Guilherme Goulart
postado em 04/01/2010 08:15
A pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) também avaliou a relação entre os entendimentos feitos por delegados e promotores brasilienses nos crimes de homicídios dolosos. Tendo como referência os 87 processos abertos e sentenciados no Tribunal de Justiça do DF entre 2004 e fevereiro de 2009, mais da metade (55%) das análises dos inquéritos encaminhados pelas delegacias acabaram confirmadas integralmente pelo Ministério Público do DF. Cerca de 23% acabaram arquivados, mas acatados pelo menos parcialmente. E outros 21% foram arquivados.A análise revela que cada degrau vencido no sistema criminal provoca uma diminuição na chance de se chegar a uma condenação do réu. A perda ocorre ao longo do caminho feito a partir do assassinato cometido nas ruas. O acusado é procurado, preso, investigado e indiciado pela polícia; denunciado à Justiça pelo Ministério Público; e finalmente julgado no Tribunal do Júri e condenado ou inocentado por um corpo de jurados. Do início ao fim dos trâmites, a comunicação entre os inúmeros profissionais envolvidos determina o desfecho do caso. A relação entre eles, porém, nem sempre é cordial.[SAIBAMAIS]
A queda de braço entre promotores e delegados contou com um exemplo recente no DF. O triplo homicídio ocorrido na 113 Sul em 28 de agosto de 2009 começou a ser investigado pela 1; Delegacia de Polícia, na Asa Sul. A equipe responsável por desvendar as mortes do casal de advogados José Guilherme Villela e Maria Carvalho Mendes Villela e da principal empregada da família, Francisca Nascimento da Silva, não obteve sucesso em quase três meses de diligências. A promotoria do Tribunal do Júri de Brasília interferiu. Recomendou a transferência do comando do caso ao identificar arbitrariedades da polícia.
A Justiça local aceitou os argumentos do promotor Maurício Miranda e encaminhou a apuração para a Coordenação de Investigação de Crimes contra a Vida (Corvida), unidade especializada em homicídios. A Polícia Civil do DF optou por montar uma força-tarefa para acelerar a apuração. Mais uma vez, houve problemas. Entre eles, a liberação dos três últimos suspeitos presos ainda pela 1; DP porque se perdeu o prazo da prorrogação da prisão. A investigação hoje está toda concentrada na Corvida, sob o comando do delegado Luiz Julião Ribeiro.
Para a delegada Mabel Faria, titular de uma das divisões da Corvida, os resultados da pesquisa feita pelo Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (Nevis) da Universidade de Brasília (UnB) deixam evidentes a maleabilidade do sistema criminal brasileiro. ;O direito tem como base a argumentação. Para alguns, determinado fato pode deixar dúvidas. Para outros, não;, afirmou. No caso dos homicídios dolosos, o palco para os mais diferentes entendimentos se ergue no Tribunal do Júri. Advogados e promotores se enfrentam com a finalidade de condenar ou inocentar o réu.
Cautela
Representantes do Judiciário ouvidos pelo Correio defenderam cautela em relação aos resultados da pesquisa realizada pelo Departamento de Sociologia da UnB. O juiz Ademar Vasconcelos, do Tribunal do Júri de Planaltina, disse que a quantidade de condenações de assassinatos intencionais não deve ser avaliada apenas por números. ;Isso é uma pesquisa de resultado. Um juiz só condena se não tiver dúvida. Imagina o problema que seria condenar alguém inocente. Processos de homicídio doloso não podem ser feitos de uma maneira rápida;, explicou.
O magistrado citou um caso que exigiu tempo e frieza. ;O estuprador foi não só reconhecido por várias vítimas como também a bicicleta que ele teria usado nos crimes. O que o salvou foi um exame de DNA, e o verdadeiro criminoso foi pego mais tarde. E se eu condeno o primeiro?;, questionou Vasconcelos. Segundo ele, 80% dos casos de assassinatos que passam pelo Tribunal do Júri de Planaltina terminam em condenações. Mesmo assim, ele alerta para as variáveis de uma morte. Entre elas, as polêmicas entre crimes com ou sem intenção de matar, comuns em acidentes de trânsito.
O desembargador Cláudio Luis Braga Dell;Orto, do Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, reconheceu a lentidão do sistema processual do país. E uma possível interferência desse atraso para o resultado dos julgamentos. ;Esse sistema abre espaço para uma série de recursos. Lutamos para simplificar esse trâmite processual, mas hoje ainda é bastante burocratizado. É preciso integrar todo o sistema, passando pela polícia, Ministério Público, Justiça e cárcere;, disse o também vice-presidente de comunicação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).