postado em 08/01/2010 08:37
Os restaurantes de comida chinesa estão se proliferando em algumas cidades do Distrito Federal. Em Taguatinga, nos últimos quatro anos, surgiram cinco deles somente na Avenida Comercial, a mais movimentada da região administrativa com maior desenvolvimento econômico. Os estabelecimentos são chefiados por famílias de chineses que, antes, tentaram a sorte na Feira dos Importados, onde os orientais costumam atuar na revenda de produtos contrabandeados. Ao transformarem a culinária do país de origem em negócio, se distanciam do estigma da pirataria e descobrem um nicho de mercado que defendem ser muito mais lucrativo e promissor.Com fachadas geralmente em vermelho e amarelo e grandes ideogramas, os restaurantes se destacam no emaranhado comercial de Taguatinga. Viraram uma atração para quem mora ou trabalha na área mais agitada da cidade. Na hora do almoço, o cliente pode escolher: self-service ou à la carte. À noite, só a segunda opção. O quilo custa R$ 17,90 ou R$ 18,90, a depender do restaurante. Nos concorrentes brasileiros, é raro pagar menos que R$ 20 o quilo. Pratos executivos chineses podem sair por menos que R$ 10. O pedido mais caro custa R$ 79,90 e, segundo o cálculo dos chefes de cozinha, sacia a fome de um grupo de até cinco pessoas.
O Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília (Sindhobar) não tem um levantamento oficial, mas o presidente da entidade, Clayton Machado, estima que existam pelo menos 100 restaurantes de comida chinesa em todo o DF. ;E não param de abrir novas casas. É, sem dúvida, o segmento gastronômico que mais cresce na capital;, comenta. Fora do Plano Piloto, a maior concentração está em Taguatinga. Há menos de um ano, os rolinhos primavera e os camarões empanados chegaram ao centro de Ceilândia. No Guará, os chineses também já se alojaram. ;É uma comida saborosa e barata que caiu no paladar do brasileiro;, acredita Machado.
Dos restaurantes da Avenida Comercial, em Taguatinga, o mais antigo é o Gin Tian Te Wei, em frente ao Alameda Shopping. Gin Tian é o nome da cidade do dono. Te Wei é algo como ;o melhor lugar;. Por dia, cerca de 200 pessoas, em média, almoçam ou jantam ali. Aos sábados e domingos, a estimativa sobe para 300, nas contas do funcionário Iolano Medeiros, 27 anos. É ele quem ajuda a mediar a conversa com o dono, Zhong Liuxing, 47, que tem dificuldade para falar português. ;É comida boa, leve e preço muito bom;, enumera o chinês, quando perguntado sobre por que tanta gente frequenta o restaurante. ;Aqui, sabemos fazer a comida, por isso muito cheio;, completou.
Zhong Liuxing chegou a Brasília em 2000. Veio com o filho, hoje com 21 anos, e um grupo de amigos. Antes de perceber que não havia restaurante chinês no centro de Taguatinga, onde se instalou, vendeu tênis para garantir o sustento. Hoje, cuida do estabelecimento que tem 19 funcionários, entre garçons, cozinheiros e motoboys. Os pedidos são feitos por moradores de Samambaia, do Riacho Fundo, do Recanto das Emas e até de quadras do Park Way a 30km de distância. O lugar precisou triplicar de tamanho em quatro anos de funcionamento para comportar a demanda, que não para de crescer. ;Fim de semana isso aqui é um formigueiro;, definiu o funcionário Medeiros.
Descendentes de orientais são minoria nos restaurantes chineses. Os brasileiros não se estranham mais com iguarias do tipo frango xadrez e arroz com brócolis. Mas não é por isso que precisam renunciar ao arroz, ao feijão e ao bife. Pelo menos nos self-services da Avenida Comercial, os clientes têm a combinação disponível e podem misturar à vontade. Foi o que fez o aposentado Jorge Morais, 66 anos, esta semana, ao conhecer o Gin Tian Te Wei. No prato: frango empanado à moda chinesa, salada, arroz e feijão. ;Comida boa e barata;, resumiu ele, morador de Vicente Pires, que fazia compras com a mulher em Taguatinga quando sugeriu a ela um almoço no restaurante de Zhong Liuxing.
