Cidades

Donos de bares e restaurantes ameaçam entrar com ação na Justiça

Naira Trindade
postado em 18/11/2009 07:35

O estudante universitário Pedro Wallace Ribeiro, 28 anos, morador de Taguatinga, fuma há 13 anos. Ele garante obedecer todas as proibições já existentes sobre locais onde se pode ou não fumar. Como grande parte dos fumantes, Pedro aprecia a combinação de bebida alcoólica e cigarro. E acredita não haver nenhum lugar melhor para desfrutar dessas substâncias que o bar. Caso a nova lei seja aprovada, a vida social de Pedro e de muitas outras pessoas deve mudar. ;Se essa nova regra começar a valer, não frequentarei mais bares. Vou comprar minha bebida e ficar em casa fumando meu cigarro;, diz.

Preocupado com mudanças de comportamento como a de Pedro, o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do DF (Sindhobar) promete entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a lei, caso a medida seja aprovada. O presidente da entidade, Clayton Machado, reclama das mudanças. ;Há nove meses, aprovaram uma lei que permitia os fumódromos. Os bares gastaram mais de R$ 5 milhões para se adequar e oferecer o melhor serviço possível;, diz. ;Agora, teremos muitos prejuízos se aprovarem a lei. Há 100 mil trabalhadores no setor e com essa limitação pode haver desemprego;, prevê.

Machado considera as restrições injustas. ;A nova regra quer punir o dono do estabelecimento por um ato não praticado por ele. Mesmo que o comerciante adote medidas para proibir o fumo, ele será punido caso não evite que alguém fume;, afirma. Grande parte dos 10 mil bares e restaurantes procurou adaptar-se à Lei Federal n; 9.294/96 e construiu alas separadas para fumantes e não fumantes.

O restaurante Piantella, na 202 Sul, conta com um amplo bar reservado para quem queira fumar. ;Temos uma cortina de ar que separa os dois lados, há pelo menos 10 anos. Mas as pessoas estão parando de fumar. Cerca de 20% dos 120 clientes que passam por aqui diariamente usam a área de tabagistas;, explica o dono do Piantella, Marco Aurélio Costa, 59 anos. Ele confia no padrão de qualidade do estabelecimento para continuar atraindo clientes, mesmo com a proibição do fumo. ;Pode ser que gere ou não prejuízos. É difícil dizer. Mas se a nova regra começar a valer vamos nos adaptar;, completa. Dados da Secretaria de Saúde do DF confirmam a impressão do empresário. Em 1997, 39% da população do DF era de fumantes. Atualmente, 14% dos brasilienses fazem uso de cigarro.

Trabalho
A possibilidade de uma nova lei para proibir o fumo agrada a quem precisa trabalhar em meio à fumaça dia e noite. ;É certo que as pessoas têm fumado menos, ainda mais em locais fechados, ainda que sejam fumódromos. Mas, mesmo assim, é muito desagradável ter de conviver com esse vício dos outros. Estamos todos torcendo pela aprovação da lei;, afirma João Batista(1), 42 anos, garçom no Piantella há 23. ;Em São Paulo e no Rio de Janeiro, já existe essa rigidez. Brasília está atrasada;, completa.

O advogado Rafael Koatz diz que a lei, se aprovada, interfere no direito de escolha, de livre iniciativa e de autonomia privada. ;Existem outros meios menos restritivos e igualmente eficazes. A saúde dos não fumantes está devidamente protegida com a presença de fumódromos;, conclui.

1 - Risco
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que pelo menos 200 mil pessoas morram anualmente em todo o mundo devido à inalação de fumaça de cigarro em ambiente profissional. De acordo com especialistas, o fumante passivo tem um risco 30% maior de câncer de pulmão e 24% maior de infarto do que os não-fumantes que não se expõem, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Discussão até no Orkut
<i>Wellington Vieira critica a restrição prevista na nova proposta</i>Não só os bares e similares devem sofrer alterações caso o projeto de lei passe a valer. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, há bancos reservados na entrada do prédio para quem deseja fumar. O espaço não fica um minuto vazio e a nuvem de fumaça toma conta do ar. Mas há quem comemore a nova lei, mesmo usando o fumódromo. ;Acho sensacional. Apesar de fumar 10 cigarros por dia, acredito que no mundo inteiro funciona assim;, opina a servidora pública Maria Lúcia Cunha, 62 anos, fumante há 15.

A proposta da nova lei antifumo aumenta a polêmica e acirra as discussões entre usuários de cigarro e os não fumantes. O Correio promoveu uma enquete no site com a pergunta: ;As leis que restringem os locais onde se pode fumar contribuem para reduzir o número de fumantes?;. A maior parte dos participantes, 62,%, disse que ;sim;. No total, 2.815 pessoas votaram.

Constrangimento
O estudante Wellington Vieira, 22 anos, fuma desde os 16 e está entre os que não aceitam a restrição mais radical. ;Quando estive em São Paulo, achei abusivo as pessoas me pedirem para não fumar em espaços abertos. Se a realidade for a mesma em Brasília, vai ser muito constrangedor;, reclama.

