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Pioneiro volta à capital depois de cinco décadas e fica impressionado com as mudanças

postado em 28/12/2009 09:03
Na última vez em que o aposentado Ilton Gomes de Sousa, 76 anos, esteve em Brasília, poucos prédios haviam sido erguidos e o Plano Piloto ainda estava coberto pela mata nativa. Ele se despediu da cidade na véspera do Natal de 1959, achando que voltaria semanas depois para continuar o trabalho nas obras. Nas férias, o operário conheceu a futura mulher e não retornou a Brasília. Cinquenta anos mais tarde, ele pegou um avião até a capital para conhecer a cidade que ajudou a construir.

Ilton e a aposentada Natividade Pereira de Sousa, 74 anos, passaram 10 dias explorando Brasília. Na saída do aeroporto, nenhuma paisagem conhecida. ;Naquela época, já tinha asfalto no aeroporto, mas não lembro de ele ser assim;, disse. O casal seguiu para o Setor M Norte, em Taguatinga, onde mora uma das irmãs de Natividade. O pioneiro se surpreendeu com a quantidade de casas e com o tamanho da cidade. ;Taguatinga não tinha nem 100 casas. Eu vinha para cá comprar jabuticaba, era só mato. A gente via veado e ema no caminho;, afirmou Ilton.

Desde o início do casamento, Natividade escuta as histórias de Ilton sobre a epopeia da construção. ;Eu só tinha visto Brasília pela televisão. Achei a cidade mais bonita do que eu imaginava. Aqui é lindo, é muito tranquilo;, comentou. Um dos lugares preferidos da aposentada é o Mirante da Torre de TV, de onde ela viu a capital por completo. O zoológico, o Congresso Nacional e os ministérios também fizeram parte do roteiro turístico do casal.

Longa trajetória

Ilton saiu de Montes Altos (MA) em busca de uma vida melhor. A viagem não foi de ônibus, avião ou carona. Ele percorreu a pé os primeiros 700km do trajeto, parando onde conseguia um emprego temporário. ;Eu parava nas fazendas e trabalhava um pouco. Depois, colocava o saco nas costas e continuava andando;, lembrou. Foram sete anos de viagem até chegar em Gurupi (GO), onde ele pegou um ônibus para Brasília.

O ônibus deixou os passageiros na antiga Cidade Livre (atual Núcleo Bandeirante), onde desembarcavam os recém-chegados. Sem qualificação profissional, Ilton caminhou o dia inteiro, mas não conseguiu emprego. Ele conheceu um senhor que ofereceu abrigo na Vila Amauri por alguns dias. Era março de 1959 e Ilton foi atrás de um barraco na vila.

O emprego fichado veio em seguida e ele assumiu o cargo de pedreiro na construção. O pioneiro cavou as valetes para instalar a rede de telefone do Plano Piloto e ajudou a levantar as paredes de casas populares na Cidade Livre. A obra estava adiantada e já era possível ver como ficariam os principais monumentos. ;O Palácio do Planalto e da Alvorada estavam acabando. A Praça dos Três Poderes era um pouco diferente, ainda não tinha tanto asfalto e prédio construído;, disse. O Lago Paranoá começava a encher, mas o volume de água não chegava perto do que é hoje.

As folgas no trabalho eram escassas. Ilton entrava no serviço às 6h e saía às 18h, com meia hora de almoço. Aos domingos, ele descansava para a semana seguinte. Não havia muito o que fazer na região e o aposentado não era chegado a lugares movimentados. ;Nunca tive o costume de ficar no meio de tanta gente e aqui era gente demais. Se eu me separava de um colega um pouco, me perdia e só encontrava ele à noite, no barraco;, explicou. O esforço era recompensado nas visitas do ex-presidente Juscelino Kubitschek. ;Ele sobrevoava de helicóptero quase todos os dias. Outras vezes, ele ia à Praça dos Três Poderes e a gente chegava perto, mas não podia falar;, disse.

Em 23 de dezembro de 1959, Ilton pegou um ônibus rumo a Gurupi (GO), onde passaria o Natal com conhecidos. No mês seguinte, em uma festa de aniversário, ele conheceu Natividade. A paixão acabou com os planos de viver em Brasília e o aposentado decidiu ficar com a mulher em Goiás. ;Eu me casei e a vida ficou mais difícil. Comecei a plantar arroz e milho e fiquei por lá;, comentou. Em 1973, o casal se mudou para Imperatriz (MA) onde vive até hoje. A curiosidade de conhecer a capital federal cresceu e Ilton veio conferir o sonho de JK. O aposentado voltou para casa com orgulho do trabalho realizado nos anos 1950 e a vontade de retornar. ;Se um dia eu sair de Imperatriz, venho morar aqui;, revelou.

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