Renato Alves
postado em 22/11/2009 07:58
Tudo não passou de ilusão. Um mês e meio após prometer assistência total e gratuita a 21 pessoas de uma mesma família portadoras de um mal raro e mortal, os governos federal e de Goiás nem sequer enviaram técnicos ao vilarejo onde moram os doentes para investigar o fenômeno. Agora, um joga a responsabilidade para o outro. Enquanto isso, agrava-se o estado de saúde das pessoas com a xeroderma pigmentoso, a doença fruto de um erro genético que deixa o paciente com uma pele hipersensível à luz. Qualquer contato com raios ultravioletas lhe causa câncer. Por meio de uma série de reportagens, o Correio revelou, no início de outubro, o drama dos portadores de xeroderma residentes em Araras, povoado pertencente a Faina, cidade do noroeste goiano com 8 mil habitantes, a 510km de Brasília. A enfermidade, transmitida de pai para filho, pode ou não se manifestar em algum momento de suas vidas. No caso dessa comunidade, ela atingiu a quarta geração. Além dos que lá moram, outros dois nascidos na localidade e residentes nos Estados Unidos carregam a moléstia. Ao menos 20 integrantes da mesma família morreram por causa dela nos últimos 50 anos.
Por morar em uma região quente, com temperaturas entre 20; e 35;, não ter aposentadoria, instrução, dinheiro e acompanhamento médico ideal, os doentes de Araras passam a maior parte da vida expostos ao sol, pois sobrevivem da agricultura e da pecuária. Com a retirada dos tumores, acabam mutilados e precisam usar próteses. Após a denúncia do Correio, os governos municipal, estadual e federal prometeram apurar o caso e garantir o atendimento médico gratuito aos pacientes, cidadãos de baixa renda e de pouca instrução. Os representantes dos órgãos assumiram desconhecer o problema, até a publicação das reportagens.
Desde então, apenas uma equipe da Secretaria de Saúde de Faina foi ao povoado. Pela primeira vez, os doentes de Araras receberam a visita de um médico e uma enfermeira em casa. Ambos examinaram todos os doentes, e anotaram os dados pessoais deles. Tudo para fazer o primeiro levantamento sobre a propagação do xeroderma e do câncer de pele nos moradores da região. Entre outras coisas, eles constataram que o posto de saúde do povoado ; sem aparelhos e medicamentos ; nem sequer tinha a ficha dos pacientes, mesmo sendo todos nascidos no vilarejo e alguns doentes há 60 anos.
Jogo de empurra
O prefeito de Faina, Caio Curado (PMDB), enviou cópia do relatório à Secretaria de Saúde de Goiás e garantiu o transporte de pacientes em van ou Kombi da prefeitura para tratamento dos doentes na capital do estado. Porém, o serviço ainda não foi usado porque os doentes não conseguiram marcar consulta no único hospital goiano que trata de portadores de câncer de pele, de forma gratuita. Nem mesmo três moradores de Araras que apresentaram os sintomas do xeroderma recentemente tiveram a garantia de atendimento em Goiânia.
Na época da denúncia do Correio, a Secretaria de Saúde de Goiás anunciou o envio de equipe médica a Araras. Isso nunca ocorreu. A superintendente de Atenção à Saúde de Goiás, Maria das Graças Ribeiro, garantiu ainda que os doentes tinham direito a bloqueador solar gratuito. Mas nenhum protetor contra raios ultravioletas chegou aos portadores de xeroderma de Araras, por meio da prefeitura de Faina ou da Secretaria de Saúde de Goiás. Agora, questionada pela reportagem, Maria das Graças disse que a única responsabilidade do Governo de Goiás é o atendimento dos doentes na rede hospitalar.
