Cidades

Fantasmas entre os vereadores na Câmara Municipal de Águas Lindas

Pelo menos 10 pessoas são suspeitas de receber sem trabalhar na Câmara Municipal de Águas Lindas. MP investiga o caso

postado em 27/11/2009 07:03

Pelo menos 10 pessoas são suspeitas de receber sem trabalhar na Câmara Municipal de Águas Lindas. MP investiga o casoA distância de 2,3 mil quilômetros entre o endereço residencial (Tibiri 2, na Paraíba) e o local de trabalho (Águas Lindas de Goiás) não impediu que Esron Joaquim de Oliveira fosse contratado durante cinco meses pela Câmara Municipal da cidade goiana, distante 50km de Brasília. Tampouco o emprego como cabeleireiro em um salão de Ceilândia dificultou o vínculo de trabalho entre Luis Carlos Nunes e o Poder Legislativo do município. Entre fevereiro e junho deste ano, ele recebeu salário do órgão. Esron e Luis não são os únicos contratados em circunstâncias duvidosas. Há pelo menos 10 pessoas suspeitas de terem sido contratados como funcionários fantasmas.

O Correio teve acesso à lista de servidores da Câmara Municipal de Águas Lindas. Entre os 80 nomes que constavam na folha de pagamento do órgão de março a junho deste ano, alguns nunca foram vistos no local de trabalho. É o caso de Esron, com endereço fixo no interior da Paraíba desde 2001, e de Luis Carlos, que tem emprego em tempo integral num salão de beleza há mais de quatro anos. De acordo com os registros da própria Câmara, Esron foi contratado como chefe de gabinete do vereador Rogemberg (PR) com salário de R$ 3 mil. Luis Carlos tem a mesma função e salário, só que está vinculado ao vereador Luis de Aquino (PRB).

Vigia
A reportagem esteve na Câmara Municipal na última terça-feira e constatou que alguns nomes contemplados com salários pagos pela Câmara Legislativa nunca foram vistos no local de serviço. É o caso de Abraão Gomes da Silva. Formalmente, ele está lotado na copa. De acordo com a secretária-geral da Casa, Rosana Costa Martins Alves, ele atua como vigia. Mas nenhum dos dois servidores que de fato se revezam nessa atividade (Francisco Mariscal durante o dia e Francisco Pedro à noite) nunca ouviu falar de Abraão. Outro funcionário que trabalha há oito anos na Câmara também fez cara de interrogação para o vigia misterioso. ;Conheço todo mundo aqui, mas nesse aí nunca ouvi falar, não;, disse o servidor, que não quis se identificar.

Iranildes da Silva Santos também recebeu salário da Câmara Municipal entre fevereiro e junho deste ano. Foi contratada como chefe de gabinete do vereador Reginaldo (PP), atual presidente da Câmara. O cargo é o cargo mais importante na hierarquia, depois da função de vereador. Apesar do posto, o nome de Iranildes não é reconhecido por um dos oito funcionários que trabalham na mesma sala que a servidora. ;Iranildes, eu não sei muito bem quem é essa pessoa. Será que ela não é contratada pela copa?;, questiona o assessor parlamentar José Eduardo Lopes, que está empregado no gabinete desde abril de 2007 e que, portanto, teria em tese de ter sido chefiado por Iranildes.


O QUE DIZ A LEI
O Artigo 10 da Lei n; 8.112 de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos, estabelece que a nomeação para cargo de carreira efetivo depende da prévia aprovação em concurso público de provas ou títulos, o que deverá levar em conta a ordem de classificação e o prazo de validade. Nesse ponto a lei separa as duas categorias possíveis para atuar no serviço público: uma de carreira e a outra dos chamados cargos de confiança, que são de livre nomeação dos políticos. Na Câmara Municipal de Águas Lindas só existe a segunda alternativa. Todos os servidores foram indicados pelos vereadores, o que facilita o favorecimento e abre brechas para situações irregulares, como o nepotismo e a atuação de funcionários fantasmas.






Endereços inexistentes
O Correio tentou localizar os servidores presentes na folha de pagamento da Câmara Municipal de Águas Lindas, mas ausentes de seus postos de trabalho no órgão fiscalizador do município goiano. A maior parte das fichas com os dados pessoais dos funcionários da Casa não informa nem o endereço nem o telefone dos supostos trabalhadores. Quase sempre o campo onde deveria conter essas informações está vazio ou com informações ainda mais enigmáticas como ;rua: sem nome; ou ;CEP: não existente;.

