Cidades

Homem se dedica à recuperação do Rio Melchior há mais de 30 anos

Seu José plantou pelo menos 5 mil mudas nativas, recuperou nascentes e ganhou o 8º Prêmio Furnas Ouro Azul

Guilherme Goulart
postado em 04/01/2010 08:36

Construções de novos bairros, expansões de condomínios e constantes De uma das nascentes do rio Melchior brota uma caudalosa cachoeiratentativas de invasões de terra. Diante de tantas agressões ao cerrado no Distrito Federal, está cada vez mais difícil encontrar nos arredores um pedaço do segundo maior bioma do país em estado natural. Pois a 44km do Plano Piloto, quase ao lado de Samambaia, a iniciativa de um homem faz com que milhares, talvez milhões de árvores cresçam tranquilas. O contador José Carlos Pellicano, o seu José, segue, assim, com sotaque mineiro de Ouro Fino, o solitário caminho da preservação da natureza.

Um dos projetos mais ambiciosos dele se chama Mais Oxigênio. Entre nascentes, matas ciliares e lobos-guará, desenvolve-se uma fábrica de água. Isso mesmo. Pode parecer estranho, mas a ideia desse homem de 68 anos, que sempre tem uma brincadeira ou uma provocação bem-humorada escondidas embaixo da manga, passa pelo simples plantio de árvores. ;Constatei o óbvio, ou seja, que plantando árvores nas nascentes aumenta-se consideravelmente o volume da água;, ensina seu José, que ganhou em 2009 homenagem do 8; Prêmio Furnas Ouro Azul.

Para entender melhor o projeto desse pai de seis brasilienses, é preciso voltar no tempo. Mais especificamente a 1976, 13 anos depois da chegada dele e da mulher à nova capital do Brasil. Seu José comprou 188 hectares da terra até então distante de qualquer tipo de urbanização. Nem mesmo luz elétrica existia por ali. Hoje, vê-se algumas casas de Samambaia ao longe. Há asfalto em frente à entrada da estrada de chão que leva o visitante à fazenda.

Nesse tempo, seu José comprou a propriedade do tamanho de 188 campos de futebol, mas estranhou a falta de vegetação nas proximidades do Rio Melchior à altura da terra dele. ;Não tinha árvores na beira do rio. Mas tinha uma olaria aqui ao lado;, aponta, ao fundo. ;É provável que ela tenha destruído as matas remanescentes para uso em seus fornos.; O contador plantou no local 5 mil mudas das mais variadas espécies nativas. Aos poucos, comemorou a retomada do vigor de duas nascentes. ;Em alguns meses, elas secavam. Continuei o plantio e, há oito anos, nunca mais secaram;, contou.

José Carlos Pellicano, proprietário de uma fazenda que protege três nascentes de rios no Distrito FederalSeu José, que aprendeu sozinho a mexer na terra, se empolgou com o sucesso ecológico e tomou gosto pela coisa. Investiu na construção de viveiros e deu fôlego ao Mais Oxigênio. Plantou, na última década, 60 mil mudas de 200 espécies diferentes perto do Melchior ; a previsão é alcançar 150 mil. É a partir delas que seu José fabricará água. Como? As raízes das árvores se aprofundam no solo e formam galerias. Funcionam, assim, como uma espécie de tubulação natural. A água da chuva cai e acaba levada naturalmente para as nascentes com mais rapidez e em maior quantidade.

A plantação realizada por seu José também chama a atenção pela variedade. Há espécies nativas do cerrado, como copaíba, ipê e gonçalo-alves; e estranhas ao bioma, como pau-brasil, cedro e jacarandá-da-bahia. Elas alcançam a área do Mais Oxigênio depois de cultivadas em estufas especiais erguidas nos viveiros da propriedade. ;É preciso que cada um faça a sua parte na preservação da água e da natureza. A água que passa por aqui já teve mau cheiro, estava poluída e é a mesma que vai também para Corumbá IV. É ela que vamos tomar daqui a alguns anos;, alertou o contador.

Dificuldades financeiras
Um passeio pela fazenda encanta qualquer visitante acostumado à paisagem urbana. São três nascentes, duas delas perenes, e fauna e flora das mais diversificadas. Já apareceram por ali onças-pintadas e existem espécies de orquídeas e bromélias endêmicas. Só que a manutenção e o investimento de toda essa área não dependem apenas de dedicação e suor. Exigem um custo. É nessa hora, talvez a única, que encontramos um seu José desanimado com a falta de apoio. Além das dívidas e do sustento de cinco funcionários, não consegue empréstimo bancário para concluir o projeto Mais Oxigênio.

Cerca de 40 mil mudas estão prontas para o plantio ; algumas têm mais de 1m de altura. Mas não há dinheiro para o deslocamento até as áreas ao redor do Melchior. ;Falta financiamento. Estamos sujeitos a perder todas essas mudas porque elas estão na hora de serem transferidas. Vemos o governo gastar com mudas de poucos centímetros enquanto temos tudo isso aqui parado;, lamentou. Seu José está, assim, prestes a tomar uma medida extrema: ;Ou consigo empréstimo ou terei de vender toda essa área para quem desejar continuar meu trabalho;.

Ainda assim, o contador-fazendeiro encontra ânimo para mais iniciativas em favor da natureza. Ele pensou na construção de uma mini-Amazônia em cada cidade brasileira. Difícil? Complicado? Nem tanto. Mas melhor deixar que ele mesmo explique: ;Ficaria a cargo de companhias de água e esgoto de cada município, gerando milhares de empregos e melhorando a quantidade e a qualidade da água. Cada firma teria o seu próprio viveiro e plantaria as árvores nas nascentes;. Simples e fácil. Mas, sem ajuda, nada vai além da imaginação.

Poluição

O Rio Melchior era um dos mais poluídos do Distrito Federal pelo menos até setembro de 2004, quando se livrou da sujeira por conta da inauguração de uma estação de tratamento. Até então, recebia diariamente o esgoto não tratado de 900 mil habitantes de Taguatinga, Ceilândia e expansão de Samambaia. Eram despejados mensalmente nele 2,2 milhões de litros de esgoto.

Reconhecimento
O Projeto Ouro Azul, realizado em parceria entre a Furnas Centrais Elétricas, a Eletrobrás, o Ministério das Minas e Energia e os Diários Associados, premia iniciativas que divulgam a importância do uso adequado da água pela população no Brasil, assim como a recuperação e conservação de recursos hídricos em Minas Gerais, Distrito Federal e Rio de Janeiro.

Abastecimento garantido
Além dos recursos hídricos do Lago Paranoá, o Governo do Distrito Federal conta com o sistema da Usina Hidrelétrica de Corumbá IV para evitar problemas de abastecimento para uma população estimada em 4 milhões de pessoas, somando-se o DF e o Entorno. A inauguração da estrutura, localizada em Luziânia (GO), ocorreu em 4 de fevereiro de 2006.

O número
60 mil

Total de mudas plantadas por seu José ao longo do projeto Mais Oxigênio

Serviço

Interessados em ajudar seu José ou em firmar parcerias podem encontrá-lo no telefone 9987-4446

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