Ana Maria Campos
postado em 05/12/2009 07:50
Diálogos transcritos no inquérito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que subsidiou a ação da Polícia Federal na Operação Caixa de Pandora, apontam o iceberg de um suposto esquema de desvio de recursos instalado em, pelo menos, uma área vital do governo: a Secretaria de Saúde. O que dá robustez às conversas gravadas com autorização da PF é um levantamento sobre o histórico de gastos na secretaria com a empresa Uni-Repro Soluções para Documentos Ltda. E o que torna esses gastos ainda mais suspeitos é o fato de o próprio governo admitir em um documento que as despesas com a empresa Uni-Repro são 89% superiores aos praticados no mercado.
A Uni-Repro é uma empresa criada em São Paulo, mas que ganhou o mercado de Brasília a partir de 2007, num contrato por meio de ata de registro de preço - um expediente que se baseia numa licitação feita por outro órgão. Daquele tempo até agora, a participação da firma especializada em reprodução de material gráfico só cresceu. Em 2007, o repasse do GDF para a Uni-Repro foi de R$ 1,1 milhão. No ano seguinte, a quantia da prestação de serviço à Saúde subiu para R$ 12,1 milhões. No mesmo período, outros oito setores do governo passaram a manter negócios com a firma paulista, que em função do volume de trabalho montou um escritório em Brasília.
Depois do montante na Saúde, aparece o contrato de R$ 5 milhões com a Secretaria de Educação. E todos os outros sete juntos não somam um quarto das transferências feitas pela Saúde. Tudo somado, a empresa de reprografia levou do governo um total de R$ 19,9 milhões em 2008, 20 vezes mais do que em 2007, e aumentou sua fatia no GDF em 2009. De janeiro até ontem, o Sistema Integrado de Gestão Governamental (Siggo) - que registra os gastos do Executivo - acusava notas de empenho (compromisso de pagamento do governo) no total de R$ 21,2 milhões.
Conversa
Numa das conversas gravadas por Durval Barbosa já com a autorização da PF, ou seja, em 21 de outubro deste ano, a Uni-Repro é tema de conversa (leia ao lado) entre o ex-secretário de Relações Institucionais e o chefe da Casa Civil do DF, José Geraldo Maciel, afastado do cargo em função das investigações da polícia sobre um suposto esquema de corrupção envolvendo diversos integrantes do governo e deputados distritais. Em um determinado momento do diálogo, Durval comenta com Maciel que o secretário de Saúde, Augusto Carvalho (PPS), que deixou o posto em função da crise, estava "esculhambando com o contrato" do qual ele próprio "recebe retribuição". José Geraldo pergunta: "Ele, Augusto?". E Durval confirma: "Ele, Augusto e Antunes" (referindo-se a Fernando Antunes, o secretário-adjunto da Saúde e presidente do PPS no Distrito Federal). Em seguida, Durval diz que quando Augusto e Antunes precisam de dinheiro recorrem à empresa. "Na hora que ele quer dinheiro ele vai, ele vai, manda o Antunes atrás de dinheiro, manda o irmão do Antunes. Aqui e em São Paulo para ajudar o Freire (referindo-se ao presidente nacional do PPS, ex-deputado federal e conselheiro da Terracap), para ajudar isso, para ajudar aquilo."
Num trecho anterior ao descrito, Durval comenta com Maciel sobre uma situação na qual o secretário de Planajamento e Gestão, Ricardo Penna, apresentou a Arruda um levantamento sobre o contrato da Uni-Repro com o GDF. Maciel foi secretário de Saúde em 2007 e 2008, justamente quando o contrato com a Uni-Repro havia sido firmado e teve seus maiores orçamentos. Na conversa, Durval relata que Penna teria entregue a pesquisa ao governador e este por sua vez teria mandado suspender os pagamentos por meio de um bilhete. "Teve um bilhete que o Arruda mandou para ele sobre um levantamento aí que o Ricardo Penna tinha feito. Fez errado. E%u2026 aí%u2026 sobre o preço de, de, de, de impressão no GDF. Aí pegou como exemplo a Secretaria de Saúde, Secretaria de Educação".