Já o Ministério da Saúde, por meio de nota oficial, havia informado que pediria ;ao Instituto Nacional de Câncer (Inca) o envio de uma equipe técnica ao povoado de Araras para avaliar a situação das vítimas do xeroderma pigmentoso;. O ministério anunciou ainda que discutiria ;com a Secretaria de Saúde do Estado de Goiás alternativas para promover a prevenção e o tratamento das vítimas da doença;. Porém, o Inca não enviou equipe a Araras nem técnicos do ministério reuniram-se com colegas da Secretaria de Saúde de Goiás para discutir qualquer alternativa.
Na última quinta-feira, a assessoria de comunicação do ministério afirmou que uma equipe do Inca não irá a Araras porque recebeu a informação da assessoria da Secretaria de Saúde de que ;todas as providências estão sendo tomadas;. Dessa vez, a assessoria do ministério não enviou nota oficial e se recusou a responder por escrito as perguntas do Correio. O Ministério Público goiano (MPGO), que, há um mês e meio, pediu explicações às secretarias de Saúde de Faina e de Goiás, reconheceu não ter surtido efeito a ameaça de ações por omissão contra os representantes dos órgãos. O promotor Marcelo Celestino, coordenador do Centro de Apoio Operacional do Cidadão, enviou novos ofícios às secretarias, com prazo para resposta até quarta-feira.
CONTRIBUIÇÕES
Quem quiser ajudar os doentes de Araras deve ligar para Gleice, no telefone público do povoado ; (62) 3391-1174 ; ou mandar correspondência em nome dela para Av. João Artiga, 815, Centro, Matrinchã, Goiás, CEP 76.740-000.
"A gente já perdeu as esperanças, acha que ninguém mais vai nos ajudar"
Gleice Machado, mãe de um menino de 6 anos já diagnosticado com xeroderma pigmentoso
Gleice Machado, mãe de um menino de 6 anos já diagnosticado com xeroderma pigmentoso
Faltam recursos
Após décadas esquecidos, os doentes de Araras não esperam mais nada do Estado. ;A gente já perdeu as esperanças, acha que ninguém mais vai nos ajudar;, desabafa Gleice Machado, 32 anos. Mãe de um menino de 6 anos portador de xeroderma e morador de Araras, ela teme pelo futuro do filho. ;De um mês para cá, surgiram mais manchas no corpo dele. Não quero que o meu filho tenha o mesmo destino dos parentes dele.; Há oito meses, o garoto só sai de casa sob a sombra. Está proibido de ver televisão, jogar videogame, pois a luz também o prejudica. Até dentro de casa, usa calça, camisa de mangas compridas e óculos escuros.
Apenas um dos 21 doentes adultos de Araras recebe pensão pela invalidez em função da doença. Eles desconhecem os seus direitos porque nunca foram informados sobre eles. O lugarejo jamais recebeu uma autoridade municipal, estadual ou federal preocupada com o fenômeno raro na literatura médica. Nem interessados em um estudo científico. Os doentes do povoado não têm dinheiro para comprar os medicamentos receitados. Nem mesmo um bloqueador solar. Nem condições de se deslocar até as cidades, por falta de veículo, transporte público e recursos financeiros.
Prótese
Único funcionário da cooperativa leiteira de Araras, Deide Freire, 40, por exemplo, não consegue trocar a prótese colocada no rosto há 10 anos para substituir o nariz, olho e orelha perdidos na retirada do tumor derivado do xeroderma. ;O médico falou para eu trocar a prótese a cada dois anos, mas não tenho condições e o hospital não tem para me dar;, comentou. Djalma Antônio, 35, vive o mesmo problema. Ele usa prótese no lugar do nariz, do lábio superior e do olho direito. ;Ganho um salário mínimo (R$ 475), como vou trocar a prótese?;, questiona. Outros dois doentes mutilados pelo câncer nem prótese têm. Cobrem a pele com esparadrapos. Em clínica particular, a prótese custa até R$ 6 mil.
Série de reportagens revelou o drama dos portadores da doença
; ESQUECIDOS PELO ESTADO
; A VIDA NAS SOBRAS
; INTERVENÇÃO EM PROL DOS DOENTES