Um dos poucos servidores que divulgou um telefone de contato é o cabeleireiro Luis Carlos Nunes. O detalhe: o número informado por ele na época em que supostamente trabalhou na Câmara de Vereadores é o de seu verdadeiro local de trabalho, um salão de beleza. A reportagem telefonou para o lugar e, no momento, Luis não estava. Mas o dono do estabelecimento, Damião Galvão, confirmou que Luis trabalha no local há pelo menos quatro anos.

Uma cunhada de Esron Joaquim de Oliveira confirmou ao Correio que o ex-chefe de gabinete mora na Paraíba há pelo menos cinco anos. Segundo Antônia, Esron e o vereador Rogemberg são ;amigos de muitos anos;. Um dia depois, a reportagem conseguiu localizar o próprio Esron que admitiu morar na Paraíba desde 2001. ;Eu passava uns 20 dias aqui na Paraíba e ia para Brasília. O trabalho não ficava 100%, mas dava para a gente ir levando;, diz o ex-funcionário, que segundo conta ajudava o vereador no pagamento de contas.


Sem obrigação de aparecer
Promotores de Justiça do Ministério Público de Águas Lindas abriram um processo para investigar as suspeitas sobre a existência de servidores fantasmas na Câmara Municipal. Há um mês, a jurisdição do MP na cidade recebeu denúncias sobre servidores que ganhavam salários do Poder Legislativo sem nunca terem trabalhado efetivamente. A partir das acusações, os promotores pediram formalmente para terem acesso a toda a documentação referente à folha de pagamento da Câmara desde o início da atual legislatura, em fevereiro deste ano.

O material será analisado pela 3; Promotoria de Águas Lindas, cuja titular Ana Carolina Portelinha Falconi está de férias. O promotor da 2; Promotoria, Alberto Francisco Cachuba, foi o responsável por pedir o material à Câmara. ;Ainda não temos nenhuma conclusão sobre as suspeitas, mas o MP vai investigar as denúncias;, afirma Alberto.

Segundo o promotor, se ficar comprovado que servidores receberam sem trabalhar, o Ministério Público pode entrar com uma ação pedindo o reembolso do dinheiro para os cofres do município. A secretária-geral da Câmara de Vereadores, Rosana Costa Martins Alves, explicou, em nome dos vereadores citados na reportagem, que todos os funcionários contratados pela Casa são cargos de confiança e ficam à disposição do parlamentar. ;Muitas vezes, os funcionários prestam serviços externos, sem ter a obrigação de vir até à Câmara;, afirmou. Rosana informou, com base na folha de pagamento de novembro, que as pessoas citadas na reportagem, com exceção de Abraão da Silva, foram demitidas em junho.

De acordo com a secretária-geral houve um corte de mais da metade dos servidores em função de uma queda no repasse da prefeitura. Em 2008, a Câmara com então 80 funcionários recebeu verba de R$ 208 mil e para 2009 a transferência será de R$ 158 mil. Atualmente trabalham no lugar 32 pessoas. ;É uma pena, mas a crise mundial acabou obrigando a Câmara a mandar embora muita gente;. A perda não será tão grande assim se ficar comprovado que funcionários fantasmas também tinham uma boquinha na folha de pagamento do legislativo de Águas Lindas.

"Iranildes, eu não sei muito bem quem é essa pessoa. Será que ela não é contratada pela copa?;"
José Eduardo Lopes, assessor parlamentar, ao comentar sobre uma funcionária lotada no mesmo gabinete dele







Eu acho...
Corredores vazios na Câmara Municipal: maior parte das fichas com dados pessoais dos funcionários públicos não informa nem o endereço nem o telefone de casa;Para mim, esse tipo de situação não ocorre só em Águas Lindas. Por todo o Brasil, especialmente nas cidades do interior, o legislativo vem perdendo força e desvirtuando sua atuação com a prática de condutas irregulares;
Alberto Francisco Cachuba, promotor em Águas Lindas








Redução

R$ 208 mil
Valor dos repasses mensais da Prefeitura de Águas Lindas para a Câmara Municipal em 2008

R$ 158 mil
Repasse mensal em 2009 para a Câmara Municipal. Uma redução de 24% em relação ao ano passado

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