postado em 09/11/2009 08:38
Com uma das mãos, o pedreiro Cláudio Gomes da Silva, 43 anos, segurava a bíblia sagrada. Com a outra, puxava Aline* pelos cabelos e a rodava no ar. A criança de apenas 2 anos já não chorava mais. O irmão dela ; um bebê de apenas oito meses ;, também estava inconsciente. Ambos foram espancados na noite de domingo, no conjunto 1 da Fazendinha, no Itapoã. O bebê sofreu convulsões e deu entrada no Hospital Regional do Paranoá (HRP) com traumatismo craniano, ferimentos no abdome e no pescoço. Ele e a irmã foram transferidos em estado grave para o Hospital de Base. Aline também teve traumatismo craniano, além de ferimento na orelha e vários cortes pelo rosto.O caso foi registrado na 6; Delegacia de Polícia (Paranoá) e Cláudio foi preso em flagrante, poucas horas depois do crime, acusado de dupla tentativa de homicídio. Conforme depoimento de testemunhas, as crianças dormiam ao lado da mãe quando foram retiradas da cama pelo pedreiro, que passou a noite bebendo com os amigos. Enquanto jogavam dominó, ele e a própria mãe das vítimas tomaram juntos uma garrafa de cachaça. Segundo o delegado plantonista Eduardo Viges, o acusado teria espancado as crianças com a justificativa de exorcizá-las. ;Ele dizia que estava tirando o capeta do corpo dos filhos dela;, contou Eduardo.
Depois de beber, a mãe foi dormir em um colchão de solteiro na parte de baixo de uma bicama. Colocou ao seu lado os três filhos de oito meses, 2 e outro de 4 anos. A mulher só acordou depois que foi chamada pelo outro colega, o pedreiro Joaquim da Rocha Soares Neto, 37. Ele estava deitado em um colchão da sala e diz ter presenciado a agressão do amigo apenas contra Aline. ;Parece que ele tentou deitar na mesma cama e as crianças estavam atrapalhando. Daí, ele arrastou a menina pelos cabelos e a ficou jogando para cima e para baixo. Não o vi agredindo o bebê.;
Foi Joaquim quem conseguiu arrancar a criança dos braços do pedreiro. Após perceber o que estava acontecendo, a mãe resolveu sair da casa e seguiu pela rua pedindo ajuda aos vizinhos. Estava acompanhada de Joaquim e carregava o bebê em um carrinho. O brigadista Ricardo Helber de Paiva Pereira, 20 e a mulher dele, Mayara Xavier de Souza, da mesma idade, ouviram os gritos na rua e saíram para ver o que acontecia. ;Quando peguei o bebê no colo, percebi que ele estava gelado e não respirava. Fiquei fazendo massagem até que ele deu um suspiro. Foi tão desesperador, que comecei a chorar. Parei o primeiro carro que passou na rua e pedi para nos levar ao hospital;, contou Mayara.
Enquanto isso, Ricardo carregava Aline nos braços. ;Deitei ela no sofá e vi que o ouvido estava sangrando;, relembrou. Depois de perceber a gravidade do estado de saúde da pequena, Ricardo foi para o mesmo hospital onde a mulher dele tinha ido. ;Quando vi aquilo, pensei logo na minha filha. Não sei como um ser humano pode fazer uma coisa dessas com alguém tão indefeso;, disse.
O casal conta que o carrinho de bebê estava jogado na rua, com roupas sujas. A polícia chegou a Cláudio, vulgo ;Pernambuco;, após os médicos avaliarem as crianças e terem constatado o espancamento. Na delegacia, ele disse não lembrar do ocorrido e não quis prestar depoimento. De acordo com o delegado, a mãe das crianças teria um relacionamento com o pedreiro, que não é o pai das vítimas. Na casa onde tudo ocorreu, amigos disseram desconhecer que os dois tinham um caso. ;Ela tinha o costume de aparecer por aqui para beber, mas eles eram apenas amigos;, afirmou Joaquim.
Cláudio foi levado para a carceragem do Departamento de Polícia Especializada (DPE). A mãe das crianças pode ser indiciada por negligência, mas por enquanto, como as crianças não têm onde ficar, o delegado recomendou ao pai biológico que ele pedisse a guarda dos menores junto à Vara da Infância e da Juventude (VIJ).
* Nome fictício em respeito ao Estatudo do Menor e do Adolescente.
Punição
A pena para o crime de tentativa de homicídio é de 6 a 20 anos de reclusão para cada vítima. O Código Penal Brasileiro prevê aumento de pena caso as vítimas sejam crianças menores de 14 anos ou maiores de 60 anos de idade
PALAVRA DA ESPECIALISTA
Para aliviar a culpa
Para aliviar a culpa
Não existe uma explicação para o que aconteceu do ponto de vista científico. Existe o fanatismo de pessoas que estão envolvidas com determinados dogmas, mas eu acho que, de modo geral, o álcool e outros tipos de droga potencializam a predisposição de uma pessoa para a violência. Naquele momento é como se a pessoa tivesse um lapso. No meu ponto de vista a religião, sem criticar nenhuma delas, é uma forma de conforto. O que a gente percebe é que as pessoas que cometem um crime querem arranjar uma justificativa para o ato agressivo, porque tem dificuldade de assumir o erro. Isso alivia a culpa. É uma forma de se esquivar. Como bater em uma criança de oito meses? Qual a justificativa para espancar um bebê? Simplesmente não existe.
Sônia Prado
Especialista em violência doméstica graduada pela Universidade de Brasília (UnB).