postado em 28/11/2009 07:00
O reaquecimento do mercado imobiliário no Distrito Federal trouxe de volta um velho problema: falta mão de obra. Depois do recuo ocasionado pela crise mundial, as obras só não estão mais aceleradas porque as empresas enfrentam dificuldade em conseguir trabalhadores. Na tentativa de suprir um deficit de pelo menos três mil pessoas, os empregadores têm recrutado trabalhadores de Goiás e Minas Gerais, e das Regiões Norte e Nordeste. O crescimento de Águas Claras, o surgimento do Setor Noroeste e o início das obras para a Copa do Mundo de 2014 tendem a agravar a situação. No último ano, a construção civil foi o setor que mais absorveu mão de obra no DF, segundo dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). De outubro de 2008 até aqui, 15 mil pessoas passaram a trabalhar na construção civil, um aumento de 30% no período. Atualmente, são 65 mil pessoas empregadas em canteiros de obra. Em 2003, eram 35 mil, pouco mais que a metade. Apesar da turbinada no contingente, a oferta de emprego não para de crescer. Com a retomada dos lançamentos a partir de março deste ano, voltaram a sobrar vagas.
Dos 234 homens que ajudam a levantar mais um arranha-céu de Águas Claras, apenas seis são do DF. O restante é resultado do fluxo migratório. A maioria saiu da Bahia, do Maranhão e do Piauí. Gente simples, sem muito estudo, atrás de uma oportunidade na capital. O mestre de obra Agnaldo José Ferreira Pires, 66 anos, conta que todo dia precisa ensinar o que ele começou a aprender aos 14 anos. ;Tem que ficar em cima. O nível de qualificação é muito baixo. Hoje em dia não é qualquer um que sabe trabalhar em obra, não;, comenta. Há dois anos, Agnaldo aceitou sair de Goiânia e ir morar em Brasília para preencher a vaga com direito a salário de R$ 4.660.
A maior carência do mercado é de carpinteiros, armadores de ferragem e, principalmente, pedreiros. Agnaldo precisa de cinco. Na obra vizinha à dele, o encarregado está à procura de 10. É quase impossível achar um canteiro de obras que não esteja com vagas abertas. ;Emprego tem sobrando, mas é uma dificuldade enorme encontrar gente qualificada. Pedreiro, por exemplo, você procura, procura e simplesmente não acha;, diz o vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do DF (Sinduscon-DF), Júlio César Peres. Na avaliação dele, qualificar os trabalhadores é a melhor estratégia para enfrentar o apagão de mão de obra. O sindicato tem parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) para capacitar os operários.
Há 14 anos, o gesseiro José Lima, 30, deixou o Maranhão para trás e decidiu trabalhar em obras na capital federal. Ele diz que o problema não é falta de mão de obra, como alegam as construtoras, mas, sim, o salário da categoria. ;Ninguém aguenta exploração, não, moço. Tem muita gente querendo emprego e disposta a trabalhar, mas são poucos os que topam se arriscar e ralar o que a gente rala para ganhar mixaria;, comenta. Só este ano, ele já trocou de empresa seis vezes em busca de melhores condições. ;E não venham com essa história de que não sou qualificado porque eu sou, fiz curso no Senai;, ressalva Lima, casado, pai de três filhos, morador de Valparaíso de Goiás. Na empresa em que é fichado, Lima não ganha mais que R$ 1 mil por mês. No último bico, porém, faturou R$ 1,5 mil em 15 dias. ;O povo prefere viver de bico mesmo sem as garantias. Enquanto não pagarem melhor, vão ficar reclamando que falta gente;, completa.
Este ano, a construtora JC Gontijo forma a primeira turma de 20 mestres de obra em um curso oferecido por uma faculdade particular da cidade. A ideia é aumentar o número de turmas para diminuir a necessidade de buscar trabalhadores fora do DF. Em março, para iniciar a construção do Living Superquadra Park Sul, um complexo residencial com 1.152 unidades às margens da Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia), foi preciso recrutar homens em Goiânia e em Belém (PA). ;Temos emprego à vontade. O problema é mesmo a qualificação. A mão de obra está escassa e o jeito é formar quem a gente consegue recrutar;, reforça o sócio-diretor da empresa Rodrigo Nogueira.
