Jornal Correio Braziliense

Cidades

Inquérito falho, sentença errada

Ausência de perícia. Laudos inconclusivos. Provas nunca encontradas. Depoimentos de testemunhas de defesa ignorados. Depoimentos de acusadores contraditórios. Tortura do réu. Falta de confissão. Em meio a esse cenário, o verdureiro Aldo José Silva Rodrigues acabou condenado a 20 anos de cadeia por um latrocínio (roubo com morte). Passou 14 meses num presídio, onde havia entrado com a saúde perfeita. Saiu desnutrido, surdo e com o intestino inválido. O drama do rapaz, hoje com 28 anos, é maior que o revelado ontem pelo Correio. Maiores também são os erros e as arbitrariedades cometidos, segundo desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).

O crime ocorreu por volta das 23h de 26 de agosto de 2003, em uma chácara do Núcleo Rural Taquara, em Planaltina, onde Aldo mora. As únicas testemunhas seriam o caseiro do terreno e o filho dele. Ambos contaram, em depoimento, terem visto três homens ; dois deles encapuzados ; chegar num carro não identificado e entrar na propriedade armados. Disseram ter fechado a porta da casa e ouvido 15 tiros. Escutaram o veículo partir e um grito do dono da chácara, um aposentado de 76 anos. O ex-servidor do Senado estava só na residência, baleado, a uns 50m da casa do caseiro.

[SAIBAMAIS]O trio teria levado uma TV 29 polegadas, um aparelho de som com capacidade para três CDs, uma rede de descanso, um aparelho de telefone celular e um macaco hidráulico. O caseiro contou ter ouvido, da boca da vítima, que um dos assassinos era Aldo. O homem morreu sem falar com a polícia. Aldo foi preso por dois policiais militares pouco após a meia-noite, com a Kombi carregada de verduras. Os PMs não encontraram os supostos objetos roubados no veículo nem na casa do acusado ou dos parentes dele. Aldo ganhava a vida comprando a produção de vizinhos à noite para revendê-la na Ceasa.

Oito testemunhas de defesa, incluindo outros dois PMs, afirmaram em depoimento na Justiça ter encontrado ou visto Aldo trabalhando entre as 22h30 e as 24h da noite do crime. Na decisão que resultou na absolvição dele e no arquivamento do processo, o desembargador Edson Alfredo Smaniotto afirmou terem sido ;ignorados; os relatos dessas pessoas. O magistrado também destacou o fato de a perícia não ter encontrado marcas dos pneus da Kombi de Aldo no cenário do crime.

O desembargador chamou a atenção ainda para as contradições entre os depoimentos da acusação. ;A esposa do caseiro também estava no carro em que socorreram a vítima e, segundo afirmou, não ouviu esta falar nada durante o trajeto; Mas, assim como o marido, a mulher disse em depoimento que não conhecia Aldo, só o havia visto uma vez, mas que ele tinha furtado a chácara do patrão ;várias vezes; e a polícia recuperara todos os objetos levados, como TV, som e bebidas. ;Ora, nada disso se apurou como verdadeiro. Aldo nunca foi preso por furto ou tentativa;, comentou.

Quanto à afirmação de que os caseiros não conheciam o acusado, o desembargador lembrou de uma ação trabalhista movida por Aldo contra o dono da chácara. Aldo, que havia trabalhado na propriedade por seis anos, segundo o processo, ganhou a causa, mas nunca recebeu pelos serviços. Para o magistrado, causou estranheza o fato de a polícia não ter feito exame nas mãos de Aldo. Elas deveriam conter vestígios de pólvora se o rapaz tivesse disparado uma das armas no latrocínio.

Indenização
Smaniotto destacou que todas as testemunhas e álibis apresentados por um advogado contratado por familiares do acusado nunca foram levados em consideração pelo juiz responsável pelo caso. Diante desse quadro, o desembargador convenceu outros dois colegas da Primeira Turma Criminal do TJDFT que o réu tinha de ser solto imediatamente e absolvido das acusações, o que ocorreu em 25 de agosto de 2005. Desde então, com a ajuda da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara dos Deputados, Aldo e seus pais tentam ser ressarcidos de todos os prejuízos. A CDH entrou com pedido de indenização de R$ 200 mil e garantia de tratamento gratuito e contínuo a Aldo.

;No dia que fui preso, os policiais civis me deram socos no estômago, tapões no ouvido e até quebraram um cabo de vassoura nas minhas costas. Queriam que eu confessasse de qualquer forma. Depois disso, na cadeia, comecei a não ouvir direito nem a fazer xixi e defecar. Não conseguia dormir. Acho que por isso fiquei assim;, observa o rapaz.