Cidades

Grandes redes de varejo são desafio para antigos comerciantes do Núcleo Bandeirante

Rodolfo Borges
postado em 09/01/2010 08:24
O Mercado do Núcleo Bandeirante completou 30 anos(1) no mês passado, mas não há muito o que comemorar. Referência para compras nas primeiras décadas do Distrito Federal, os boxes do mercado perderam espaço para redes de supermercado instaladas na cidade e nos arredores e, hoje, seus corredores permanecem vazios durante a maior parte da semana. Mesmo às sextas-feiras e aos sábados, dias de maior movimento, o mercado não lembra nem de longe seus tempos áureos. ;Tínhamos dois funcionários, mas hoje trabalhamos apenas em família;, lamenta Félix Gomes da Silva, 52 anos, que veio de Independência (CE) em 1978 para ajudar o irmão a vender roupas.

O cearense José Ítalo Portela, que chegou em 1956, ainda mantém a freguesia fielA família de Félix trabalha de domingo a domingo para garantir a renda e sente saudade da época em que mal se podia caminhar entre os boxes do mercado. ;As vendas caíram muito a partir de 2000. É muita concorrência dos supermercados e de feiras que trazem produtos mais baratos de Goiânia;, reclama Antônia Pedrosa, 46, mulher e parceira de Félix no negócio. Segundo ela, o box só não será fechado porque ela e seu marido simplesmente não sabem fazer outra coisa além de vender. ;Não temos estudo ou idade para conseguir emprego;, analisa.

Contemporâneo do mercado desde que o estabelecimento se chamava Diamantina e ocupava uma área próxima ao atual prédio, o comerciante Manoel José Farias, 71, também sente falta das vendas do passado. Natural de Gravatá (PE), Nezinho chegou ao DF em 1960 para ;tirar a vida;. Depois de trabalhar por cinco anos trocando óleo em um posto de gasolina do Plano Piloto, resolveu trabalhar por conta própria e montou um box de verduras no mercado.

;O negócio ia tão bem que comprei o box ao lado, para aumentar a venda. O problema é que isso aconteceu 20 dias antes do incêndio;, lembra o comerciante. O Mercado Diamantina ; todo ele feito de madeira ; pegou fogo misteriosamente na madrugada de 15 de agosto de 1974. ;Sorte que só tinha o vigia na hora do incêndio. E ele quase que morria queimado, porque só podia estar dormindo;, brinca Nezinho, lembrando que o vigia ; conhecido apenas por Bigode ; não chegou nem a alertar os bombeiros sobre o desastre e sumiu depois do ocorrido (leia Memória).

Variedade
Os cerca de 200 boxes espalhados pelos dois andares do mercado são ocupados principalmente por lojas de roupas, restaurantes, cabeleireiros e estandes de conserto de aparelhos eletrônicos. Há também um açougue, uma loja de artigos para pesca e duas mercearias ; o restante das salas é utilizado para armazenagem. Nezinho, que foi forçado a abandonar as verduras depois de passar por uma cirurgia no fêmur ; ;não posso mais carregar peso; ;, trabalha atualmente com utensílios domésticos. ;Hoje temos uma estrutura melhor, mas o tamanho dos boxes é menor e os corredores estão vazios;, reclama.

Longe da crise dos boxes vizinhos, o comerciante José Ítalo Carneiro Portela, 60, dono da Mercearia Portela, celebra a freguesia fiel. ;Aqui vem nordestino de todo canto de Brasília;, diz o cearense de Ubaúna, que mora em Brasília desde 1956. ;Veio a família toda. Aqui era o Eldorado;, lembra. Segundo Portela, que herdou a mercearia do pai, o cliente pode até encher o carrinho de compras em um supermercado grande, mas compra o feijão em sua mercearia. ;Ele sabe que a gente vende o feijão catado;, explica.O eletrotécnico Tiago Bruno da Silva em banca no Mercado do Núcleo Bandeirante

A servidora pública Maria Auxiliadora Moita Nunes, 46, é uma das clientes assíduas de Portela, que cuida da mercearia com a irmã e um filho. ;É aqui que eu compro as coisas típicas do meu estado;, conta ela, natural de Tianguá (CE). ;Já comprei roupa no mercado, mas quando os preços eram mais em conta. Hoje venho atrás do gergelim, para fazer farofa, e de um feijão que só encontro aqui;, diz.

Eletrônicos
Outro negócio que mantém a força no mercado é o conserto de aparelhos eletrônicos. As cinco lojas que oferecem o serviço mal dão conta do recado. ;Consertamos aparelhos de micro-ondas, televisões, ventiladores, qualquer eletrônico. E os aparelhos não param de chegar;, diz Tiago Bruno de Silva Torres, 24, que se especializou em eletrônica para cuidar do negócio com o pai, Antônio Pedro Torres, 57. A família costumava trabalhar com um restaurante no mesmo box, mas ;o serviço era mais desgastante e menos rentável;, segundo Antônio.

Na Eletrônica do Antônio, o movimento cresceu 25% no fim do ano, mas a família não se ilude: o negócio também deve perder força. ;A tecnologia avançou e cada vez mais não vale a pena consertar os aparelhos. Em alguns casos, é melhor comprar o eletrodoméstico novo;, considera.

1 - Tinha de tudo
Criado em 1957 (há quem diga que o primeiro box se instalou em dezembro de 1956) na então Cidade Livre, o Mercado Diamantina recebeu o nome da cidade do presidente Juscelino Kubitschek e sempre foi conhecido por ter de tudo: lombinho de porco, carne de sol, chapéu de palha, calças de brim e cachaça. A feira foi reinaugurada como Mercado do Núcleo Bandeirante 22 anos depois.

Memória
Fogo misterioso

Nunca se soube o que provocou o incêndio que pôs fim à estrutura original e provisória do Mercado Diamantina. À época, alguns feirantes atribuíram o sinistro ao curto-circuito de uma das inúmeras geladeiras que permaneciam ligadas durante a noite. Também foi levantada a hipótese de uma sobrecarga no sistema de energia elétrica, sustentado por antigos postes de madeira. As únicas certezas são as de que o depósito de óleo vegetal mantido pelos feirantes no mercado e os cerca de 100 botijões de gás do recinto contribuíram para que o fogo se alastrasse rapidamente.

O mercado contava com 160 boxes quando o incêndio ocorreu e as perdas foram orçadas em 800 mil cruzeiros. Oito dos 150 bombeiros que participaram do combate ao fogo saíram feridos e uma das 15 viaturas utilizadas na operação ficou danificada. Dias depois do desastre, o mercado; que funcionava em instalações precárias, de acordo com os próprios feirantes ; ganhou uma nova sede, também provisória. Assim funcionou durante cinco anos, até 15 de dezembro de 1979, quando uma solenidade em comemoração ao 23; aniversário do Núcleo Bandeirante inaugurou, entre outras obras, a atual sede do mercado. Curiosamente, quando o mercado foi vítima do incêndio, os feirantes já reclamavam de concorrência desleal. Os feirantes da então nova ;Feirinha do Guará;, criada no final da década de 1960, não pagavam tantos impostos quanto os do Mercado Diamantina.

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