Helena Mader
postado em 08/01/2010 07:30
A dificuldade para registrar lotes de condomínios em cartório é hoje a principal reclamação dos moradores de parcelamentos. Dos 26 mil lotes legalizados até agora, apenas 10% conseguiram a liberação da escritura. Se de um lado a comunidade reclama da burocracia, de outro há cobranças por um rigor ainda maior. O procurador-geral de Justiça do Distrito Federal, Leonardo Bandarra, enviou recomendação a todos os nove ofícios de registro de imóveis da cidade com a proposta de criação de mais exigências. A população dos condomínios teme que a medida inviabilize completamente a emissão de escrituras de terrenos regularizados. Já os cartórios reclamam que as determinações não estão previstas na legislação.A recomendação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) foi expedida no último dia 17 e é assinada por cinco promotores de Justiça, além do procurador-geral. São seis as exigências do MP incluídas no documento. A primeira delas é que os cartórios requisitem dos empreendedores a apresentação da licença ambiental de instalação, que é emitida pelo Instituto Brasília Ambiental. O Ministério Público também cobra a cópia da ata das audiências públicas referentes aos estudos ambientais e a aprovação prévia dos conselhos distritais de Meio Ambiente (Conam) e de Planejamento Urbano (Conplan).
A recomendação diz que esses documentos devem ser exigidos mesmo que os parcelamentos já tenham sido aprovados pelo governo local. Determina ainda que os cartórios mantenham a documentação arquivada nos ofícios de registro de imóveis. Todos os oficiais dos nove cartórios do DF receberam a recomendação no mês passado.
O presidente da Associação dos Notários e Registradores do Distrito Federal (Anoreg), Allan Nunes Guerra, explica que vai submeter a recomendação à Corregedoria do Tribunal de Justiça do DF - que é responsável pela fiscalização dos cartórios - antes de decidir se as regras propostas serão cumpridas. Mas ele destaca que nenhum dos itens da recomendação está previsto na Lei n; 6.766/79, que trata sobre os procedimentos necessários ao registro em cartório de parcelamentos. "Isso não quer dizer que vamos desrespeitar a recomendação. Mas vamos consultar o TJ e também vamos ouvir a opinião da comissão formada por juízes, promotores, representantes de cartórios e do governo", explica Allan.
Essa comissão citada pelo presidente da Anoreg foi criada no mês passado e é presidida pelo juiz titular da Vara de Desenvolvimento Urbano e de Meio Ambiente, Carlos Divino Rodrigues. Allan Nunes Guerra diz que a exigência de apresentação de atas não está citada na legislação. "O que a lei exige é que o poder Executivo tenha aprovado o parcelamento. Não é da competência dos cartórios verificar a existência de atas ou de audiências públicas. Cabe ao governo checar tudo isso antes da publicação do decreto de aprovação", acrescenta o presidente da Anoreg.
Termo de ajuste
O gerente de Regularização de Condomínios do GDF, Paulo Serejo, também questionou a recomendação do Ministério Público. Ele diz que vai procurar os promotores e os representantes da comissão formada no TJDF para tentar reverter a medida. "Hoje, a legislação só exige a aprovação do Conplan e do Conam para novos parcelamentos. Isso não é mais necessário para a regularização de condomínios já existentes", explica.
"Além disso, o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) assinado pelo GDF e pelo próprio MP dispensa a realização de estudos ambientais em alguns casos. Como é que agora vão exigir ata da audiência pública para discutir os estudos?;, questiona o gerente de Regularização. ;Eu entendo o zelo que o Ministério Público tem, mas é preciso desburocratizar, em vez de criar novos empecilhos. A falta de registro beneficia apenas os grileiros", finaliza Paulo Serejo.
A Assessoria de Imprensa do MPDFT informou que todos os promotores responsáveis pela recomendação estão de férias e, por isso, não poderiam dar entrevista sobre o assunto. No texto da recomendação, eles argumentaram que é preciso adequar a Lei n; 6.766 "às legislações constitucionais, registrais, urbanísticas e ambientais que passaram a vigorar após a edição da referida lei, ocorrida em 1979".[SAIBAMAIS]
O documento diz ainda que "a Lei de Parcelamento do Solo deve ser interpretada de forma sistemática, não se podendo vislumbrar sua aplicação em dissonância com a legislação de tutela ao meio ambiente e ao ordenamento urbano". Os promotores argumentam que a Lei n; 6.766/79 não menciona expressamente a necessidade da licença ambiental porque, "à época em que foi editada, não existia a obrigatoriedade de licenciamento ambiental para empreendimentos potencialmente poluidores, hoje uma exigência constitucional."
Empecilhos
O condomínio Mônaco, próximo ao Setor Habitacional Tororó, foi regularizado em junho do ano passado. A aprovação dos estudos ambientais e do projeto urbanístico foi celebrada com uma grande cerimônia oficial. Mas, passados mais de seis meses, os moradores não têm ainda a escritura dos lotes. A síndica do parcelamento, Viviane Fidélis, ficou surpresa com as novas exigências do MPDFT. ;Normalmente, o processo já demora muito por causa da burocracia. Se os cartórios começarem a pedir tudo isso que está na recomendação, não vamos conseguir nunca as escrituras;, garante Viviane. Segundo ela, o condomínio não tem as atas das audiências públicas, nem documento que comprove a aprovação do parcelamento pelo Conplan e pelo Conam.
Para a presidente da União dos Condomínios Horizontais, Júnia Bittencourt, as novas determinações podem sepultar a regularização fundiária da maioria dos parcelamentos. "As reclamações por conta da demora na liberação das escrituras são muitas. Se essas novas regras passarem a valer, os moradores vão perder definitivamente as esperanças", diz Júnia.
No condomínio Quintas da Alvorada, no Setor São Bartolomeu, a comunidade ainda espera pelas escrituras, quase 16 meses depois da regularização. O síndico do parcelamento, Célio Teixeira, critica o Ministério Público. "Parece que o Poder Público só quer complicar, em vez de simplificar. Acho quase impossível que algum condomínio tenha esses documentos exigidos na recomendação. Se isso passar, ninguém vai mais conseguir registrar nada", afirma Célio.
Lista longa
O que a Lei n; 6.766/79 exige para que seja feito o registro em cartório:
- Título de propriedade do imóvel ou certidão da matrícula
- Histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 anos
- Certidões negativas
- Cópia do ato de aprovação do loteamento
- Comprovante do termo de verificação de que as obras de infraestrutura foram realizadas ou apresentação de cronograma de execução dessas benfeitorias
- Exemplar do contrato-padrão de promessa de venda, ou de cessão
O que diz a recomendação do Ministério Público do DF:
- Ao registrar parcelamentos, os oficiais dos cartórios de registro de imóveis devem exigir:
- Expedição da licença de instalação ou de operação
- Ata que comprove a realização de audiências públicas para discutir os estudos de impacto ambiental
- Ata de aprovação do parcelamento de solo pelo Conselho de Meio Ambiente do DF
- Ata de aprovação do parcelamento de solo pelo Conselho de Planejamento Urbano do DF
- Os documentos acima devem ser cobrados mesmo que o parcelamento já tenha sido aprovado pelo poder Executivo.
- Os cartórios devem armazenar cópias de toda a documentação.