Um grupo de pessoas contra o fumo em espaços coletivos abriu uma discussão no Orkut, um site de relacionamentos, em uma comunidade dedicada a Brasília. Eles usam como exemplo o bar Nu Céu, na 405 Sul. De acordo com os participantes, os frequentadores do local não respeitam a proibição de não fumar em lugares fechados.

Marcos Costa da Silva, um dos gerentes do Nu Céu, defende o comércio. ;Temos duas áreas: uma coberta e outra ao ar livre. No primeiro espaço, ninguém pode fumar. Mas alguns teimosos não obedecem nem quando a gente pede por favor. Aqui, temos a regra de não servir quem estiver fumando em local proibido. A nova lei nos daria suporte para convencermos as pessoas a respeitarem as regras;, finaliza. (LM)


Três perguntas para

Rafael Koatz, advogado e mestre em direito público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

A lei proposta pela Câmara Legislativa é constitucional?
Não. Há inconstitucionalidades flagrantes nessa lei. Ela usurpa a competência da União. Pela Constituição, os estados e o DF têm poder para suplementar a legislação federal, preencher lacunas no que for necessário. E não simplesmente alterar disposições como a Lei Federal n; 9.294/96, que já dispõe sobre os ambientes em que se pode haver ou não fumo.


Em outras unidades da Federação onde leis locais sobre proibição do fumo foram aprovadas houve contestações?
Existem leis em São Paulo e no Rio de Janeiro que já são alvos de questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF). A própria Advocacia-Geral da União (AGU) já se manifestou pela inconstitucionalidade das duas leis. É uma invasão da competência da União. Os estados podem legislar sobre esses assuntos, mas, para que isso ocorra, eles não devem contrariar a legislação federal. Além disso, não há um interesse peculiar local. Consumir cigarros não é peculiar do DF, é algo de interesse nacional. O tema envolve a defesa da saúde e o lado dos comerciantes. Não deve ser tratado de forma regionalizada.


Há casos de quem tenha contestado leis estaduais antifumo e ganhado o direito de não pagar multa na Justiça?
Se for aprovada, o Sindhobar tem uma minuta pronta para questionar essa lei. A proposição pode ser apresentada ao STF e ao Tribunal de Justiça do DF. As pessoas também podem entrar com ações individuais. Em São Paulo, há inúmeras ações contra essa lei. Os fumantes que se sentem prejudicados entram com o pedido para não pagar a multa pelo descumprimento de determinações inconstituicionais. Tenho notícia de ações julgadas procedentes, totalmente favoráveis a particulares.




O povo fala

Você concorda com a lei antifumo que está sendo proposta?


Luana Akemi, 22 anos, estudante de jornalismo, moradora da Asa Sul
;É muito absurdo proibir as pessoas de fumar em locais abertos e adequados. A gente acaba se sentindo criminoso quando fuma. Tem muitas coisas que fazem mais mal que cigarro e ninguém faz campanha contra. Se formos eliminar tudo que possa prejudicar nossa saúde, vamos ter de proibir a venda de sanduíches gordurosos, entre outros alimentos.;





Robson Almeida, 20 anos, assistente administrativo, morador de Taguatinga
;A lei vem a calhar. Nós, fumantes, precisamos de ajuda para largar o vício. Sabemos que não faz bem, mas é difícil demais ter consciência disso sozinho. Cigarro não dá futuro para ninguém. Dou todo meu apoio a essa medida.;




Marcelo Abbud, 43 anos, supervisor de loja, morador do Park Way
;Trata-se de uma invasão de privacidade. Não poder acender um cigarro no bar é totalmente absurdo. Isso é discriminação. É muito melhor reservar fumódromos, que não incomodam quem não fuma. Se não pudermos fumar, terão de proibir a venda de cigarros também.;






Ronaldo Ferreira, 50 anos, gerente de loja, morador de Taguatinga
;Não precisamos de uma proibição tão dura quanto essa. Fere nosso livre-arbítrio. Não entendo a necessidade de alterar uma lei que está funcionando tão bem. Respeito os não fumantes e acho que já têm o espaço deles preservado.;







<CENTER><i>Área reservada para uso do cigarro no Piantella atrai cerca de 20% dos clientes que passam pelo local diariamente</i></CENTER>Jean Souza, 39 anos, servidor público, morador de Ceilândia
;Radicalismo nunca é bem-vindo. Por que existe quem não goste de cigarro eu sou obrigado a não fumar também? Fumar é vício e deve ser tratado como tal. Proibir uma pessoa de tragar um cigarro é o mesmo de impedi-la de beber água.;






Eleide de Jesus, 45 anos, dona de casa, moradora do Guará
;Acho totalmente certo proibir o cigarro. Já me senti incomodada várias vezes com fumaça de cigarro. Quem fuma só pensa em saciar o vício, esquece quem está ao lado. Seria bom que as pessoas parassem de fumar no mundo inteiro e não só em Brasília. Não faria mal a ninguém.;

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