Cidades

A vida começa aos 50 anos

Cinquentões que vivem em Brasília, a qual aprenderam a amar como se aqui tivessem nascido, analisam a capital federal e apresentam sugestões para que os 50 anos da cidade mereçam ser comemorados com alegria e orgulho pela população local

Helena Mader
postado em 01/01/2010 08:40

As marcas do tempo começam a aparecer aqui e ali. Ainda são discretas, porém indisfarçáveis. Em pouco mais de três meses, Brasília vai virar cinquentona. Além das recentes restaurações de monumentos, que vão ajudar a rejuvenescer um pouco a capital federal, a cidade ainda precisa amadurecer para enfrentar os futuros desafios. Para celebrar o primeiro dia do ano do cinquentenário, o Correio convidou outros cinquentões candangos a darem dicas para que a capital envelheça sem perder a qualidade de vida. Eles contam como garantir a longevidade e dão sugestões para proteger a capital federal da ação do tempo.

Maria Isabel Penteado, 54 anos, aposta na vocação original da cidade: A arquiteta Márcia Sales Uchôa, 53 anos, chegou a Brasília em 1971. Carioca, veio acompanhada pelos pais, servidores do Banco do Brasil. Em pouco tempo, apaixonou-se pelo Planalto Central e decidiu que aqui passaria a sua vida. Ainda adolescente, Márcia fotografava o crescimento da cidade e mostrava as imagens aos amigos, durante as férias no Rio de Janeiro. ;Eu sempre tive muito orgulho de morar em Brasília. Sou apaixonada pelo Rio, mas não abro mão desta cidade por nada;, afirma.

Quando Márcia desembarcou em meio ao cerrado, o trânsito ainda não era caótico e a violência urbana não representava uma ameaça aos brasilienses. Nos últimos 38 anos, a situação mudou completamente. Em vários pontos da cidade, o tráfego beira o insuportável e a criminalidade amedronta. ;Tudo o que eu posso desejar para Brasília em seu aniversário de 50 anos é que a violência seja controlada. Eu, que venho do Rio de Janeiro, sei como é triste viver em estado permanente de pânico;, explica. ;Criei meu filho aqui com muita tranquilidade. Queria ter direito à paz para, um dia, ver as novas gerações crescerem com segurança;, acrescenta.

Se o trânsito incomoda, a civilidade dos motoristas brasilienses tem sido motivo de orgulho para Márcia Uchôa. O respeito à faixa de pedestres é, para ela, um dos grandes diferenciais de viver na capital federal. ;Acredito que essa seja uma das nossas marcas registradas. Mas a qualidade de vida está em todas as partes, no céu lindo de Brasília ou no lago, que tanto enfeita a cidade;, avalia.

No caso desta arquiteta de cabelos loiros e corpo esbelto, o segredo da longevidade está na atenção especial à saúde. Ela não hesita ao escolher o melhor conselho para uma cinquentenária. ;É preciso se cuidar, sempre. No caso de Brasília, por exemplo, acho que a saída é ficar vigilante para evitar que pequenos problemas se transformem em coisas mais graves;, destaca. Márcia tem autoridade para dar conselhos, afinal se cuida com afinco: corre diariamente e já participou até de maratonas. Depois de cada corrida, não abre mão de um festejo: ;Sempre tomo uma taça de champanhe depois de terminar o treino. É um brinde à saúde e, principalmente, à vida;.

Muito verde

Outra cinquentona que adotou Brasília e aposta no desenvolvimento sustentável da cidade é a agrônoma Maria Isabel de Oliveira Penteado, 54 anos. Apaixonada pelos parques e pelas áreas verdes da cidade, ela deseja para a capital federal um futuro com maior respeito ao meio ambiente. ;Temos tudo para virar um exemplo para todo o Brasil. Poderíamos, por exemplo, apostar na coleta seletiva de lixo, que ainda não é feita;, destaca.

Paulista de Araraquara, Isabel mora em Brasília desde 1999. Mas lamenta não ter chegado à cidade antes dessa data. ;Como funcionária da Embrapa, eu vinha aqui por conta de compromissos profissionais e me apaixonei. Comecei a tentar uma transferência em 1987, mas ela só veio 12 anos depois. Sonhava com o dia em que me instalaria definitivamente aqui. Felizmente, consegui;, comemora Maria Isabel.

O que mais chamou a atenção da agrônoma durante as primeiras visitas à capital federal foi o céu da cidade. ;Percebi que não era exagero das músicas, nosso céu é realmente belo. Ver o pôr do sol na Ermida e admirar o Lago Paranoá são duas coisas que eu gosto muito de fazer;, conta. Para a funcionária da Embrapa, Brasília é uma cidade eclética e democrática. ;Aqui, cada um pode ser o que quiser. Temos gente de todos os cantos do país e do mundo, com culturas e modos de vida diferentes. E essas peculiaridade são sempre muito respeitadas;, lembra.

Antônio Carlos Abranches, 56: Para o cinquentenário de Brasília, Maria Isabel deseja ver uma cidade com menos trânsito e mais segurança. ;O custo de vida é alto, convivemos com centenas de denúncias de corrupção e enfrentamos um trânsito cada vez pior. Mas continuo decidida a viver aqui. Sinto até falta de Brasília quando viajo;, revela a agrônoma, que depois de apenas uma década já se considera candanga.
Quem já está na cidade há mais tempo e acompanhou de perto os 50 anos de crescimento da capital federal é o funcionário público Antônio Carlos Coelho Abranches, 56 anos completados anteontem. O carioca chegou aqui em 1959 com os pais, que eram servidores do Congresso Nacional. Ao desembarcar no canteiro de obras da futura sede do poder, Cacau, como é conhecido, ficou impressionado com a quantidade de terra espalhada pela cidade. ;Brasília estava apenas começando, era puro barro. Meus pais choravam o dia inteiro, querendo voltar para o Rio. Mas eu curtia demais com as outras crianças;, relembra o funcionário público, que trabalha no Senado Federal.

A diversão principal da turma era acompanhar o surgimento de novas construções. ;A gente brincava em cima das obras do Teatro Nacional e, quando um de nós descobria mais um prédio em construção, corria para contar para os outros;, conta. A primeira residência da família Abranches foi na SQS 108. Antônio estudou na escola classe da quadra e, quando adolescente, curtia ir ao cinema da Escola Parque da 108 Sul.

Também nessa época surgiu a paixão por esportes. ;A gente ia para o Clube Vizinhança e ficava o dia inteiro jogando. De lá, eu via a janela da minha casa e a minha mãe pendurava uma bandeira vermelha do lado de fora quando queria me pedir para voltar;, lembra. Até hoje, Antônio Carlos corre e joga tênis e jamais descuida do trato com o corpo. Atualmente morador do Lago Sul, casado e pai de dois filhos, ele afirma sem nenhuma hesitação: ;A Brasília que eu conheci foi a melhor cidade para passar a infância. Hoje, infelizmente, ninguém tem mais segurança de brincar livremente por aí;.

Para Antônio Carlos, chegar aos 50 representa um amadurecimento. Mas, segundo ele, a idade requer atenção especial para evitar os desgastes do tempo. ;Assim como qualquer cinquentão, Brasília precisa muito se cuidar para não envelhecer e virar uma cidade problemática, como Rio ou São Paulo. Me preocupo demais com a proliferação das drogas na cidade. Hoje, as crianças entram nesse mundo logo cedo. Sem combater o uso de drogas e sem investir na educação, Brasília será uma cidade sem futuro. Precisamos parar e pensar nisso;, alerta. <--
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