Cidades

Faltam 70 mil vagas de estacionamento em Brasília

Adriana Bernardes
postado em 14/12/2009 08:17

Os brasilienses experimentam uma equação de difícil solução: o crescimento acelerado da frota e a falta de espaço para tanto carro. Diariamente, 250 mil veículos circulam somente na parte central da capital do país. A amplitude das vias já não consegue dar vazão ao fluxo intenso nos horários de pico. E encontrar uma das 20 mil vagas regulamentadas disponíveis na Região Administrativa de Brasília é um tormento que só encontraria alívio com a abertura de outras 70 mil vagas, segundo avaliação da Engenharia do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF). E o problema se agrava ainda mais nesta época do ano, em que as pessoas saem para fazer compras e raramente conseguem encontrar um espaço para deixar os carros em frente aos comércios locais.

Apesar do anseio da população por mais estacionamentos, especialistas garantem que essa solução é paliativa e sempre estará aquém do crescimento da frota. E no DF, o número de veículos aumenta 8% ao ano, em média. Atualmente existem 1.127.260 registrados no Detran. De acordo com o chefe da Engenharia do órgão, Joel Rodrigues, desses, cerca de 600 mil circulam por dia em todo o DF. Os demais ficam estacionados.

Com tantos carros, o caos no trânsito toma conta de algumas regiões da capital (veja arte). E uma das consequências é a propagação de ilegalidades. Sob o argumento da falta de estacionamento, motoristas param em qualquer lugar: em cima de calçada, em fila dupla ou fechando retornos. Como se não bastasse, a relação entre as pessoas está cada vez mais tensa.

Comerciantes e moradores travam uma guerra pelo direito de estacionar. Quem vive nos prédios vizinhos acusa os empresários e funcionários das lojas de ;tomar posse; das escassas vagas do comércio. Com isso, os clientes migram para as quadras residenciais deixando os moradores sem onde parar os carros.

Cancelas e correntes
Em alguns blocos, por conta própria, os síndicos decidiram que quem não mora do prédio não tem acesso ao estacionamento público. É o que corre no Bloco F da 106 Sul. A área verde atrás do bloco se transformou em 60 vagas, segundo a Administração de Brasília, totalmente irregulares. O único meio de chegar até elas é passar, de carro, na área do pilotis. Entre as 18h e a 7h, uma cancela acionada com controle remoto restringe o acesso apenas ao morador. ;É um completo absurdo. Antes a gente estacionava aqui e todos conviviam bem;, critica o cabeleireiro Gilberto Carlos de Freitas.

Prefeita da 106 Sul, Eliete é a favor da cancela colocada em alguns blocos: a área pública virou estacionamento de moradoresA prefeita da quadra, Eliete Pinheiro, argumenta que a cancela dá mais segurança aos moradores. ;Quem mora no bloco sabe que aqui tem criança, mulher grávida e até deficiente visual. Quem é de fora não sabe e passa rápido demais;, disse. ;O acesso por baixo do bloco não é uma coisa normal de ser ver. Por isso, queremos que o governo faça uma via que leve ao estacionamento;, reivindicou.

A situação é bem parecida no Bloco C. A diferença é que o síndico, Waldir Borges, coloca uma corrente impedindo que ;estranhos; parem nas vagas em frente ao bloco entre as 18h e as 24h. Ele argumenta é que para reduzir o fluxo, ;pois o estacionamento não atende aos moradores e frequentadores da quadra; e que ;os incomodados deveriam procurar outros estacionamentos;.

Especialistas ouvidos pelo Correio apontam como saída um conjunto de medidas. Entre elas, o fortalecimento do transporte público de massa e algumas restrições. É assim que Lisboa (Portugal) está melhorando a mobilidade urbana. O governo adotou a tarifa escalonada: quanto mais perto do centro, mais caro é o estacionamento. E também investe em transporte público ; ônibus, metrô e transporte ferroviário e fluvial no acesso a capital portuguesa. ;Ainda estamos longe disso, mas a melhoria do transporte público tem sido uma preocupação;, explica Nuno Marques da Costa, professor do Centro de Estudos Geográficos, Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa.


