Cidades

Setor público é desejado até por quem tem uma carreira em ascensão na iniciativa privada

Mariana Flores
postado em 03/01/2010 08:55
Números oficiais mostram que o mercado de trabalho do Distrito Federal depende cada vez menos do serviço público. Em 1992, quando começou a ser feita uma análise do cenário local, os servidores representavam 20,2% dos trabalhadores ocupados. Em 1999, esse volume chegou a 19,5% e, no ano passado, a 16,6% (veja quadro). No entanto, apesar dessa redução gradativa, ter o governo como patrão continua sendo a Ana Carolina, formada em nutrição, foi aprovada no Ministério da Saúde e se prepara para disputar uma vaga no Banco Centralmeta da maioria dos jovens brasilienses. Brasília sente a falta de profissionais interessados em permanecer na iniciativa privada. É comum jovens entrarem na universidade pensando em concluir logo o curso para, em seguida, se dedicarem aos estudos e garantirem uma vaga em um órgão público. O diploma serve, nesses casos, apenas como trampolim.

A contradição entre os números e a realidade se explica porque simplesmente os concursos não conseguem absorver a grande demanda por uma vaga no setor público. ;Não tem espaço para todo mundo que sonha com essa estabilidade, as pessoas estão entendendo isso;, analisa Adalgiza Lara Amaral, coordenadora da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Ela acrescenta que as estatísticas têm mostrado uma queda na proporção de servidores porque muitos, ao perceberem a baixa oferta em relação à demanda, optam por ingressar na iniciativa privada e garantir uma renda enquanto não conseguem passar em concurso.

A previsão é de que, nos próximos anos, o número de servidores em relação ao total de empregados continue em queda e comece a distanciar a capital federal do caráter meramente administrativo. Segundo especialistas, a mudança de cenário é a única saída para a cidade ganhar dinamismo e conseguir absorver a mão de obra que não para de crescer. A população economicamente ativa do DF aumentou 3% nos últimos 12 meses, contra 0,8% registrados na média das regiões metropolitanas pesquisadas pelo Dieese para compor a PED.

Avivaldo Ribeiro, estudante de direito, quer entrar no serviço público e justifica: %u201CPara ganhar um salário alto fora do serviço público, você tem que ralar muito%u201DUm possível novo cenário, porém, não será capaz de tirar tão facilmente o serviço público do lugar de destaque que ocupa em Brasília. Neste ano, o funcionalismo abrirá 224 mil vagas. Dessas, mais de 8,7 mil estão com inscrições abertas. ;Brasília continua sendo uma cidade administrativa, mas a garantia de renda dos servidores faz com que circule muito dinheiro na cidade, levando ao desenvolvimento do comércio e da construção civil, que são setores que têm muito potencial para gerar emprego;, afirma o especialista em mercado de trabalho Jorge Pinho, professor da Universidade de Brasília (UnB).

Sonho
A especialista em recursos humanos Marillac de Castro, da agência de empregos Intellijob, lembra que há casos de pessoas que se destacam nas empresas, mas abrem mão de toda uma perspectiva de crescimento para encarar os concursos. ;A cidade ainda é muito influenciada por essa realidade. O jovem cresce com a ideia, até orientado pelos pais, de que passar em um concurso é a realização do sonho. Ocorre que, assim, ele esquece de olhar em volta e perceber que há outras oportunidades, inclusive muito mais rentáveis;, comenta.

Os números que mostram a queda da participação dos servidores no total de ocupados no DF animam Marillac. Para ela, a partir do momento em que o concurso público deixar de ser visto como a única opção de vida dos jovens em Brasília, a cidade vai se desenvolver com mais facilidade. Na avaliação dela, os constantes escândalos éticos no serviço público estão fazendo com que muitas pessoas descubram o potencial do setor privado. ;Muita gente se convenceu de que o serviço público pode não ser um ambiente tão saudável. A busca pelo concurso passou a ser apenas pela estabilidade;, diz.

Avivaldo Ribeiro, 25 anos, está no último ano do curso de direito e diz saber o que quer para a vida: passar em um concurso público. O jovem trabalhou em um escritório de advocacia, se destacou, era com frequência elogiado pelos chefes, mas não suportou por muito tempo. ;Era [SAIBAMAIS]muito corrido, estressante, muita cobrança, muita encheção de saco;, justifica. ;Para ganhar um salário alto fora do serviço público, você tem que ralar muito. No caso do concurso, você só rala mais antes;, completa Ribeiro, que espera ser aprovado na prova do Banco Central este mês. Para isso, passou o fim de ano estudando.

A nutricionista Ana Carolina Amorim, 28 anos, não conseguiu se encontrar na profissão. Chegou a trabalhar em um restaurante por um ano e meio, mas a experiência não deu certo. Decidiu, então, estudar e, há seis meses, tomou posse no Ministério da Saúde. Agora, a próxima meta também é o Banco Central. ;Fiz a graduação por inércia mesmo. Acho que comecei errado e o concurso foi a alternativa que encontrei;, conta ela, que não é filha de servidores nem se diz influenciada pelo ambiente administrativo de Brasília. ;Não sou concurseira. Não quero fazer carreira no serviço público. Foi apenas a oportunidade que achei;, acrescenta.


;Temos muitos casos de gente crescendo na empresa, com um desenvolvimento rápido, vertiginoso, e mesmo assim estão sempre pensando no serviço público;
Nádia Menezes, gerente corporativa de recursos humanos do Grupo Brasal


"Muita gente se convenceu de que o serviço público pode não ser um ambiente tão saudável. A busca pelo concurso passou a ser apenas pela estabilidade;
Marillac de Castro, especialista em recursos humanos da Intellijob

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