Cidades

Pesquisa: você se corromperia?

Pesquisa de doutorado com 1.527 brasilienses revela que 13,6% aceitariam suborno se fossem deputados federais. E ainda mais gente - 14 27% do total de entrevistados - não se recusaria a trocar favores, mesmo que ilegais

Guilherme Goulart
postado em 13/12/2009 08:00
Imagine a seguinte cena: você investiu em campanha para deputado federal nas últimas eleições, conseguiu votação expressiva nas urnas e assumiu o cargo no ano seguinte. À frente do mandato, recebe uma visita no próprio gabinete, na Câmara dos Deputados.

Dependendo do favor, aceitaria. Se não fosse prejudicar ninguém, eu não ficaria nem de consciência pesada%u201D
Francinete Araújo da Silva, copeiraDurante o encontro, o visitante lhe faz uma proposta inesperada. Oferece suborno de R$ 100 mil ; ou, em outros termos, uma troca de favores ; para você, por exemplo, nomear um parente dele em um cargo de confiança. A resposta deve ser dada na hora. E agora?

A questão virou tese de doutorado na Universidade Católica de Brasília (UCB). O aluno do Departamento de Economia Alexandre Damasceno ouviu 1.527 brasilienses sobre a simulação descrita acima. Fez a mesma pergunta, mas de formas diferentes. Uma delas citou o termo suborno. A outra amenizou a oferta (leia arte). Nos dois casos, houve quem aceitasse o dinheiro. ;As respostas variaram segundo a pergunta. É o jeitinho brasileiro. No fundo, são maneiras de corromper;, avaliou o professor Adolfo Sachsida, orientador do projeto Felicidade, políticas públicas e choques positivos de renda.

Do total de entrevistados, 13,6% se mostraram interessados no recebimento do suborno escancarado. Mas a quantidade dobrou depois que o pesquisador trocou as expressões, a ponto de o esquema parecer que se limitaria a um incentivo pelo futuro benefício concedido a um familiar. Nesse instante, cerca de 27% do universo entrevistado revelou que aderiria ao esquema de favorecimento ilegal. ;Normalmente, a pessoa já aceita a forma mais amena. Mas, mesmo com o suborno em questão, teve gente que disse ;sim;;, explicou Sachsida.

O Correio aproveitou a pesquisa da UCB ; o autor identificou detalhes como sexo, religião, nível educacional, renda, idade e estado civil dos participantes ; para testar as reações dos brasilienses que circulam pela área central de Brasília, onde ficam as sedes dos três poderes da República. Ao contrário da tese de doutorado, em que os entrevistados não precisaram se identificar, aqui dizer o nome era obrigatório. Por isso, revelou-se difícil a tarefa de encontrar alguém capaz de admitir o recebimento de supostos subornos. Mesmo assim, houve quem se mostrasse balançado com a proposta.

Pepe Moreno Ferreira tem 20 anos e diz que nunca aceitaria suborno, independentemente da quantia oferecida: %u201CNada de graça vem na sua mão%u201DA copeira Francinete Araújo da Silva, 37 anos, recebe menos de R$ 1 mil de salário. Está entre as 32,8% do total de pessoas de mesma faixa salarial que aceitariam dinheiro em troca de um favor político. Para ela, no entanto, suborno não significaria enganar alguém ou fraudar uma instituição. Teria, assim, um significado mais particular. ;Dependendo do favor, aceitaria. Se não fosse prejudicar ninguém, eu não ficaria nem de consciência pesada. Só não pode roubar ou passar os outros para trás;, afirmou a mulher, que vai à igreja com frequência.

A postura de Francinete também se encaixa entre as 12,4% das mulheres inclinadas a aceitar o suborno, a partir do uso explícito da palavra ; nesse caso, 15,1% dos homens também participariam do esquema. A moralidade de ambos equivale se a pergunta chega camuflada por outros termos. São 27% para o sexo masculino e 27,3% para o feminino. A reportagem ouviu oito pessoas e não encontrou nenhum homem capaz de admitir recebimento de propina como suposto deputado federal. Duas mulheres, porém, ficaram tentadas com ofertas de R$ 500 mil ou R$ 1 milhão.

Revolta
As entrevistas feitas para a tese de doutorado ocorreram entre agosto e outubro, antes da crise política que se instalou no governo de José Roberto Arruda. Na semana passada, brasilienses ouvidos pelo jornal reagiram com indignação diante da situação hipotética proposta pela reportagem. ;Eu faria ele engolir. Infelizmente, o nosso Congresso ainda está nas mãos de caciques e não representa o povo;, atacou o economista Milton Carneiro, 70, do Plano Piloto.