O QUE DIZ A LEI
O Código de Trânsito Brasileiro, no artigo 181, prevê 19 tipos de estacionamento em local proibido. Para todos os casos, está prevista a remoção do veículo. Há infrações leves (como estacionar afastado até 1m do meio-fio ou, então, no acostamento, sem que haja motivo), médias (parar o carro ao lado de hidrantes ou impedindo a movimentação de outro veículo), graves (deixar o carro sobre a faixa de pedestre ou em locais ou horários proibidos pela sinalização) e gravíssimas (estacionar na faixa de rolamento de rodovias ou de ruas de trânsito rápido). As punições, conforme o tipo, variam de três a sete pontos na carteira e R$ 53,20 a R$ 191,54 de multa.

PALAVRA DE ESPECIALISTAS

Campanhas fundamentais

;Os problemas de mobilidade urbana dificilmente podem ser resolvidos de forma individual e não articulada. As intervenções têm de ser assumidas pelos gestores urbanos, mas também entendidas pelas populações, sendo fundamental o recurso de campanhas de sensibilização e de informação. Os principais eixos de intervenção são: aumento da oferta tarifada de estacionamento, com a construção de parqueamento subterrâneo por exemplo, e a cobrança de vaga de superfície. As medidas de promoção do transporte público passam por mais faixas de circulação exclusiva para os transportes de massa, aumentando a velocidade comercial (tal como a boa experiência de Curitiba nos ensina), e a renovação de frota. Outras alternativas são o tratamento diferenciado dos carros com mais de dois passageiros ou, numa situação extrema, a introdução de taxas de circulação urbana, a exemplo de Oslo, Cingapura ou Londres;.

Nuno Marques da Costa, professor do Centro de Estudos Geográficos, Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa (Portugal)

Nada de improvisos
;A falta de vagas será solucionada quando o governo elaborar um plano diretor de estacionamento para a cidade toda. Esse plano passa pelo levantamento detalhado da oferta de vagas e da demanda reprimida. A construção de estacionamentos subterrâneos, edifícios garagens e cobrança pela vaga pública tanto em áreas comerciais e de serviços quanto em quadras residenciais é outro caminho. A era do estacionamento grátis acabou. Ao mesmo tempo em que elabora o estudo técnico, o governo deve discutir com a população as regras de ocupação desses espaços e também uma política tarifária. Caso contrário, o motorista vai migrar para áreas não pagas. Com isso, os investidores não terão o retorno financeiro e a falta de vagas continuará a ser um problema. Aliado a isso é necessário que a fiscalização seja atuante e coíba as infrações de trânsito;.

Joaquim Aragão, vice-diretor científico do Centro de Formação em Recursos Humanos em Transportes da Universidade de Brasília (Ceftru/UnB).

Medidas restritivas
;Brasília está passando por um processo acelerado de deterioração da mobilidade urbana. Não se deve deixar de aproveitar a oportunidade de reverter esse quadro agora, quando ainda há tempo. A raiz do problema é o crescimento excessivo da frota. Há cinco anos, cinco veículos deixavam o Guará com destino a Brasília. Hoje são quase nove percorrendo a mesma rota. Além disso, Brasília é o exemplo mais típico de metrópole cercada por cidades dormitórios. Paris, Londres, Nova York e Berlim adotaram medidas restritivas. Encareceram a cobrança pelo uso da vaga de rua, proibiram o veículo de circular no hipercentro, mas investiram em transportes de massa. O cidadão vai de carro até um trecho e, de lá, de ônibus ou metrô até o destino final, sem, no entanto, caminhar mais de 500m até o destino. Outra saída é a construção de estacionamentos particulares por meio de PPPs. O governo deve regular o preço. Se for muito alto, o usuário vai fugir desses locais;.

Paulo Resende, doutor em Planejamento em Transporte e Logística, da Fundação Dom Cabral.

Confira a matéria completa na edição impressa do Correio Braziliense.

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