Cidades

Aumenta 53% número de vítimas de agressóes atendidas nos hospitais públicos do DF

Helena Mader
postado em 27/12/2009 08:21

Madrugada de sábado nos hospitais públicos de Brasília. Médicos, residentes e enfermeiros estão a postos para receber os pacientes que chegarão em breve. Eles vão entrar pela porta da emergência com o abdômen perfurado por balas. Exibirão rostos com marcas de socos e corpos perfurados por golpes de faca. Todos os fins de semana, as mesmas cenas se repetem. Assaltos, brigas de bar ou desentendimentos domésticos acabam em tiros, facadas ou espancamentos. O destino da maioria dos sobreviventes da violência é o mesmo: as unidades públicas do Distrito Federal. As vítimas de agressões contribuem para tornar ainda mais caótica a rede de saúde da capital.

Um levantamento realizado pelo Correio no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) mostrou que, de janeiro a setembro deste ano, 969 vítimas de agressão ficaram internadas nos hospitais públicos da cidade. O número é 53% superior ao registrado no mesmo período do ano passado, quando ocorreram 632 internações em decorrência de agressões físicas. Nos últimos dois anos, 1.922 pessoas passaram pelos leitos do sistema público depois de terem sido vítimas de tiros, facadas ou espancamentos. Esses pacientes ficaram, em média, seis dias nos hospitais.

Além de lotar as emergências, desafiar as equipes médicas e causar dor para as famílias, a internação de brasilienses que sofreram com atos de violência provoca prejuízos aos cofres públicos. De janeiro de 2008 a setembro deste ano, os governos federal e local tiveram que gastar quase R$ 1,7 milhão com esses pacientes. Dinheiro usado para suturar os ferimentos, colocar pinos nos ossos estraçalhados ou retirar projéteis alojados nos corpos das vítimas.

Hemodinâmica
O estado das pessoas internadas por conta de agressões muitas vezes é grave. O chefe do Pronto Socorro do Hospital de Base, Weldson Muniz, explica que os pacientes são avaliados primeiramente por um cirurgião geral, que checa as condições hemodinâmicas (velocidade e pressão da circulação sanguínea) da vítima. Dali, ela é encaminhada para a neurocirurgia, para a cirurgia torácica ou para a ortopedia, de acordo com a situação. ;As lesões, na maioria dos casos, são graves. Aqui no Hospital de Base, recebemos pacientes em situação mais delicada. Eles são transferidos de outras unidades para cá;, lembra Weldson.

O médico do Hospital de Base comenta que, em dias de grandes shows, nos fins de semana ou quando há jogos importantes de futebol, o fluxo de vítimas de agressão cresce muito. E mais: todos os profissionais de saúde entrevistados pela reportagem são unânimes em associar diretamente a violência ao álcool. ;Simples desentendimentos acabam em atos de extrema violência. Outro dia, recebemos um garoto que teve a mão decepada por um machado por causa de uma briga de bar;, lembra Weldson Muniz.

No ranking das formas de agressão, o esfaqueamento lidera as estatísticas. Nos últimos dois anos, 846 pacientes foram internados depois de terem o corpo perfurado. Em seguida, vêm os disparos com armas de fogo. Foram 379 as vítimas de tiros que precisaram recorrer à rede pública de saúde. O terceiro lugar é ocupado por pacientes agredidos com força corporal, ou seja, que levaram socos, chutes ou pontapés. Ao todo, os hospitais receberam 357 vítimas de violência física.

Espancamento

Em meio ao amontoado de macas do Pronto Socorro do Hospital de Base está Ronan de Paula Oliveira, 28 anos. Deitado sobre um velho cobertor marrom, ele tenta articular algumas palavras. Mas depois da agressão sofrida no último dia 8, Ronan perdeu parte dos movimentos e ficou com a fala comprometida. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu. A mãe do paciente o encontrou caído no chão de casa, em Ceilândia, com um corte na cabeça. Pelas marcas deixadas, o agressor entrou sem ser visto e espancou Ronan, privilegiando os golpes na região facial.

Depois de receber os primeiros atendimentos no Hospital Regional de Ceilândia, ele foi levado ao Hospital de Base com uma fratura na cabeça. ;Eu não tenho nem ideia de quem fez essa coisa horrível com o meu irmão. Já vieram alguns policiais tentar conversar com o Ronan, mas no estado dele vai ser difícil;, lamenta a irmã do paciente, Raquel de Paula Oliveira, 29 anos. De acordo com médicos, não há previsão de alta para o rapaz. Ele continuará a ocupar, por tempo indeterminado, um leito do já superlotado Pronto Socorro do Hospital de Base.

Na enfermaria do Hospital de Sobradinho, a reportagem encontra um homem de 30 anos. Sobre o braço direito coberto por tatuagens, os médicos colocaram uma armação de metal para firmar os pinos. Depois de se envolver em uma briga, ele levou tiros na barriga, nas costas e no antebraço, cujos ossos ficaram estilhaçados. A sutura no ventre o impede de caminhar por longas distâncias. ;Dói bastante, mas o pior é ficar aqui neste hospital sem ter ideia de quando vou ter alta;, conta o paciente, que não se identifica por medo de represálias de seus agressores.

O médico Romildo Rezende, chefe da Emergência do Hospital de Sobradinho, comenta que a unidade não é uma das mais sobrecarregadas pelo atendimento às vítimas de agressões. Outros hospitais, como o de Ceilândia e o do Gama, recebem um número maior de esfaqueados ou pacientes que levaram tiros. ;Mas enfrentamos aqui o problema da violência doméstica. Muitas mulheres chegam com ferimentos causados por seus maridos ou companheiros. Isso também é uma preocupação grande para nós;, lembra Romildo.

Referência
O Hospital de Base, na Asa Sul, é a principal referência em saúde pública da capital federal. A unidade de alta complexidade recebe pacientes que precisam de tratamento em áreas como a neurocirurgia e a ortopedia. Pessoas em estado grave e, principalmente, vítimas de acidentes de trânsito são sempre transportadas para o Hospital de Base.

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