Pesquisa de doutorado com 1.527 brasilienses revela que 13,6% aceitariam suborno se fossem deputados federais. E ainda mais gente - 14 27% do total de entrevistados - não se recusaria a trocar favores, mesmo que ilegaisO auxiliar de irrigação Pepe Moreno Ferreira da Silva, 20, mora no interior cearense, mas está de passagem por Brasília. Ele também não aceitaria suborno, independentemente do valor oferecido. Teme ficar comprometido e ser obrigado a prestar favores no futuro. ;Se aceitasse, alguma coisa teria no meio. Teria de fazer alguma coisa em troca, com certeza. Nada de graça vem na sua mão;, disse. Pepe Moreno é solteiro e não tem filhos. A tese de Damasceno será defendida na UCB na próxima terça-feira.

Três perguntas para

Stuart Gilman, consultor da organização das nações unidas (ONU) para o combate à corrupção

Casos de corrupção no serviço público ocorreram com frequência no Brasil nos últimos anos. O que contribuiu para essa recorrência?
Primeiramente, o incrível crescimento econômico brasileiro nos últimos 10 anos é uma verdadeira bênção, mas também vem acompanhado de corrupção, simplesmente pelo fato de que a corrupção depende dos recursos econômicos. A segunda razão é que, na verdade e ironicamente, o governo tem ficado melhor em pegar os corruptos. Isso é bom sinal. O Brasil já fez muito, mas ainda tem muito a fazer.

Como o Brasil é visto no exterior, a partir dos recentes casos de corrupção?
Todos os países têm preocupações com casos de corrupção interna e em outros lugares. Qual é a diferença? A diferença basicamente está em prender rapidamente e punir rapidamente na Justiça. Há um caso nos Estados Unidos em que a prisão, desde a descoberta do caso, ocorreu em oito meses. Acho que a verdadeira dificuldade no Brasil é a sensação de impunidade que se passa a cada caso de corrupção. Isso abala a confiança das pessoas nas instituições democráticas.

Pesquisa feita em Brasília revelou que quase 30% dos entrevistados receberiam dinheiro em troca de favores ilegais, caso exercessem a função de deputado federal. Como o senhor avalia esse resultado?
É um sintoma baseado nas suspeitas de muitas pessoas de que os políticos no Brasil são corruptos. O sintoma pode nos guiar a uma doença, que pode ser a perda de confiança nas instituições. É como se fosse uma aviso. Se você, por exemplo, tem uma dor no peito. Você ignora isso ou vai ao médico? O que eu devo fazer para ter certeza de que não terei um ataque do coração? Esse é o perigo. Existe uma famosa expressão que diz: ;a integridade leva anos para ser construída e segundos para ser destruída;. Isso é algo que o governo deve construir. As expectativas, como disse o presidente Lula há alguns dias, devem ser de construir a confiança nas instituições. Mas 30% é preocupante.

Se você fosse deputado federal ou exercesse algum cargo público eletivo, aceitaria incentivos financeiros em troca de favores?

"É difícil falar, né? A gente, que está de fora, vê de uma forma. Quem está lá dentro vê de outra. Mas eu não acho certo. Nem mesmo aceitaria nenhum tipo de suborno. De forma alguma. Não tem o menor sentido aceitar"

Cléber Rocha, 27 anos, mecânico, morador de Planaltina (GO)

"Não aceitaria, independentemente do valor. O negócio aí está feio. E não adianta fazer alguma coisa errada, pois passa o tempo e alguém sempre acaba descobrindo. Se isso acontece, a pessoa ainda fica marcada"

Leo Amorim Sena, 38, cozinheiro, morador de Planaltina

"Olha, dependendo do valor, a gente cai na tentação. Tentação rola, não tem jeito. Mas acho que não aceitaria dinheiro para nomear parentes. Mesmo assim, se eu tivesse lá, sinceramente, acho que poderia ficar um pouco balançada"

Marinalva Henrique Alves, 35, vendedora, moradora do Plano Piloto

"Não aceitaria de jeito nenhum. Tenho capacidade de trabalhar e conseguir o meu próprio dinheiro. Ainda mais se fosse deputada federal, que ganha bem, né? Prefiro ficar com a minha consciência tranquila e sem dever favor a ninguém"

Celiane dos Santos Ribeiro, 19, monitora escolar, moradora de Sobradinho II

"Não aceitaria. Para mim, tem de valer a ética e a postura da pessoa. Tem de ser homem, né? Recebe o voto da população e de pois vai fazer essas palhaçadas, né? Dou nota zero para quem faz esse tipo de coisa. Se eu tivesse lá (na Câmara dos Deputados) ia inibir os ladrões e brigar no soco com eles"

Pedro Mateus da Silva, 53, taxista, morador de Taguatinga

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