postado em 12/01/2010 08:15
Nunca tantos carros entraram em circulação no Distrito Federal em um período de um ano. Em 2009, foram quase 131 mil unidades emplacadas, de acordo com dados do Departamento de Trânsito (Detran), ou 11,61% a mais que em 2008, quando o número ficou em 117.367. Felizes com o lucro recorde, as concessionárias planejam ações para continuar crescendo mesmo sem a ajuda da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que acaba em março. O otimismo do mercado contrasta, porém, com a preocupação de quem teme o agravamento de problemas como engarrafamentos e a falta de vagas de estacionamento por todos os lados.Do total de veículos emplacados em 2009, 55.808 carros, motos e caminhões foram transferidos para outros estados e 802 foram baixados do sistema, ou seja, saíram de circulação. Outros 15.863 veículos vieram de várias cidades brasileiras para serem emplacados no DF. Sobram, portanto, pouco mais de 90 mil carros (91,5 mil) a mais no último ano, um crescimento de 8,7% em relação a 2008 (veja quadro).
Para o presidente do Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito (IST) e professor da Universidade de Brasília (UnB), David Duarte, construir e ampliar ruas e rodovias não serão soluções capazes de resolver problemas relacionados com um crescimento tão alto da frota. ;O sistema de trânsito é como um gás perfeito. Quanto mais espaço tiver, mais vai expandir. Infelizmente, não tem limite;, diz. Para o especialista, uma das saídas é o investimento pesado no transporte público. ;As pessoas optam pela opção mais cômoda. E os números mostram que o carro está em grande vantagem;, avalia ele.
Além de investir em transporte, é preciso dar espaço e segurança para os ciclistas e os pedestres, diz Duarte. ;Senão, o que acontece é que a cidade fica sem espaço para acomodar essa enorme frota. Vai haver mais congestionamentos, mais acidentes, menos vagas e mais infrações de trânsito;, enumera.
Independência
A frota registrada no DF no ano passado atingiu a marca de 1.138.127 carros, 8,9% a mais do que em dezembro de 2008. Um deles, um Chevrolet Celta vermelho, foi parar na garagem da designer Carolina Wortmann, 27 anos. É o primeiro veículo dela. ;Eu gosto de andar por Brasília e não tinha tanta dificuldade pegando ônibus, mas tive que admitir que precisava do carro para ter mais independência, sobretudo à noite;, explica ela, que mora na Asa Norte. ;Por outro lado, hoje sinto falta de andar pela cidade. Era o meu momento de pensar na vida ou de esvaziar a cabeça;, completa ela.
Alheio a isso, o atendente comercial José Araújo, 55 anos, resolveu aproveitar o momento para trocar o Santana que já tinha 10 anos de uso por um modelo novo do Fox. Antes de levar a aquisição para a garagem, no Guará, ele era só sorrisos no pátio da concessionária. ;Meu Santana nunca me deu problemas, mas já estava ficando velho;, justifica ele. ;Agora eu aproveitei que minha situação econômica está melhor um pouco e procurei um carro para comprar. Fechei negócio no sábado passado e fiquei que nem criança, ansioso;, contou ele, na última quinta-feira.
Araújo pesquisou em algumas concessionárias, mas acabou escolhendo uma que fica próxima à sua casa, a Saga, que comemora as vendas em 2009. ;Vendemos mais de 10 mil carros. Teve um dia em que comercializamos 120;, diz o gerente de vendas, Nelson Aguiar. O sorriso no rosto dele tem motivo. O faturamento da empresa cresceu 25% entre 2008 e 2009. ;Eu credito esse resultado, principalmente, à queda do IPI. Os últimos meses do ano foram os melhores para nós;, avalia ele.
O desempenho foi tão bom que a concessionária afirma ter gerado mais empregos e até mesmo ter aberto uma filial na região do Colorado. Entre os clientes, teve até gente famosa. ;Até o Lúcio (zagueiro brasiliense da Internazionale, da Itália, e capitão da Seleção Brasileira) comprou carro com a gente no ano passado. Levou um Gol para o pai dele;, conta Nelson Aguiar, cheio de orgulho.
Clima ainda é de otimismo
O clima de otimismo entre os vendedores de carros se mantém este ano, mesmo com o fim do IPI. Max Brugalli, gerente comercial da Chevrolet Jorlan do Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), garante que o objetivo é crescer 14% nos próximos 12 meses. ;Temos que pensar grande. E esse é o objetivo da montadora;, explica. Para as concessionárias, o cenário econômico continua positivo e com brecha para novos incentivos ao consumo. ;Com essa redução de IPI se vendeu muito carro, mas o benefício não para ai. O governo pode ter perdido um pouco de arrecadação em uma ponta, mas está ganhando por outro lado;, ressalta Brugalli.
A explosão nas vendas de carros, no entanto, assusta o professor Flávio Augusto de Oliveira Dias, pesquisador do Centro de Formação de Recursos Humanos em Transportes (Ceftru) da UnB. ;O trânsito de Brasília está à beira de um colapso. É um problema crônico e, há décadas, a gente vê projetos da Secretaria de Transportes para resolvê-lo. Mas só o que sai do papel é o alargamento de ruas, a duplicação de rodovias. Isso só incentiva as pessoas a comprar mais carros e deixar o transporte coletivo ; que é ruim ; de lado;, explica ele.
Medidas
O secretário de Transportes, Alberto Fraga, concorda que o alargamento de ruas não é suficiente para resolver o problema do trânsito, mas garante que o governo também trabalha em outras frentes. ;Da mesma forma que estamos empenhados em melhorias do sistema viário, estamos investindo em transporte público. O Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), na W3 Sul, os corredores para ônibus na Linha Verde e o Veículo Leve sobre Pneus (VLP), que ligará o Gama e Santa Maria ao Plano Piloto, e a troca da frota de ônibus são investimentos altíssimos;, avalia ele. O secretário acredita que apenas quando os projetos citados, que fazem parte do programa Brasília Integrada, estiverem prontos a situação vai começar a mudar. ;É preciso mudar a cultura do brasiliense. Ele vai deixar o carro em casa ou não vai comprá-lo quando for mais confortável usar o transporte público. É para isso que nós trabalhamos;, garante. (RV)
Para saber mais
Incentivo ao consumo
No último trimestre de 2008, a crise econômica mundial causada pela inadimplência de centenas de milhares de cidadãos americanos, que desequilibrou a maior economia do mundo, estava em seu auge. O acesso ao crédito diminuiu drasticamente na maioria dos países, incluindo o Brasil. O mundo ficou assustado e as economias travaram. O setor automobilístico nacional começava a sentir fortemente os efeitos da crise e algumas fábricas chegaram a demitir funcionários. O Governo Federal tentou virar o jogo cortando um dos principais impostos que incidem sobre os automóveis, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Os veículos 1.0, antes taxados em 7%, passaram a ser vendidos sem que o governo arrecadasse nada de IPI. Já carros com motor de até 2.0 tiveram uma redução de 13% para 6,5% no imposto. A medida, anunciada em 11 de janeiro de 2009, foi um sucesso e as vendas estouraram em todo o país. Além da redução do IPI, o governo também aumentou a oferta de crédito para o financiamento de veículos por meio dos bancos públicos. O sucesso fez com que o prazo de redução fosse ampliado até 1; de março de 2010 ; um ano a mais do que o inicialmente previsto.