Rescisão
O Correio teve acesso a uma cópia do levantamento que teria sido feito por Penna e repassado a Arruda. Na folha, com uma menção a Domingos (Lamoglia, então chefe de gabinete de Arruda), o secretário descreve que o GDF pagou R$ 37 milhões para Uni-Repro entre 2007 e 2009. No item dois do mesmo material, ele diz que somente em 2009 foram pagos R$ 16 milhões para, em seguida, informar que o governo paga R$ 0,17 por uma cópia preta e branca A4 - valor 89% superior ao praticado no mercado, especificado entre parênteses como sendo de R$ 0,090. No último item, o secretário recomenda a imediata rescisão dos contratos e a adesão as outras atas mais vantajosas.
Os valores foram comentados em um bilhete escrito a mão ao qual o Correio também teve acesso por meio do secretário de Planejamento. Nele, Arruda classifica o contrato como absurdo e escreve "vejam que decisão deve ser tomada. Resolvam o problema". E no mesmo bilhete manda suspender todos os pagamentos à empresa, que a essa altura, já havia recebido R$ 42,2 milhões desde 2007, segundo apontam dados do Siggo.
Num outro trecho gravado por Durval, na qual ele conversa dessa vez com o próprio governador, Durval diz a Arruda que "Augusto mais Antunes tomaram muito dinheiro dela, muito. Renovaram contrato (%u2026) aí, quando cê mandou aquele bilhete%u2026 O Augusto aproveitou para dar uma prorrada na mulher e fez uma auditoria lá%u2026 Tá esquisito, né? Como é que vai dar, né? Via São Paulo. Eu não sei quem quer ir atender em São Paulo". Mais uma vez, Durval cita Freire, referindo-se a Roberto Freire.
Ao responder a Durval na conversa reproduzida no inquérito 650 da PF, Arruda não demonstra espanto com a revelação do interlocutor quanto a pressão feita sob a empresária Nerci Bussamra, identificada em vídeo gravado por Durval dizendo que estaria sendo pressionada pelo PPS. Apenas manifesta seu desejo de trocar o secretário de Saúde, ao perguntar a Durval "quem que a gente tem que colocar na saúde, hein?" O presidente do PPS, Roberto Freire, negou que tenha pedido qualquer remessa de dinheiro. "Sobre isso não tenho nada a declarar. Quem vai dizer é a Justiça. Vou entrar com interpelação judicial."
COLABOROU ADRIANA BERNARDES
» Irregularidades negadas
O deputado Augusto Carvalho (PPS), ex-secretário de Saúde, avalia que está sendo vítima de represálias por ter reduzido gastos com a empresa Uni-Repro e por ter insistido em promover licitação para contratar empresas de informática. "É incrível que uma pessoa que tem 30 processos nas costas e interesses contrariados tenha tanta credibilidade para fazer denúncias. É a minha biografia contra a dele", disse. Antes de virar secretário, Augusto denunciou em discurso na Câmara dos Deputados o suposto superfaturamento.
Presidente do PPS-DF, o ex-secretário-adjunto de Saúde, Fernando Antunes, explica que houve cortes de cerca de 20% dos gastos com reprogravia. "Não podíamos perseguir a empresa. O que nos importava era economizar recursos públicos", afirmou. Segundo Antunes, houve uma renegociação dos preços porque a Secretaria de Saúde decidiu aderir a uma nova ata de registros de preços, do Ministério da Defesa, com valores mais baixos. Neste ano, a secretaria decidiu fazer uma auditoria no contrato porque teve notícia de que havia irregularidades na prestação de serviços em postos de saúde. (AMC e LT)