Adriana Bernardes
postado em 18/12/2009 07:48
O julgamento dos três militares da Força Nacional de Segurança (FNS) que teriam torturado dois jovens em Luziânia teve início na tarde desta quinta-feira (17/12). Valdenir Oliveira Mesquita, Erivan Oliveira Picanço e Walter Misael Santos Rocha são acusados pelo Ministério Público de espancar João*, 23 anos, e Pedro*, 18, na madrugada de 3 de outubro. De acordo com a denúncia, João ainda teria sido estuprado com um galho de árvore (leia Linha do tempo). O crime de tortura é considerado hediondo, punido com dois a oito anos de reclusão. Na antessala da audiência, cerca de 30 pessoas ; algumas com uniforme dos bombeiros e da FNS, outras com roupas civis ; aguardavam o julgamento. Para preservar as vítimas, o interrogatório ficou restrito à presença dos dois advogados de acusação, dos quatro de defesa dos militares e de um promotor de Justiça. A juíza Alice Teles de Oliveira, da 4; Vara Criminal, presidiu a sessão.
A sabatina de João durou pouco mais de uma hora. Ao sair da sala de audiência, ele caminhou em silêncio cerca de 100 metros até um hall onde estavam vários militares fardados e pessoas com roupas de civis. João olhou lentamente em volta. Ao vê-lo, alguns dos presentes se entreolharam. Outros discretamente cutucavam a pessoa do lado e faziam comentários ao pé do ouvido. João tomou água e voltou para a pequena sala do corredor. Sentou-se, curvou o corpo apoiando os cotovelos nas coxas e as mãos cobrindo o rosto e ficou em silêncio por alguns minutos.
Perguntado como foi o interrogatório, João falou pouco. ;Fiquei muito nervoso. É a primeira vez que fiquei na frente de uma juíza. Perguntaram se eles (militares) me bateram e se eu vi o rosto deles. Eu disse que sim;, resumiu. Ele foi sozinho à audiência. O único irmão que vive em Brasília só soube do ocorrido porque reconheceu a voz de João na TV. ;Não quero envolver ninguém nisso. Não contei para a minha mãe porque ela sofre do coração e tenho medo;, disse.
O interrogatório de Pedro, hoje com 18 anos, também durou cerca de uma hora. Ele estava acompanhado da mãe que, muito assustada, chamava o filho insistentemente para que ele não desse entrevista. Os três saíram do Fórum acompanhados dos advogados de defesa. ;O que fizeram com eles (jovens) foi uma barbárie. Se hoje o Estado busca reparar os danos das pessoas torturadas durante a ditadura militar, deve estar ainda mais atento ao que aconteceu a esses meninos, numa época em que vivemos sob a democracia;, destacou Lacone Pereira de Almeida, advogado das vítimas.
Sem provas
Para os advogados de defesa dos militares, não há provas contra seus clientes. Ao ser questionado sobre os laudos do Instituto de Medicina Legal de Luziânia (IML) ; que comprovaram o estupro e as lesões de espancamento e corte no corpo dos jovens ;, o advogado Marco Antônio Magalhães Guimarães reconheceu a existência do documento, mas com uma ressalva. ;Os exames foram feitos dois dias depois do ocorrido. Num lapso de dois dias pode ter acontecido muita coisa. Não há prova testemunhal nem material contra os nossos clientes;, garantiu.
O interrogatório das testemunhas de defesa e de acusação e dos três réus foi transferido para o salão do júri do fórum, para que todos os presentes pudessem assistir. Para garantir que os três militares não fossem identificados pela imprensa, a juíza autorizou que os réus, com farda de bombeiros, ficassem nas cadeiras destinadas ao público, ao lado de outros colegas fardados, e não no banco dos réus. Até às 21h de ontem, apenas um dos três réus tinha sido interrogado.
Linha do tempo
- Madrugada de 3 de outubro
Ao averiguar a denúncia de que havia uma pessoa armada em um bar nos arredores de Luziânia, três homens da Força Nacional de Segurança (FNS) abordam os amigos Pedro*, 17, e João*, 23. Encontram uma munição com João. Os dois jovens são colocados no camburão e levados para um matagal onde, segundo a acusação, passam a ser espancados, torturados e um deles é vítima de estupro. - 5 de outubro
A Polícia Civil de Luziânia começa a investigar o caso. Percorre hospitais em busca de pacientes jovens com histórico de agressão. Localizam Pedro e João e os leva para prestar esclarecimento. Eles confirmam as agressões e apontam como autores três militares da FNS. - 8 de outubro
Militares são reconhecidos e presos temporariamente. Os três são levados para a Papudinha, um presídio exclusivo para militares acusados de crimes, que fica na Região Administrativa de São Sebastião. - 3 de novembro
A pedido do MP, a Justiça decreta a prisão preventiva dos militares acusados. A juíza da 4; Vara Criminal do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), Alice Teles de Oliveira, entendeu que a liberdade dos indiciados representa risco à ordem pública e ao andamento processual. - 17 de dezembro
Começa a fase de instrução e julgamento dos militares, no Fórum de Luziânia.