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Tesouros arquitetônicos fora do Plano merecem uma visita

Poucos locais fora do Plano Piloto foram tombados: são apenas 10. Eóm alguns deles, não está preservada apenas a arquitetura, mas também a histria da formação da capital do país

postado em 09/01/2010 07:00
As paredes são de adobe e o batente da porta de entrada é pura madeira. A tinta que cobre a fachada é nova, mas as cores azul e branca vêm de décadas passadas. O casarão de Planaltina recebeu as comissões que vinham estudar o território da futura capital. Ele passou por algumas restaurações, mas conserva o fogão a lenha, a mangueira do pátio e até a serpentina que esquentava a água do banho. A casa é uma das poucas da cidade que se mantiveram intactas por gerações. Assim como ela, outras construções antigas de Brasília - a três meses de virar cinquentona - preservam o ar de meados do século passado.

Algumas viraram museus, outras são mantidas pelos moradores. "Nas férias, fazíamos teatros, jogávamos vôlei. Vinham rapazes de Luziânia e Formosa para as festas na casa", lembrou a advogada Olíbia Guimarães, 77 anos. Ela é neta de Salviano Monteiro Guimarães, coronel que desbravou a região e trouxe energia elétrica, telefone e avião. Irmã de Olíbia, a professora Marilda Guimarães, 60 anos, cresceu ouvindo as badaladas do antigo relógio e as reuniões políticas na sala de jantar. Depois de ajudar a recuperar a casa onde morou, ela decidiu reformar a antiga coletoria da cidade, que transformou em Espaço Cultural Uberdan Cardoso, museu sobre a Via Sacra da cidade. "Mantive os batentes das portas e as janelas. É uma história de vida", completou.

Quatro irmãs, entre elas Marilda (E) e Olíbia Guimarães (D), doaram o casarão de Planaltina onde viveram na infância e ele se transformou em museu. A família reuniu móveis antigos e acaba de montar uma exposição (acima) no local

O DF tem 24 bens tombados em instância distrital. Dez deles estão fora do Plano Piloto - ficam em Taguatinga, Planaltina, Brazlândia, Núcleo Bandeirante, Candangolândia, Gama, Park Way e Paranoá - e a maioria virou ponto turístico. Brasília como um todo está protegida por um decreto distrital e uma portaria federal, além da inscrição na Lista do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Os prédios, porém, só têm proteção se tombados individualmente pelo governo federal ou distrital.

Casas particulares podem ser doadas ao governo para a criação de espaços culturais, como aconteceu com o Museu Histórico e Artístico de Planaltina. Em 1972, a família Guimarães doou um casarão construído entre os séculos 18 e 19. O abandono tomou conta da moradia por anos, mas há um mês ela recuperou as antigas características. Quatro irmãs herdeiras da família recuperaram o mobiliário original, disperso em casas de parentes. Reconstruíram o ambiente em que cresceram e lançaram a exposição Casa Histórica de Planaltina, aberta ao público até junho, de terça a sexta.

Ao redor do Plano Piloto, há tesouros cuidados com esmero nas últimas décadas. No Núcleo Bandeirante, uma praça concentra prédios inaugurados antes mesmo de Brasília. A igreja, a escola e o campo de futebol da Metropolitana foram ocupados por famílias de trabalhadores da construção. A escola foi reformada em 1988 e os prédios antigos estão em bom estado. A igreja pegou fogo em 2007 e passou por uma recuperação completa - agora, em azul e branco, está impecável.

Também no Núcleo, o Museu Vivo da Memória Candanga funciona no prédio do primeiro hospital de Brasília, o Hospital Juscelino Kubitschek. No interior, há uma reprodução de canteiros de obras da época, fotografias, roupas e objetos dos anos da construção. A boa conservação faria inveja, se assim fosse possível, a monumentos do centro de Brasília que só agora passam por reformas.

Erguido em 10 dias em 1956, o Catetinho funcionou como a primeira residência do presidente Juscelino Kubitschek. O espaço, na BR-040, se transformou em museu e, nas casas de madeira originais, estão expostos móveis e objetos de uso de JK. Mas por pouco, o prédio não foi perdido para os cupins. Em 1996, uma operação de salvamento livrou a história residência dos insetos. A restauração ocorreu no mesmo período. "A preservação da memória é importante para que as pessoas não se esqueçam de quem fez a cidade", opinou o professor Ari Nobre, 38 anos, em visita ao museu ao lado da mãe.

Qualquer cidadão pode pedir o tombamento de um bem que considere relevante para a história e a cultura da cidade. O problema é que não há incentivo para que donos de casas antigas preservem o que têm. "Até hoje, isso tem dependido das famílias. Provavelmente, pode se perder, a menos que o governo faça algo, isto é, tombar, fazer a conservação e promover a educação patrimonial", explicou o superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do DF, Alfredo Gastal.

Proteção do dono
O chão de cimento pintado é o mesmo há 52 anos e o fogão a lenha adorna a cozinha, apesar de não funcionar mais. A casa tradicional de Brazlândia conservará as características originais enquanto estiver de pé, se depender da vontade do dono, o pensionista Leonardo Carlos de Oliveira, 84 anos, o seu Nenê. A moradia não é tombada e pode desaparecer caso o proprietário queira.

A casa de Leonardo, em Brazlândia, é a única original da rua. Ele a comprou em 1957 e nunca permitiu grandes mudanças na estrutura. "Minha mulher fez o fogão e pintamos o cimento do chão. Na sala é vermelho e na cozinha é amarelo", disse o pensionista, que mantém as cores e nunca pensou em pedir o tombamento do local. Leonardo cresceu na primeira casa de adobe de Brazlândia - as outras eram de palha. A moradia datada de 1939 hoje é ocupada por uma sobrinha dele, Terezinha Queiroz, 31 anos. Ela instalou grades nas janelas de madeira, mas tenta preservar o resto da residência. "Não tenho vontade de sair daqui, quero conservar pela lembrança da minha avó", disse.

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