Juliana Boechat
postado em 19/01/2010 08:38
Quem se depara com a simplicidade de Luiz Martins, 71 anos, e a simpatia de Aparecida, 70, não pensa em sofrimento. Com um sorriso de alívio no rosto, os dois contam histórias de 10 anos de dificuldade, luta e coragem para salvar a vida de Luiz. Em 1994, ele sofreu descolamento das retinas e perdeu a visão. Dois anos depois, o filho e a nora morreram em um acidente de carro. Coube a Aparecida cuidar de Luiz e dos dois netos que haviam sobrevivido(1). Luiz entrou em depressão. E, com a baixa imunidade, veio a artrite reumatoide, que transformou o corpo do ex-halterofilista. Há cinco anos, porém, a sensação de caminho sem volta foi se transformando em exemplo de superação.Com 30% da visão do olho direito recuperada, Luiz retomou, aos poucos, a vontade de viver. Restou apenas a dificuldade dos movimentos nas pernas e braços como consequência da artrite. ;Eu não agachava e nem conseguia levantar sozinho de uma cadeira;, contou. Incentivado pela mulher, que praticava capoterapia há dois anos, ele decidiu acompanhá-la nos exercícios físicos. ;Entrei de cabeça. A ginástica para a terceira idade é incrível. Solta tudo. A capoterapia é feita com muita música e emoção;, disse, satisfeito. ;Dois meses depois do início das aulas, ele me chamou para mostrar que conseguia abaixar e levantar sem ajuda;, lembrou Aparecida.
Duas vezes por semana, os dois caminham cerca de 10 min até a garagem improvisada na QNL 30, em Ceilândia, onde participam das aulas. Cerca de 80 idosos interagem durante uma hora ao som do berimbau e letras tipicamente brasileiras. Ali, a capoeira é tratada como uma verdadeira dança. Sem movimentos bruscos e acrobacias radicais, pessoas de 60 a 90 anos mexem as pernas e os braços ao som da corda esticada e do pandeiro. Os mais corajosos arriscam uns golpes. ;O maior problema é tirar o idoso de casa. Muitas pessoas vieram para cá por indicação médica. Depois que participam de uma aula, não querem mais parar;, contou Gilvan Alves de Andrade, mestre de capoeira e idealizador do projeto de capoterapia (veja quadro).
Dezenas de cadeiras de plástico ficam empilhadas mesmo durante as aulas. Troféus, fotos de eventos de capoeira e painéis de propaganda fazem parte da decoração da garagem. Em um deles está a foto de Luiz Martins, aos 22 anos, no desfile do Colégio Dom Bosco, em Goiânia, após vencer a competição de Melhor Físico Goiano. Naquela época, ele era campeão de halterofilismo. ;Aos 13 anos, eu tinha vergonha do meu corpo magro e desnutrido. Eu vivia de blusas de manga compridas para disfarçar. Quando descobri o esporte, me inscrevi na hora. Eu malhava muito;, revelou Luiz. No auge da carreira, aos 19 anos, casou com Aparecida. E em dezembro de 1980 os dois chegaram a Brasília.
Já na capital, ele trocou a malhação pela profissão de barbeiro e massagista no salão em que Aparecida trabalhava. Em agosto de 1994, enquanto cortava os cabelos de um cliente, parou de enxergar e sentiu o sangue nos seus olhos. A retina do olho direito havia se descolado(2).
Volta por cima
Sete meses depois, o mesmo ocorreu no olho esquerdo. ;Perdi amigos, família e o dinheiro que ajudava a sustentar na casa;, rememorou. Em seguida, Luiz entrou em depressão e, com ela, foi atacado pela artrite. ;A doença tomou conta do meu corpo. Fiquei todo deformado.; Ele mal conseguia se mexer. Preferia ficar sentado nos cantos escuros da casa, com a cabeça abaixada, esperando o tempo passar.
Dois anos depois, uma nova tragédia assolou a família de Luiz. O filho Alexandre, a mulher dele e a sogra morreram em um acidente de carro. Os netos de Luiz e Aparecida, que também estavam no veículo, sobreviveram e ficaram sob a guarda dos avós. De um dia para o outro, Aparecida se viu responsável por três pessoas e sem a maior fonte de sustento da casa. ;Eu não sabia se cuidava de Luiz ou das crianças;, disse. Hoje ela conta a história e ri ao mesmo tempo. Mas não esqueceu dos diversos momentos em que perdeu a esperança e não conseguiu segurar o choro. ;As freguesas do meu salão e Deus me deram força para sair dessa. Mas quando algumas pessoas viam a situação real de Luiz, me falavam que ele não sobreviveria à semana seguinte;.
Luiz parecia outra pessoa com os inchaços, febres e hematomas. ;Ele rasgou todas as fotos e jogou fora a mesa em que fazia massagens;, contou Aparecida. ;Para mim, estava tudo encerrado. Eu tinha desistido da vida. Eu não comia. E já havia separado documentos para a família me enterrar. Eu sabia que ia morrer;, contou Luiz. Curado, ele hoje repassa na cabeça tudo o que viveu e abre um sorriso, ao lado da amada Aparecida. Com uma vida saudável e feliz, resume: ;Percebi que a maior poupança que podemos fazer para o futuro é cuidar da nossa saúde;.
1 - Artrite reumatoide
A artrite é uma doença crônica de causa desconhecida. A sua principal característica é a inflamação articular. É mais frequente em mulheres entre os 30 e os 50 anos de idade, mas também atinge homens e crianças. A doença se desenvolve em pessoas que tenham pré-disposição genética e influência de fatores externos como, por exemplo, a baixa imunidade por causa de uma depressão, má alimentação etc. A principal característica da doença é a rigidez matinal, depois de uma noite de sono. A artrite não tem cura, mas pode ser amenizada.
2 - Camadas separadas
O descolamento da retina é a separação de duas camadas do olho: a que é relacionada à visão e a que responde pela nutrição da retina. Normalmente, o descolamento acontece por rupturas na retina, tumores, doenças inflamatórias ou efermidades que causem a tração do vítreo, dentro do olho. Caso não seja tratado, o descolamento leva à cegueira.
CAPOTERAPIA
A capoterapia nasceu em Brasília, idealizada por Mestre Gilvan. O objetivo não é treinar a técnica da capoeira, mas trabalhar com a emoção e mexer o corpo todo. Em 10 anos, a demanda pelo esporte só aumenta, principalmente entre pessoas acima de 60 anos. Segundo Gilvan, enquanto uma aula comum de dança ou capoeira, em Ceilândia, reúne até 20 pessoas, a de capoterapia conta com a presença de 80 idosos. Hoje, cerca de 20 mil mulheres e homens praticam o esporte em todo o Brasil. Segundo a Associação Brasileira de Capoterapia, no Distrito Federal funcionam 18 núcleos capacitados a ministrar as aulas. Este ano, Gilvan quer expandir para 50. ;É um método curativo e preventivo;, resume Gilvan. ;Vamos buscar voluntários e ajuda do governo para desenvolver o projeto. O custo-benefício é válido para todos. Os idosos que iam três vezes por mês ao médico agora vão a cada dois meses. E, com a saúde em dia, diminuem até a quantidade de remédios;.