Na dificuldade de conseguir mão de obra para erguer no Lago Norte o Shopping Iguatemi, as Organizações PauloOctavio precisaram anunciar a oferta de vagas em carros de som que rodavam o dia inteiro em Samambaia, Ceilândia e Planaltina. ;O fluxo migratório é inevitável. Muita gente daqui que antes trabalhava na construção civil migrou para outros setores;, avalia o presidente da empresa, Marcelo Carvalho.
O funcionário da construção civil ganha por hora ou por mês. Para tirar mais que o piso da categoria (veja quadro), alguns trabalham até 12 horas por dia. Há pedreiros e carpinteiros com salário de R$ 2 mil. Mas esses são raros. O vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário do DF (Sticmb-DF), João Barbosa, culpa as construtoras pela escassez de mão de obra. ;É claro que falta mão de obra e vai continuar faltando enquanto os empresários não investirem no trabalhador. Eles só querem explorar. Quanto menos capacitado, melhor para eles porque pagam menos. Por isso que tem obra caindo e peão morrendo;, diz.
Ramo arriscado
Segundo o sindicato dos trabalhadores da construção civil, 11 operários morreram desde janeiro deste ano em obras do DF.
Na última quinta-feira, três homens se feriram em canteiros no
Lago Sul, na Asa Sul e no Gama. Em 9 de novembro, um operário de 28 anos morreu esmagado por uma empilhadeira de aproximadamente
3,5 toneladas em uma obra do Setor de Armazenagem e Abastecimento
Norte (SAAN).
Novos valores
De acordo com a Convenção Coletiva de Trabalho acordada em junho deste ano entre os sindicatos patronal e dos trabalhadores da construção civil, os pisos salariais da categoria são os seguintes:
Categoria //Salário (R$) // Hora Mensal (220 horas)
Servente ajudante //2,28 //501,60
Guardião de obra //2,28 //501,60
Meio-oficial //2,56 //563,20
Oficial (profissionais) //3,54 //778,80
Problema transferido
Goiânia virou o principal alvo das construtoras de Brasília para recrutar trabalhadores. A maioria aposta na propaganda boca-a-boca para espalhar a notícia, mas algumas anunciam as vagas abertas em carros de som que circulam pela capital goiana, a contragosto das empresas locais, que também sofrem com a falta de mão de obra. O convite é tentador porque os salários pagos no DF chegam a ser o dobro dos de Goiás. ;Esse não é o caminho. Já perdemos muitos funcionários;, diz um dos diretores do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Goiás (Sinduscon-GO) Moacyr Moreira.
O mercado imobiliário de Goiânia está em forte ascensão. A carência de mão de obra começou a ser sentida no ano passado. ;Não tem gente para trabalhar e ainda estão levando os operários para pagar melhor;, comenta Moreira. Para que ninguém precise buscar gente em cidades vizinhas, ele defende a capacitação nos canteiros. Este ano, cerca de 200 operários fizeram cursos de formação realizados pelo Sinduscon-GO em parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi). O sindicato se prepara para, em 2010, lançar cursos voltados para o público feminino. ;Precisamos buscar alternativas;, justifica.
No Distrito Federal, a Secretaria do Trabalho realizou, em setembro, um curso de 40 horas para formar armadores de ferragem. Dos 340 participantes, 280 saíram empregados, segundo o subsecretário de Atendimento ao Trabalhador e ao Empregador, Nelson Gomes da Silva. Ele diz que as capacitações para o setor de construção civil são prioridade da pasta. ;Virão um monte de obras por aí e atualmente nosso banco de dados não tem gente suficiente para suprir a demanda das construtoras. O mercado está cada vez mais exigente. É por isso que precisamos qualificar a mão de obra;, afirma.