Jornal Correio Braziliense

Cidades

Documentário lírico de Evaldo Mocarzel sobre o trabalho das quebradeiras de coco divide público

Lúcio Flávio
Tiago Faria
Yale Gontijo


Nas três vezes em que competiu no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o carioca Evaldo Mocarzel ganhou dois prêmios do júri popular. O discurso social dos documentários À margem do concreto (2005) e À margem do lixo (2008), dedicado à luta de minorias, cobrava reações intensas da plateia. Daí a sensação de estranhamento provocada pelo novo trabalho do diretor, exibido sexta-feira (20/11) na mostra competitiva em 35mm. Antes da exibição de Quebradeiras, Mocarzel anunciou que o projeto representaria uma ;ruptura brutal; numa carreira que chega ao 10; longa-metragem. Pediu silêncio e concentração. A aposta num tom lírico dividiu os espectadores, que responderam com aplausos nada inflamados.

;Este não é um filme explosivo. É uma experiência sensorial e poética, que trata da dilatação do tempo. Um documentário etnográfico por excelência;, explicou Mocarzel, ao fim da projeção. No filme, o cineasta se obrigou a cumprir dois dogmas: além de ter limado diálogos e entrevistas, ressaltou a palavra cantada. A câmera, rigorosamente estática, embrenha-se num ambiente de natureza quase sufocante, onde trabalham as quebradeiras de coco de babaçu. A região do Bico do Papagaio (onde se encontram os estados Maranhão, Tocantins e Pará) é explorada com longos planos e fotografia em digital. ;Antes, eu trabalhava com a imponderabilidade do real. Agora, encenei tudo para o quadro;, resumiu o diretor.

A opção estética, no entanto, não representou a abandono de causas sociais. Para a sessão, Mocarzel convidou duas quebradeiras de coco, que cobraram mais atenção para um ofício que sustenta cerca de 400 mil mulheres. ;Temos ansiedade de que o povo reconheça nossa tradição. É uma honra estar no cinema;, disse Maria Querubina da Silva. Ela ainda cobrou a aprovação de um projeto que tramita no Congresso Nacional e pode tornar as áreas de coco de babaçu espaços de livre-circulação para extrativistas.

No debate no Hotel Nacional, a ausência de depoimentos no filme foi o assunto mais discutido. ;Já estou um pouco de bode com essa coisa da palavra. No início do processo, cheguei a gravar uma entrevista induzida com as quebradeiras. Essa cena abriria o filme. Mas acabei desistindo disso;, afirmou. Para a equipe, a fórmula do ;cinema-conversa; teria se esgotado. Apesar da mudança, o diretor ; acostumado a desenvolver vários projetos ao mesmo tempo ; não afirmou que deseja abandonar a palavra nos próximos trabalhos e disse que pretende enveredar pela ficção. ;Sou um documentarista por acidente. Talvez eu deva ir para a ficção mesmo.; O longa é dedicado ao crítico Jean-Claude Bernardet, que inspirou Mocarzel na renovação estética.

Minimalista
Fortemente influenciado pela trabalho do diretor Joel Pizzini (de 500 almas), por cineastas mineiros como Marília Rocha (que apresenta segunda-feira o longa A falta que me faz) e pelo mestre norte-americano Robert Flaherty (1884-1951), a produção paulistana de 70 minutos de duração tem narrativa minimalista e circular. ;Não é parecido com nada do que fiz antes;, sintetizou. O estilo contemplativo também marcou o curta pernambucano Ave Maria ou mãe dos sertanejos, muito aplaudido. A semelhança com o longa de Mocarzel foi justificada pelo diretor Camilo Cavalcante como uma vertente em voga no cinema brasileiro.

Se Mocarzel evitou a agitação social, o curta brasiliense Dias de greve, de Adirley Queirós (vencedor do Candango de melhor curta por Rap, o canto da Ceilândia em 2005), assumiu a missão de retratar, em formato ficcional, as angústias de um grupo de trabalhadores de Ceilândia. ;Achei muito legal de fazer. Eu não tinha experiência com esse gênero. Mas acredito que tenha funcionado. A proposta é de uma ficção com representação mais naturalista;, explicou o cineasta, que prepara um documentário em longa sobre a vida em Ceilândia. No debate, firmou posição política. ;Temos que ser bairristas mesmo. Quem se arrebentou no processo histórico fomos nós. Somos uma geração de certa forma desencantada. Queremos propor um novo olhar para a cidade;, provocou.



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