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A cada hora de 2009, três motoristas foram autuados por não usarem o cinto de segurança

O número é 15% maior que em 2008. Segundo especialistas, equipamento pode evitar até 70% das mortes nas pistas

postado em 20/01/2010 08:00
Cinco décadas se passaram desde o lançamento do cinto de segurança e muitos brasilienses ainda resistem em utilizá-lo. Somente no ano passado, 24.293 multas foram aplicadas pela falta do uso do equipamento de segurança , o que dá uma média de quase três autuações a cada hora. O número é 15% maior que o registrado em 2008, quando o Departamento de Trânsito (Detran) e a Polícia Militar flagraram 21.144 pessoas, entre motoristas e passageiros, circulando pelas vias do DF sem o cinto.

O aposentado Joaquim Garcia sofreu um acidente grave há três anos e diz que o cinto foi a sua salvaçãoO artigo 167 do Código de Trânsito Brasileiro considera infração grave e prevê multa de R$ 127,69 para cada condutor ou passageiro sem o cinto de segurança. O motorista ganha ainda cinco pontos na carteira. Na avaliação do chefe de fiscalização do Detran, Silvain Fonseca, no entanto, não se trata de pensar apenas nas punições, mas em salvar vidas. Segundo ele, mais de 50% das mortes no trânsito poderiam ser evitadas com o simples gesto de afivelar o item de segurança.

A legislação não é levada a sério em muitos pontos movimentados da capital e os riscos podem ser vistos com facilidade tanto nas rodovias ; onde o perigo de colisões é maior ;, como na saída de condomínios e locais de pouco fluxo de carros. A reportagem do Correio percorreu alguns desses locais na manhã da última sexta-feira. À beira da BR-020 (rodovia que liga Brasília à Bahia), na saída do Condomínio Império dos Nobres de Sobradinho, 32 carros de passeio e caminhões foram vistos com uma ou mais pessoas sem o cinto de segurança em um intervalo de 15 minutos ; das 10h16 às 10h31 ;, o que dá a média de dois flagrantes por minuto. Entre os infratores, uma mulher aparentando ter mais de 60 anos e um jovem que dirigia uma Ecoesport de cor prata e falava ao celular ao mesmo tempo.

Na BR-070, via que liga Brasília a Águas Lindas de Goiás, não foi diferente. Um motorista dirigia sem o cinto e em alta velocidade. Ao se aproximar do posto da Companhia de Polícia Rodoviária (CPRV), na altura da Cidade Estrutural, ele reduziu a velocidade e colocou o equipamento, mas o soltou assim que passou da barreira. Na entrada de Vicente Pires, a cena se repetiu em 56 carros durante 20 minutos de observação, das 11h09 às 11h29. Em um deles, uma família inteira trafegava sem o cinto. Nem as três crianças que estavam no banco de trás foram obrigadas a se proteger.

As desculpas

Mas o que leva alguém a não querer usar o cinto de segurança? O desconforto e o esquecimento são os principais motivos alegados por condutores e passageiros. Para a comerciante Maria das Graças Araújo, 46 anos, o problema é mais recorrente em curtas distâncias. ;Quando vou para um lugar muito perto de casa costumo esquecer, mas geralmente uso, principalmente nas rodovias porque acho mais perigoso;, garantiu. O taxista Francisco Oliveira, 46 anos, admite não gostar do equipamento. ;Trabalho cerca de 15 horas por dia e o cinto acaba incomodando e dá dor na coluna. Só coloco quando passo por algum policial, mas depois solto de novo;, admitiu. Francisco, inclusive, já sofreu um acidente há cerca de cinco anos. ;O carro capotou e eu estava sem cinto, só que não aconteceu nada comigo;, relatou.

Segundo a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), usar o cinto aumenta em 70% as chances de uma pessoa sobreviver em um acidente e de não ter lesões graves. Vice-presidente da instituição, o médico José Montal conta que, antes do uso obrigatório do cinto, cerca de 2 mil pessoas davam entrada nos hospitais do país com alguma perfuração no olho ou lesão na coluna após o impacto de uma batida. Em todo o ano passado, esse número caiu para 90 casos. ;O cinto é um dos equipamentos de segurança mais fantásticos que existe;, diz.

No DF, uma das maiores preocupações dos órgãos de fiscalização são as crianças (1). Desde 2008, o Detran faz campanhas educativas para conscientizar os pais sobre a importância da utilização de cadeirinhas e assentos apropriados nos carros para meninas e meninos. Em um acidente a 50km/h, uma criança que pesa 10kg é lançada para frente com um peso equivalente a 500kg. Nos primeiros 10 meses de 2009,18 brasilienses com até 9 anos de idade morreram no trânsito, cinco a mais que em 2008. A maioria dos acidentes ocorre em trajetos curtos e em velocidades baixas e médias.


1 - Perigo
No Brasil, a principal causa externa de morte de crianças com idade entre 1 e 14 anos são os acidentes de trânsito. Anualmente, mais de 2 mil crianças nessa faixa etária morrem em colisões de carro e atropelamentos e 38 mil sofrem lesões graves.

Eles se salvaram
Há quase três anos, um acidente quase matou o aposentado Joaquim Garcia, 63 anos. Em 5 de julho de 2007, ele seguia rumo a Caldas Novas (GO) com o cunhado quando foi fechado por um caminhão. O carro capotou por várias vezes ribanceira abaixo. Joaquim fraturou a coluna e ficou em coma por dois meses, com mãos e pernas dormentes, mas, se não fosse pelo cinto, ele acredita que não estaria vivo para contar a história. ;Com certeza, eu seria arremessado para fora do carro pelo para-brisa. Poderia ter quebrado o pescoço ou batido a cabeça. Seria muito pior;, disse.

O cunhado estava no banco traseiro e chegou a ser lançado para fora, mas sofreu apenas alguns arranhões. ;Foi sorte dele, mas no meu caso o cinto me salvou;, acredita. Se antes Joaquim já usava o cinto, hoje em dia ele não deixa de afivelá-lo nem que seja para ir à esquina.

Alívio
Outra que respirou aliviada após um acidente de trânsito foi a garçonete Maria Rodrigues, 22 anos. Na manhã do último domingo, ela voltava de uma festa com um grupo de quatro amigos quando a motorista perdeu o controle e subiu no meio-fio em alta velocidade. ;O carro estava a uns 70km/h e, quando subiu no canteiro, foi direto para o poste. Estava sentada no banco da frente e se não estivesse com o cinto eu teria batido a cabeça;, acredita.

Especialistas defendem que o uso do cinto de segurança deva ser mais cobrado em ações fiscalizatórias e ser mais explorado em campanhas educativas. Dos R$ 75.962.472 arrecadados com multas pelo Detran até novembro do ano passado, R$ 9.208.906 foram gastos com educação, ou seja, 12% foram revertidos em campanhas de conscientização no trânsito. Menos ainda foi investido em fiscalização. Um total de R$ 1.443.048 foi desembolsado, o equivalente a 1,89% do montante arrecadado.

Silvain Fonseca, do Detran, admite que a quantia é pequena diante da necessidade de prevenção contra acidentes. ;O efetivo de fiscais hoje nas ruas é muito pequeno. Para cada uma multa aplicada, outras 8 mil não são flagradas. Com a presença do Estado nas pistas, todo mundo sai ganhando;, acredita Fonseca. (MP)

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