Concorrência é crescente
O surgimento de mais restaurantes chineses aumenta a concorrência e distribui os clientes. Quando os pais de Diogo Yemeijie, 18 anos, abriram o deles na Avenida Comercial, três anos atrás, a família recebia até 300 pessoas por dia no almoço e no jantar. Depois que pelo menos dois outros restaurantes surgiram nas proximidades, a clientela caiu pela metade. ;Muita concorrência, mas ainda temos clientes fiéis;, comentou o jovem, que fala português melhor que os pais e, por isso, foi quem conversou com a reportagem. ;Acho que o brasileiro gosta muito de comida chinesa porque é diferente;, completou.
Encontrar uma loja com aluguel com valor menor que R$ 2,5 mil na Avenida Comercial não é tarefa fácil. Parte dos ingredientes que os chineses compram para preparar as refeições saem de São Paulo. O negócio tem dado certo para Liu Yong, 32. Ele é dono do Brazilian China, que tem unidade em Taguatinga e, há 11 meses, em Ceilândia. A terceira deve ser inaugurada até junho, também em Ceilândia. ;Para dar certo, depende muito do ponto. Por isso, vou abrir outra mais perto de lojas pra ver se melhora mais;, explicou Yong.
No Plano Piloto, um dos restaurantes chineses mais tradicionais é o Careca, que surgiu em 1982 e hoje tem três lojas, todas na Asa Norte. Em Taguatinga, durante 25 anos reinou o Restaurante China, na Avenida Comercial. Atraía centenas de pessoas todos os dias. ;Aquele era o melhor, não dá nem para comparar com os que existem hoje;, disse a vendedora Ivete Nunes, 39. O restaurante fechou as portas, segundo comerciantes da cidade, depois que o dono morreu. O filho assumiu a empresa, mas não segurou o negócio por muito tempo.
Pratos mais procurados
Arroz colorido com camarão - R$ 12,90
Yakisoba de carne - R$ 11,90
Frango xadrez - R$ 12,90
Arroz frito com carne - R$ 9,90
Camarão agridoce - R$ 27,90
Marinada à moda chinesa - R$ 19,90
Memória
Asiáticos ganham terreno
O Correio revelou, em reportagens publicadas em junho de 2009, que o sotaque carioca vinha perdendo espaço para o chinês no Cruzeiro. Asiáticos alugam ou compram apartamentos no bairro antes dominado por ex-moradores do Rio de Janeiro. O fenômeno é uma estratégia da máfia chinesa para expandir a pirataria em Brasília.
Construído para abrigar funcionários públicos transferidos da antiga para a nova capital, o Cruzeiro é o mais próximo da Feira dos Importados, onde metade das 2,1 mil bancas vende mercadoria contrabandeada ou falsificada, de acordo com a Receita Federal. Atraindo cerca de 50 mil consumidores semanalmente, a feira tornou-se o segundo maior ponto de vendas de produtos piratas do país. Perde apenas para a Rua 25 de Março, em São Paulo.
Nos imóveis do Cruzeiro, em que moram espremidos, os chineses estocam as mercadorias, entregues em vans e carros nas madrugadas. Os produtos são levados à feira em carrinhos de mão ou nas costas. Os asiáticos precisam apenas atravessar a passarela sobre a Estrada Parque Indústria e Abastecimento para chegar à feira. O Correio mostrou ainda que os chineses usam bebês para permanecer no Brasil. A PF investiga em Goiás um esquema de venda de registro de crianças brasileiras, descendentes de chineses, para estrangeiros ilegais. Eles compram os documentos porque ao se casar com um brasileiro ou ter um filho nascido no país não podem ser deportados.