postado em 06/12/2009 08:32
Um levantamento estatístico do Tribunal de Justiça do Distrito Federal mostra que a média mensal de medidas protetivas distribuídas este ano às vítimas aumentou 18,4% em relação a 2008. Os dados de 2009 são parciais e referem-se aos procedimentos adotados entre janeiro e setembro. Nos nove primeiros meses, foram aplicados por mês, em média, 843 medidas de proibição de contato e aproximação entre a vítima e o agressor. No ano passado, foram 712.Quando a mulher registra uma agressão na delegacia de polícia, ela pode pedir, no local, proteção à Justiça. O juiz tem 48 horas para deferir ou não o pedido da vítima. A agilidade na apreciação oferece à pessoa a possibilidade de se sentir mais segura depois de ter passado por uma situação provocada pela violência. ;A evolução dos números de distribuição de medidas protetivas mostra que as mulheres estão pedindo mais ajuda. Pedir a medida é a primeira coisa que se faz. É um direito que as mulheres têm. Depois, a vítima pode ou não entrar com um processo contra o agressor;, afirma a titular da 1; Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, juíza Maria Isabel da Silva.
Mais denúncias registradas não significam que a violência doméstica está crescendo, destaca a professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) e subsecretária de Planejamento de Políticas para as Mulheres, Lourdes Bandeira. ;O movimento organizado das mulheres, a Lei Maria da Penha, a criação de varas especializadas, a conscientização de agentes públicos estimula o aumento nas denúncias e a aplicação de medidas protetivas. Mas não temos como dimensionar se a violência aumentou ou não. Ela sempre existiu, mas era velada;, afirma.
A coordenadora para Assuntos da Mulher da Secretaria de Justiça do DF, Valéria de Souza Rocha, acredita que as vítimas estão mais encorajadas a falar depois de três anos de vigência da Lei Maria da Penha(1). ;As mulheres estão falando mais e querem ver o agressor processado;, diz. Para ela, a rigidez da legislação é uma das responsáveis pela estabilidade no número de flagrantes de violência doméstica divulgado pelo TJDFT.
Cárcere doméstico
A coragem de denunciar a violência que Roberta* sofria surgiu como um ato de sobrevivência. A dona de casa, de 32 anos, não aguentou mais a pressão de viver como refém do marido alcoólatra. O casal morava até semana passada numa chácara no interior de Goías numa situação de cárcere doméstico. ;Tudo o que ele fazia eu tinha que estar junto. Se ia campinar o mato, me obrigava a ficar do lado dele. Ele achava que eu ia fugir da chácara e não me deixava fazer nada sozinha;, lembra. A companhia constante do marido era marcada por momentos de violência verbal e física. Xingamentos, chutes e puxões de cabelo faziam parte do dia a dia até a última segunda-feira, quando Roberta quase morreu nas mãos do algoz que tinha dentro de casa.
Ela levou golpes de facão por todo o corpo e só conseguiu escapar da ira do marido quando ele viu a quantidade de sangue derramado no chão. ;Quando percebeu que os cortes na cabeça, no rosto e nas costas estavam profundos, me largou e chamou o dono da chácara para me levar ao hospital. Mandou eu dizer no hospital que tinha brigado com uma mulher num bar. Mas, quando vi o policial, não tive dúvidas em denunciá-lo. Ele foi preso na frente do hospital;, conta a vítima. Roberta agora está na Casa Abrigo ; local sigiloso de proteção às vítimas de violência doméstica oferecido pelo GDF ; e espera melhorar seu estado de saúde para projetar uma nova vida. ;As mulheres têm que denunciar os agressores antes de estarem mortas;, aconselha.
1 - Legislação
A Lei n; 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Maria da Penha, criou os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e alterou o Código Penal brasileiro para possibilitar que os agressores possam ser presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada. O artigo 5; do texto configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano material ou patrimonial.
Álcool e drogas, vilões frequentes
O álcool funciona como combustível da violência. Quase a totalidade dos processos que tramitam na 1; Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, do Tribunal de Justiça do DF, estão relacionados ao consumo de bebida alcóolica ou entorpecentes por parte do agressor. Atualmente, existem 810 processos em andamento e 90% deles retratam histórias de mulheres agredidas por pessoas alteradas por essas substâncias. ;Infelizmente, a violência contra as mulheres tem uma forte ligação com o uso de drogas e de álcool por parte do agressor. Muitas vítimas repetem em seus relatos a frase clássica de que ;ele é muito bom quando não está bêbado;;, afirma a juíza Maria Isabel da Silva.
De acordo com o 2; Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, divulgado em 2005, o álcool é a droga mais consumida entre a população, com 49,85% de uso. Em 2007, o 1; Levantamento Nacional dos Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira divulgou que 40% dos homens brasileiros adultos consumiram bebidas alcoólica em excesso pelo menos uma vez nos últimos 12 meses. Em relação às mulheres, o percentual estimado é de 18%. ;Diante desse quadro, não há dúvida de que o álcool é o combustível da violência, não só a doméstica, mas também a juvenil e a do trânsito;, resume a titular da 1; Vara.
Os drinques a mais que a dona de casa Rafaela*, 29 anos, tomou com o marido são a provável causa da briga que o casal teve há três semanas. Ambos estavam bebendo em um bar, assistindo a um jogo de futebol pela televisão, quando começaram a discutir e se agredir verbalmente. ;Ele queria ficar, eu queria ir embora e começou uma grande confusão. Quando chegamos em casa, perdemos o controle e ele puxou o meu cabelo. Liguei imediatamente para a polícia com receio de que a briga piorasse;, conta Rafaela. Ao ver a ligação feita à polícia, o marido procurou a delegacia mais próxima de casa. A ocorrência foi registrada e o casal está fazendo terapia na 1; vara especializada. ;Um puxão de cabelo foi o suficiente para percebermos que precisávamos mudar nosso comportamento. Tenho certeza de que, se não tivéssemos bebido, isso não teria acontecido;, garante ele.
* Nomes fictícios para preservar as vítimas