Cidades

Donas de casa de Ceilândia Sul se reúnem para jogar futebol

A cada fim de semana, elas derrotam a rotina com um gol de placa

Juliana Boechat
postado em 09/11/2009 09:25
Todo domingo, por volta das 14h, a casa de Maria da Paz, 44 anos, na Quadra 8 de Ceilândia Sul, começa a encher. O quintal vira vestiário para quase 40 mulheres que se preparam para trocar a rotina de dona de casa por um campo de futebol de terra batida. A organizadora Francinete Moura Lima, 31, é sempre a primeira a chegar. Com a prancheta em mãos, vestindo meião e chuteira, distribui os uniformes de todas as participantes e divide os dois times: Mulheres de Hoje e Quebrando a Rotina. Às 16h em ponto, o juiz apita o início da partida. E, a partir daí, a diversão não tem hora para acabar. Seis meses depois do primeiro jogo, a mudança de vida das jogadoras é perceptível pelo sorriso sem fim no rosto de cada uma.

Todos os domingos, os problemas de casa são esquecidos no jogoFrancinete teve a ideia de organizar os jogos para oferecer às mulheres da comunidade um momento de diversão. Grande parte delas passava a semana inteira, inclusive os sábados e os domingos, em casa, trabalhando. Aos fins de semana, enquanto os maridos saíam para jogar futebol ou conversar em bares, elas ficavam sem opções. ;As mulheres ficavam dentro de casa pedindo socorro, enquanto os maridos iam para barzinhos beber e assistir a jogos de futebol;, contou Francinete. Agoniada com a situação, saiu pela cidade em busca de opção de diversão. O campo de futebol, utilizado pelos jovens, tornou-se a opção mais acessível. Mesmo sem gostar do esporte, bateu de porta em porta para recrutar mulheres. O sucesso foi imediato.

No início, os jogos eram realizados a cada 15 dias. Mas as mulheres não conseguiam manter o ritmo de jogo e o condicionamento físico em dia. Animadas, passaram o compromisso para todo domingo. A comunidade não acreditava que o ânimo das donas de casa perduraria. Mas, aos poucos, elas conquistaram a credibilidade dos vizinhos e firmaram o horário e o local de todos os jogos. Hoje, contam até mesmo com espectadores e torcedores. ;Os maridos são os maiores fãs. Eles torcem, incentivam e dão dicas. Quando fazemos gols, saem correndo para dar beijo;, contou Francinete.

As mulheres contam com a torcida dos maridos e a orientação dos filhosAs inscrições para os jogos são feitas durante a semana no bar localizado bem em frente ao campo de futebol. O dono do estabelecimento, Francisco Vieira Neto, tornou-se um dos principais investidores das mulheres. Patrocinou uniformes, oferece água e banheiro às jogadoras e ainda paga o caminhão-pipa para molhar o campo de terra batida em época de seca. O juiz Marcos Antonio de Oliveira, jogador profissional no Distrito Federal, também apoia a diversão das mulheres. A cada 15 dias, ele fica responsável pelas regras do jogo. ;A gente ajuda ao máximo. O objetivo delas foi alcançado. Elas começaram mal, mas merecem parabéns. Melhoraram 100%;, contou. Ele brinca com todas, dá dicas durante o jogo e deixa a brincadeira correr solta. ;Só tenho dó da minha mãe;, brincou, referindo-se às reclamações das jogadoras.

A animação é tanta, que as mulheres jogam bola até mesmo embaixo de chuva. Ainda assim, todas fazem questão de arrumar o cabelo, passar sombras coloridas e batons brilhantes. ;Deixamos a chapinha de lado para nos divertir;, garantiu uma delas. A maioria carrega os filhos para os jogos. Mas muitas foram obrigadas a deixar o campo para amamentar ou tirar crianças que subiram em árvores e se recusam a descer. ;O jogo serve também como resgate do valor da família. Os filhos nos ensinam algumas coisas de futebol e a gente sai de casa para assisti-los jogar. Além de melhorar a disposição para o dia a dia;, contou a dona de casa e frequentadora assídua dos jogos Marinete Moura Lima, 34 anos.

Superação
A cada fim de semana, elas derrotam a rotina com um gol de placaSegundo Francinete, a organização dos jogos é feita com improviso. Se a atacante falta, a zagueira ocupa o espaço vazio. Se tem poucas jogadoras ou as reservas faltam, o tempo de jogo diminui para evitar o cansaço. Nos dias mais animados, são realizadas três partidas. Até mesmo o nome do campo muda, dependendo da estação do ano: Barreirão, na época da seca, e Lamação, no período de chuva. Mas nada disso importa para as participantes. Das 14h até o momento em que o céu escurece, elas não param de rir, brincar e estimular uma à outra.

Funcionária pública, Maria da Paz prefere ocupar a posição de atacante do time. Começou a brincadeira há seis meses, mesmo sem gostar de futebol. Ela garante que a iniciativa mudou de vez a relação dela no ambiente de trabalho, com a família e até mesmo com os vizinhos. ;Eu era nervosa demais. Eu não tinha amizade e brigava muito com as pessoas;, contou. Mas quando Francinete passou em sua casa, resolveu ajudar a amiga a preencher o time. Não parou mais. Hoje, ela oferece a casa para as amigas se arrumarem antes das partidas e mantém o sorriso no rosto a todo instante. ;Hoje tenho amigas demais. Sou outra pessoa. Não tenho nem palavras para explicar a mudança;, desabafou.

A dona de casa Deusiane Fonseca Ferreira, 26, jogou escondida do marido por três meses. ;Eu queria quebrar a rotina. Estava sempre estressada. Até a minha autoestima subiu;. Empolgada, ela contou que o marido descobriu a mentira, mas a autorizou a participação nos jogos. A amiga Maria Aparecida Souza Rodrigues, 26, participou da brincadeira pela segunda vez neste domingo. Da primeira vez, falou ao marido que ia assistir ao jogo. Mas não resistiu: dobrou as calças e entrou em campo. Quando foi obrigada a deixar o jogo por causa do filho de 10 meses, Maria chorou. ;Aqui você brinca, sorri, se diverte. Ainda tem uma palavra amiga e conforto com as outras mulheres;, contou.

Mas o maior orgulho de todas as participantes é Maria Celina Rodrigues da Costa, 51. Zagueira, é aplaudida e elogiada pelas adversárias e tem torcida toda vez que tira uma bola da grande área. Antes de se envolver com o futebol, Celina tinha depressão e quase não saía de casa, a não ser para ir ao médico ou supermercado. Mesmo sem entender sobre futebol, ela resolveu passar por cima de todas as dificuldades e enfrentar o campo. Hoje em dia, a vida dela é bem diferente. ;Minha vida mudou aos poucos e agora é bem diferente de antes. Eu precisava de uma ginástica. Hoje eu me sinto bem!” comemorou. ;Ela melhorou muito, principalmente a coordenação motora e a convivência com as pessoas;, elogiou uma colega de time.

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