Jornal Correio Braziliense

Cidades

Bares incomodam em 12 entrequadras

Principais reclamações dos moradores são a ausência de vagas, o barulho e com a circulação de pessoas nas áreas residenciais. Empresários e governo defendem um local específico para os estabelecimentos

O bar Miau que Mia abriu suas portas com enorme sucesso em 25 de agosto. Uma data que os moradores da SQS 108 não vão esquecer tão cedo. Desde que o estabelecimento, inspirado na França dos anos 1920, começou a funcionar, os condôminos dos 11 blocos da quadra residencial não têm sossego. ;Temos receio de circular à noite, nossos jardins viraram banheiros e faltam vagas para os moradores dos prédios, que não têm garagem interna;, reclama Sandoval Cervo, síndico do Bloco C, o mais afetado pelo bar. E reclamações semelhantes existem em outras quadras do Plano Piloto, onde a convivência entre donos de bar e moradores piora a cada ano.

Na Asa Sul, as quadras mais problemáticas são 108, 203, 204, 206, 208, 303 e 405. Na Asa Norte, as reclamações mais constantes ficam com os moradores das quadras 107, 109, 209, 210, 312, 408 e 704. São 14 pontos problemáticos em 12 das 57 entrequadras da cidade, além de um ponto na 704 Norte ; o que não significa que os moradores das outras quadras não tenham suas reclamações.

O incômodo causado pelos bares é antigo(1) no Plano Piloto, mas continua como a principal reclamação registrada pelo Conselho Comunitário da Asa Sul ; seis dos 13 prefeitos e representantes presentes à última reunião do grupo, em agosto, relacionaram problemas aos estabelecimentos ; e rivaliza apenas com as denúncias de invasão de área pública no conselho da Asa Norte.

São queixas com relação à ausência de vagas, ao barulho e à circulação excessiva de pessoas estranhas debaixo dos blocos. ;Depois que o bar abriu, já houve tiroteio na quadra. Um dos nossos porteiros disse que pensa em voltar para o Piauí porque por aqui ficou muito perigoso, e um inquilino já decidiu se mudar;, afirma Cervo.

Confusão
Também incomodados pela implicância constante dos vizinhos, os donos dos bares argumentam que há boates e restaurantes próximos a residências em todo o Brasil, e apenas os brasilienses não conseguem conviver com isso. Para o presidente do Sindicato dos Hotéis, Bares e Restaurantes (Sindhobar), Clayton Machado, o o atrito no Plano Piloto é fruto de confusão acerca do tombamento da cidade. ;Engessaram Brasília. As pessoas não entendem o que pode ou não ser feito e defendem a proibição de tudo;, explica Machado, que atribui o problema ao mau aproveitamento dos setores de diversões Sul e Norte.

;O empreendedorismo imobiliário tomou conta desses espaços e o Setor de Diversões teve de se espalhar;, explica Machado, acrescentando, contudo, que esse tipo de concentração em um setor não existe em outro lugar do mundo. ;Sabemos que as pessoas de mais idade merecem paz, mas a cidade está crescendo. É preciso conviver com isso;, conclui.

O urbanista Frederico Flósculo discorda e dá exemplo de cidades do exterior que conseguiram crescer sem prejudicar os próprios moradores. ;Nova York é muito silenciosa. Mesmo na hora do rush, parece domingo. Tóquio também. E essas cidades nem têm a qualidade urbanística de cidade parque a partir da qual Brasília foi planejada;, compara o professor de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília (UnB). ;Temos de chegar no primeiro mundo em silêncio. Ele vale ouro;, complementa o urbanista.

Na opinião de Flósculo, o incômodo provocado pelos bares é o mesmo em todo o país, mas o brasiliense é mais sensível aos transtornos. ;A população que mora nos bairros de alta qualidade urbanística de Brasília desenvolveu uma compreensível intolerância a coisas que são toleradas em qualquer localidade do planeta;, argumenta. Outra explicação para o crescimento da implicância com os bares é o envelhecimento dos moradores do Plano Piloto, que já não têm tanto interesse na vida noturna quanto antigamente.

Solução
A melhor saída para o problema, segundo os empresários e administradores públicos consultados pelo Correio, seria arrumar um local para os grandes bares se instalarem. É nisso que a Administração Regional de Brasília trabalha. ;Precisamos de outras áreas para estabelecimentos maiores e já estamos urbanizando o Beira Lago (leia Para saber mais), próximo à terceira ponte;, diz a administradora Ivelise Longhi. Segundo ela, o Setor Comercial Sul e a Avenida W3 também podem servir à instalação dos bares.

A área próxima ao lago, que está na fase de colocação dos jardins, deve abrigar alguns bares junto com um terreno mais afastado do lago que hoje pertence à Terracap. Estima-se que a região possa abrigar 20 estabelecimentos ; ainda falta avaliar a amplitude dos estacionamentos. Existe a expectativa de que os bares que causam mais transtornos tenham preferência para ocupar o local, mas essa possibilidade ainda é avaliada do ponto de vista legal, segundo Ivelise.
[SAIBAMAIS]
Enquanto isso, a Administração Regional instrui os comerciantes para que eles se adequem à Lei dos Puxadinhos(2) até abril do próximo ano, quando as novas regras para a ocupação das quadras comerciais da Asa Sul entram em vigor ; levantamento realizado pelo Correio no mês passado mostrou que apenas três das cerca de 1,2 mil lojas apresentaram proposta de regularização. ;Estabelecemos um prazo de seis meses para estar com tudo amarrado;, diz Ivelise.

1- Fechamento
Desde 17 de janeiro de 2008, os bares do Plano Piloto devem fechar as portas à 1h, de domingo a quarta-feira, e às 2h de quinta-feira a sábado ou vésperas de feriado. O acordo firmado entre governo, moradores e empresários também estabelece que música mecânica, ao vivo ou com amplificadores só será permitida em ambientes com isolamento acústico.


2- Limites
A Lei n; 766, de 2008, aprovada em junho de 2008 e regulamentada em abril passado, estabelece que no caso da ocupação das laterais, como a utilizada pelos bares das pontas das quadras, só será permitida a colocação de mesas e cadeiras se respeitado o limite de 5m, e com a condição de que exista projeto paisagístico aprovado pela Administração Regional de Brasília.

; Para saber mais
Às margens do Paranoá


Encarado como uma das saídas para o problema dos bares no Plano Piloto, o Projeto Orla foi criado em 1995 com a finalidade de integrar os moradores de Brasília ao Lago Paranoá, mas nunca chegou a ser posto em prática efetivamente. O complexo Beira Lago, próximo à ponte JK, estava previsto como o Polo 6 do projeto ; que continha 11 polos ;, mas não previa exatamente um espaço gastronômico.

No plano original, o Polo 6 tinha por objetivo atender às necessidades cotidianas da população vizinha à área, com comércio de pequeno e médio porte, além de centros de lazer com casas de espetáculos e uma marina. Para materializar o Beira Lago, o Governo do Distrito Federal prometeu investir R$ 2,1 milhões. O investimento inclui a construção de píeres e calçadões do início da Ponte JK até o Clube da Associação dos Delegados de Polícia (Adepol).

Estão previstos também estacionamentos públicos (sem número de vagas definido), um parquinho infantil e uma praça com fontes. Além disso, instalação de lixeiras e jardinagem completa, com o plantio de grama, palmeiras e sistema de irrigação. Os empresários consultados pelo Correio acreditam que o complexo gatronômico pode ajudar a solucionar o problema dos bares do Plano Piloto e esperam avidamente pelo início do funcionamento.