerais de Bob Kennedy, em Washington, em 1968 ; evento que o repórter fotográfico considerava um dos momentos mais emocionantes de sua carreira.
Em 2005, Ferreira expôs em Paris, fazendo parte da coleção da MEP (Maison Européene de la Photographie), que revela o ;instantâneo; como parte fundamental da nossa memória pessoal e coletiva, sendo considerado um dos 28 maiores fotógrafos do século com Sebastião Salgado (os dois únicos brasileiros), Henri Cartier Bresson, Robert Doisneau, Edouard Boubat, Pierre Verger e outros.
Obra vai rodar o mundo
O projeto Construção e inauguração de Brasília: O olhar de Alberto Ferreira tem o custo de R$ 1 milhão e é financiado pela iniciativa privada. O livro de Alberto Ferreira será trilíngue (português, inglês, espanhol), editado em formato 29x27cm com capa dura e 230 páginas. Terá 200 imagens e textos, trazendo o contexto histórico da construção e da inauguração de Brasília.
Já a exposição será lançada em Brasília, em abril. Depois, seguirá por América Latina, Estados Unidos e Europa. Retornará ao Distrito Federal para uma temporada itinerante. O Museu Vivo da Memória Candanga, no Núcleo Bandeirante, ganhará cópias das fotografias.
Em Brasília, a exposição ocupará 400 metros quadrados ; em local a ser definido ; e será composta pelas 200 fotografias do livro. O espaço reproduzirá um ambiente de construção, usando materiais e objetos de obra, como andaimes, concreto, cabos de aço, areia, porcas e parafusos. Outro ambiente será o da inauguração da capital, recriando a pompa do evento. Personagens registrados por Alberto Ferreira ganharão reprodução em madeira recortada e plotagem medindo 2,50m de altura.
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