Cidades

Grupos tradicionais de Planaltina se esmeram para os festejos em torno do Dia de Santos Reis

O evento é comemorado com com música e dança, evocando o menino Jesus

postado em 06/01/2010 07:35
Quando três homens vestidos como reis batem à porta de uma casa em Planaltina, é motivo de orgulho e devoção para os donos da residência. É o anúncio de que começou a encenação da caminhada de seis dias dos Santos Reis - Gaspar, Belchior e Baltazar - ao encontro do menino Jesus. Em Planaltina, um grupo de 40 foliões vai de casa em casa desde 1; de janeiro. Hoje é Dia de Santos Reis e também do encerramento da festa. Os festeiros carregam a bandeira, o maior símbolo da folia. Nela está pintada a imagem do trio, que de joelhos oferece incenso, ouro e mirra ao recém-nascido. A peça de pano de forma retangular representa também a estrela que guiou os reis até a manjedoura de Jesus. O responsável por conduzi-la é intitulado festeiro.

O alfer José Romide (com a bandeira na mão) durante o giro pelas ruas de Planaltina, chamando para a festa que reúne famílias de toda parteCom eles vem música, dança e fartura de comida. Hoje ocorre o ápice da celebração. A comemoração da data em que o trio atingiu o objetivo de presentear e conhecer Jesus. Desde o primeiro dia do ano, o grupo formado por moradores de Planaltina do DF e de Goiás e Cristalina percorre seis casas de manhã e à tarde e uma à noite todos os dias. Durante a visita noturna, três foliões que ocupam lugar de destaque na organização da festa vão vestidos como a realeza, com direito a coroa e manto. A festa chega a reunir mais de 500 pessoas todos os dias.

Os foliões tocam instrumentos como violões, violas, violinos e reco-recos. O cantori, como é chamada a música típica da festa de Santos Reis, fala do nascimento de Jesus e da palavra de Deus. Os versos são entoados no meio da sala. Em seguida, o conjunto vai para o quintal para dançar e cantar ao som da catira. No fim, é hora da reza. Um Pai Nosso encerra a visita. Toda noite, um morador voluntário da cidade é responsável por dar pousada e outro oferece almoço ao grupo.

Tradição
Esta é a 24; edição da Folia de Reis. Durante o ano, os organizadores fazem encontros para definir quem será o responsável pelos setores da festa. Em 2010, o morador de Planaltina José Romilde, 55 anos, funcionário da Embrapa, foi o escolhido para ser o alfer, ou seja, aquele que faz a folia acontecer. A missão dele, que também se caracteriza como um dos reis magos, é cuidar da bandeira e da coroa e esquematizar os pousos e saídas da folia de casa em casa durante a peregrinação. "Fiquei na fila durante 10 anos para ser o alfer. Meu pai era folião e eu sempre achei bonito. É uma emoção enorme. Algo que a gente não vê, não tem cor nem cheiro. Só quem segura a bandeira sente o mistério", relatou Romilde. A fila para ser alfer é grande. As vagas já estão ocupadas nos próximos 10 anos.

Quem recebia o giro da folia, como é chamada a peregrinação pelas ruas, não controlava a emoção. Aos 102 anos, Maria da Conceição de Souza alegrou-se com a festa e lembrou os tempos de infância. "Meu pai era festeiro. Eu sou muito religiosa, gosto de todas as religiões. Fico muito feliz de receber a folia em casa", disse. Dona Maria relata as mudanças na comemoração do Dia de Santos Reis ao longo das décadas. "No meu tempo de mocinha, as mulheres não podiam ser festeiras. Hoje, elas puxam a festa", lembrou.

Maria ensinou a crença aos 10 filhos. Um deles, o arquiteto Adenir Oliveira, 46, é o atual coordenador da Folia de Santos Reis em Planaltina. "É uma festa de raiz, muito tradicional. São as pessoas mais simples que fazem o giro da folia. Gente que sai de casa para levar a alegria e a palavra do bem para as outras pessoas", definiu Oliveira. A fé passa de geração para geração. Agora, Geovana, 1 ano, bisneta de Dona Maria, é a mais nova foliã.

Os donos da primeira casa a receber a folia ontem resumem o sentimento de abrir as portas para a celebração. "Se a comunidade não preserva suas raízes, ela não tem história. O folclore é a alma do povo. Quando vejo as crianças dançando e louvando, percebo que ainda dá para salvar muita coisa no mundo", opinou João de Souza Lima, 73.

Toda folia deve ter um guia, encarregado de distribuir as obrigações, dizer quem vai rezar, fazer pedidos, saudações e puxar a cantoria. Essa figura foi representada pelo autônomo Crispim Lopes, 49, morador de Planaltina de Goiás. "Participo há 28 anos. Sou de Cristalina e lá a tradição é muito forte. Mais cultura e religião é tudo que precisamos hoje em dia", declarou. "Existe um decreto que inclui a Folia de Reis no calendário oficial do GDF. Mas tiramos tudo do nosso bolso ; comida, pratos, roupa e muito mais. Mesmo assim, não vamos deixar a folia morrer", concluiu Crispim.

Significados
Altar
é o local de mais respeito, o mais sagrado. É onde ocorre o começo e o final da folia e o pagamento de promessas. Pode ser feito dentro de casa e ornamentado de acordo com o gosto do devoto.

Bandeira
maior símbolo da Folia de Reis. É feita em verde e branco.

Coroa
simboliza a realeza. Os reis usavam um adereço de ouro com pedras preciosas. A versão da folia é feita de bronze e miçangas.

Guia
é o responsável pela organização da folia. É ele que diz quem vai rezar, cantar e fazer pedidos.

Alfer
encarregado de fazer a folia acontecer. Responsável pela bandeira, coroa e instrumentos. Responde também pela organização dos pousos e pelo retiro da folia. Ele entrega a bandeira ao novo pretendente.

Regente
tem o poder de punir os foliões não empenhados em cumprir
as ordens. Os desordeiros podem até ser expulsos do grupo por ele.

Procurador
é um folião de respeito, honesto e responsável pelas oferendas dos devotos.

Alvorada
é a abertura da folia, cerimônia na qual o guia distribui as funções de cada um.

Divisa
é um símbolo para diferenciar os foliões, cargos e obrigações. O lenço é uma divisa. Ele é usado por todos. Já o laço de fitas duplas em verde e branco é só para os foliões de frente, como o guia e o procurador.

Giro da folia
é a caminhada que se realiza na casa dos fiéis. Antigamente era feito durante a noite e a pé.

Catira
dança composta por palmas e sapateados acompanhada pelo som da moda de viola. É preciso haver seis pares para dançar. Ocorre no momento da confraternização.

Pedido de agasalho
ocorre quando os foliões pedem ao dono da casa para pousar ali.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação