Cidades

Em tempo de férias, as idas e vindas dos filhos aos shoppings podem quebrar o orçamento doméstico

postado em 16/12/2009 08:24
Ninguém segura o impulso da garotada no shopping. Cinema, pipoca, lanche, sorvete, boliche, fliperama, mais um lanche; E lá se vão, sem muito esforço, os R$ 50, no mínimo, que os pais despojaram nas mãos dos filhos antes de eles saírem de casa. Se a história se repete todos os fins de semana, R$ 200 do orçamento familiar já têm destino certo todo mês. A chegada das férias escolares aumenta a frequência das idas e vindas ao shopping e levanta a discussão em torno dos gastos dos adolescentes nesses passeios com os colegas.

Especialistas ouvidos pelo Correio orientam os pais a jogar limpo com os filhos e a deixar claro o quanto aquela ida ao shopping está ou não saindo caro. ;O adolescente sai para curtir e não está preocupado com o bolso dos pais. Se não houver uma conversa, isso não muda. O que aparecer pela frente, ele vai continuar consumindo;, alerta o educador financeiro Reinaldo Domingos, autor dos livros Terapia financeira e O menino do dinheiro, ambos da Editora Gente. ;Se os pais não ensinarem os filhos a cuidarem do dinheiro que têm, ninguém vai ensinar;, completa.

Não é de hoje que a garotada está na mira de vários setores da economia. O poder de consumo do público teen(1) é assustador. Cientes disso, grandes marcas desenvolvem estratégias para tornar esse público fiel o mais cedo possível. Estima-se que metade dos adolescentes estoura a mesada antes do fim do mês. Quando isso acontece, quase sempre eles conseguem arrancar mais dinheiro do pai ou da mãe. ;Quando um briga porque eu estou gastando demais, eu peço para o outro, ele dá e aí nunca fico sem dinheiro;, explica uma garota de 14 anos.

Esquecimento

O dinheiro na bolsa da meninada vai embora fácil. Tentar levar para casa um bicho de pelúcia em um brinquedo eletrônico de um shopping custa R$ 9,5. A brincadeira não dura nem cinco minutos. Um saco grande de pipoca mais um copo de refrigerante e um bombom sai por R$ 19,50 no cinema mais frequentado da cidade. O valor do bilhete para ver um filme no fim de semana chega a R$ 19 a inteira ; preço que os estudantes não raramente pagam. Muitos esquecem em casa ou mesmo já perderam a carteirinha estudantil que os permite pagar meia-entrada.Ana Luiza cada vez que vai ao shopping gasta entre R$ 40 e R$ 50. Ela reconhece que tudo que recebe vai para a diversão e quando se dá conta está sem nenhum tostão

Em uma semana de férias, Ana Luiza, 13 anos, foi ao shopping três dias seguidos. Em cada passeio, assim como as amigas que a acompanham, gasta entre R$ 40 e R$ 50 com cinema, pipoca, lanche, sobremesa. ;A gente vai gastando e, quando olha, o dinheiro já acabou;, diz a estudante. A mãe, a professora Nilza Santana, 45, cobra o troco na hora de buscar a filha, mas dificilmente recebe alguma coisa. ;A gente sabe que um passeio no shopping hoje em dia não é nada barato. Tudo é muito caro. Mesmo assim, sempre tento saber como ela gastou;, comenta.

São duas, em tese, as estratégias adotadas pelos pais. Ou dão dinheiro toda vez que o filho vai ao shopping ou pagam uma mesada ou semanada. Pedro Guilherme, 16, recebe R$ 200 por mês. E só. Com essa grana, ele precisa se virar. ;Tenho que economizar para sobrar dinheiro;, aprendeu o estudante, que não deixa de ir ao shopping todo fim de semana. ;A mesada faz com que eu e ele tenhamos controle dos gastos. Ele já está na idade de aprender a fazer escolhas e a usar o dinheiro que tem para isso;, afirma a mãe, a propagandista Márcia Tatagiba, 38.

Pagar uma quantia por mês ou por semana é o mais adequado, defendem especialistas, porque ensina o adolescente a administrar o próprio dinheiro. O educador financeiro Álvaro Modernell pondera que os pais devem controlar os gastos dos filhos, sem tirar deles a liberdade em usar aquele dinheiro. ;Tudo depende do grau de confiança na família, mas, em tese, ele não pode se sentir vigiado, fiscalizado. O adolescente precisa ter uma certa liberdade para ganhar responsabilidade;, afirma Modernell, autor de seis livros de educação financeira voltados para as crianças.


1 - Poder adolescente
Segundo o IBGE, a garotada entre 9 e 19 anos representa cerca de 20% da população brasileira e respondem por essa mesma fatia de tudo o que é vendido no comércio nacional. Além de consumirem ; e muito ;, os adolescentes exercem influência sobre o consumo dos pais, dando pitaco nas compras do supermercado e até na escolha do carro da família.

Viajar pode sair mais barato

Depois de fazer as contas por alto, a servidora pública Luizalice Labarrere, 45 anos, chega à conclusão de que não viajar no fim de ano pode ser uma roubada. ;Vou gastar mais com elas aqui;, conclui. Ela se refere às três filhas. A mais velha já não vai mais tanto ao shopping com as amigas. Raquel, 17, menos que Mariane, a caçula de 9 anos. Mesmo assim, cada passeio de qualquer uma delas não sai por menos R$ 40. ;Cada vez que saem, é um prejuízo;, diz a mãe.

Algumas amigas de Raquel usam o cartão de crédito dos pais quando saem. Ela não. ;Não dou porque cartão nem eu sei usar;, justifica Luizalice, que se preocupa mais com o consumismo da caçula. ;O que me interessa, eu compro;, decreta a mais nova, que recentemente chegou em casa com um brinco novo do shopping. A mãe resiste, mas dificilmente nega dinheiro para as filhas. ;Faz parte. Não tem praia, elas vêm ao shopping;, afirma.

No passeio com as amigas, Júlia Matias, 15, só pode gastar a mesada de pouco mais de R$ 200 que conquistou depois de ganhar uma bolsa de estudo em uma escola particular. ;Foi uma preocupação que deixei de ter. Pago a mesada como incentivo ao estudo;, conta a mãe, a servidora pública Adeilde Matias, 44. A filha reconhece que precisa aprender a lidar melhor com o dinheiro. ;Você fica com poder nas mãos. Pode chegar e gastar;, resume a estudante.

Na avaliação do educador financeiro Reinaldo Domingos, os filhos têm dificuldade de controlar os gastos porque repetem comportamentos dos pais. ;Nossa sociedade ainda não está preparada para administrar dinheiro. Ainda reina a ideia de que dinheiro é para gastar, e não para guardar;, observa. Para mudar esse cenário, o especialista defende a imposição de limites. ;O adolescente tem que entender que ele não pode ter tudo o que ele quer, ele precisa fazer escolhas;, completa.

Nesse sentido, um dos erros mais grotescos que os pais podem cometer ; e cometem com frequência ; é cair na tentação de dar mais dinheiro ao filho quando a mesada acaba. A quantia a mais do que ficou combinado acaba com o que se pretendia e alimenta o consumismo no adolescente. ;Mesada deve ser como um celular pré-pago. Acabou, acabou. Só assim o adolescente vai aprender a viver com o que tem;, ressalta Domingos.

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