Cidades

Só 10% dos 26 mil lotes legalizados nos últimos três anos no DF têm o documento de posse

Em uma série de reportagens, que começa hoje, o Correio mostra os gargalos enfrentados

Helena Mader
postado em 29/12/2009 08:13
No Quintas da Alvorada, o problema é a divergência entre a poligonal aprovada e o desenho real do parcelamentoNos últimos três anos, pelo menos 26 mil lotes já foram regularizados no Distrito Federal. Depois de muita espera, os moradores conseguiram aprovar o licenciamento ambiental e o projeto urbanístico dos parcelamentos onde estão inseridos esses imóveis. Mas as legalizações, festejadas com grandes cerimônias oficiais, ainda não deram à comunidade o resultado esperado. Dos terrenos regularizados até agora, apenas 2,6 mil têm escritura em cartório, ou seja, somente 10% das áreas legalizadas foram registradas. No restante dos casos, os moradores ainda peregrinam nos cartórios para conseguir o tão sonhado documento.

Registrar o terreno é um dos desafios da regularização no Distrito Federal. Em uma série de quatro reportagens que começa hoje, o Correio vai mostrar os principais entraves à legalização de terras na cidade. Problemas ambientais, como casas em áreas de preservação, falta de áreas livres para a construção de equipamentos públicos e longas disputas judiciais são os outros problemas que serão detalhados nas outras três matérias da série.

Os grileiros que parcelaram o território da capital federal ao longo das duas últimas décadas desrespeitaram o planejamento urbano da cidade e também ignoraram os limites das antigas propriedades rurais. Há condomínios que abrangem áreas de diferentes fazendas, pertencentes a dezenas de herdeiros. Assim, encontrar os verdadeiros donos das terras para poder conseguir o aval dos cartórios no momento do registro é missão quase impossível.

Essa é a situação do condomínio Rio Negro, na região da Contagem, em Sobradinho. A comunidade investiu alto para conseguir aprovar os estudos ambientais e para obter o decreto de aprovação do projeto urbanístico. Há mais de um ano, a síndica do parcelamento, Valdelice Galvão Ferreira, tenta sem sucesso liberar as escrituras junto ao 7; Ofício de Registro de Imóveis, em Sobradinho.

Para solucionar o problema, Valdelice corre para providenciar todos os documentos solicitados pelo cartório. ;Primeiro, pediram para que a gente localizasse a pessoa que vendeu os lotes, para que ela dissesse quantos hectares foram negociados no passado. Depois me pediram a cadeia dominial do condomínio, o que também já foi providenciado;, relembra a síndica. ;Agora, me pediram para contratar um topógrafo que indique onde exatamente está o condomínio Rio Negro. É muita burocracia;, afirma Valdelice.

No Quintas da Alvorada, na região do São Bartolomeu, o problema foi uma divergência entre a poligonal aprovada e o desenho real do condomínio. A festa de regularização do parcelamento foi em setembro de 2008 e, até agora, ninguém conseguiu a escritura. ;Tivemos que fazer um novo projeto, que já foi aprovado pelo Grupar (Grupo de Análise de Parcelamentos). Falta apenas a publicação do decreto para que possamos reapresentá-lo ao cartório;, explica o síndico do Quintas da Alvorada, Célio Teixeira. ;Nossa expectativa é que tudo esteja concluído no início de 2010, para que o cartório libere o registro;, finaliza o líder comunitário.

Regras
Apesar das reclamações da comunidade, os cartórios têm que seguir uma série de regras antes de liberar a escritura de uma área. Eles só podem autorizar o registro de um parcelamento com o aval do proprietário original. Acontece que, na maioria das vezes, a comunidade não consegue localizar os reais donos da terra. Muitos fizeram os loteamentos ilegais e desapareceram. Outros faleceram antes da regularização fundiária de seus imóveis.

Síndica do condomínio Rio Negro, na região de Sobradinho, Valdelice Ferreira tenta obter as escrituras dos lotes no cartórioAlém de apresentar o título de propriedade da terra, a comunidade tem que levar os documentos que comprovam a aprovação dos projetos ambientais e urbanísticos. Para que a legalização seja concluída, é preciso registrar o memorial do loteamento no cartório. Durante esse processo, uma única área é transformada em vários lotes. Essa gleba é então transferida para o nome de uma associação de moradores.

Ao final, é feita a individualização dos documentos para que cada morador tenha sua escritura. O cartório então anula a matrícula do antigo imóvel. As áreas comuns e os locais para instalação de equipamentos públicos viram bens de uso comum. As regras para registro de imóveis estão na Lei Federal n; 6.766/79, mais conhecida como Lei do Parcelamento do Solo. Sem escritura, é impossível financiar a compra do terreno ou de material de construção, por exemplo.

Histórico
O Quintas da Alvorada é considerado o primeiro condomínio irregular construído em Brasília. No fim dos anos 70, um grupo de militares se uniu e comprou uma extensa área particular, próximo à QI 27 do Lago Sul. Os 183 lotes, entretanto, foram parcelados sem autorização do governo e, por isso, foi necessário aguardar a aprovação de todos os projetos até a regularização definitiva da área.

As dificuldades
Empecilhos para a liberação da escritura no cartório

O cartório só pode transferir o condomínio para o nome da associação de moradores se o antigo proprietário autorizar.

Os ofícios de registro de imóveis também podem legalizar uma área caso haja sentença judicial determinando a liberação da escritura.

Caso a terra tenha vários donos, os moradores do condomínio só conseguirão a escritura quando todos assinarem o documento. Também é necessário o aval dos cônjuges.

Em caso de morte do proprietário, é preciso aguardar a realização do inventário para que os herdeiros reconheçam os moradores do condomínio como proprietários de fato.

Se houver divergências entre os projetos apresentados e a real situação do condomínio, o cartório não autoriza o registro. É preciso refazer os projetos para que a matrícula seja liberada.


Exigências questionadas
O gerente de Regularização de Condomínios do GDF, Paulo Serejo, afirma que a quantidade de exigências estabelecidas pelos cartórios é muito grande. Ele diz que há um ;rigor extremado;. ;É compreensível a atenção que os cartórios têm, já que eles podem ser punidos se não zelarem pelo registro correto. Mas há exigências que não existiam antigamente, como a realização de sensoriamento remoto para checar os limites das matrículas;, destaca Serejo.

A saída, segundo Serejo, seria um acordo entre o governo, o Ministério Público do Distrito Federal e a Corregedoria do Tribunal de Justiça, responsável pelos cartórios. ;Vamos procurá-los para discutir esse assunto. A questão dos registros em cartório é, sem dúvida, o nosso grande obstáculo à regularização completa dos condomínios;, acrescenta o gerente. Até hoje, 26 mil lotes já foram regularizados. ;Em 2010, com a legalização de Vicente Pires e de Arapoanga, esse número deve ultrapassar os 60 mil;, finaliza Paulo Serejo.

Os únicos parcelamentos regularizados que já têm escritura são os quatro onde a Terracap fez a venda direta ; Estância Jardim Botânico, Portal do Lago Sul, San Diego e Mansões Califórnia ;, além do Morada de Deus, que fica na região do São Bartolomeu. Este último é o único particular com escritura. O parcelamento foi feito com o aval do proprietário da terra, mas sem a aprovação prévia do governo.


O número
60 mil -
Número de lotes legalizados com escritura no DF em 2010, após a regularização de Vicente Pires e Arapoanga

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