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Decisão do STJ coíbe o cercamento de prédios residenciais do Plano Piloto

O argumento é que, ao fechar os pilotis, os moradores ferem o tombamento da capital

postado em 23/01/2010 07:00
Os prédios residenciais com pilotis rodeados por grades no Plano Piloto serão obrigados a remover as cercas até o próximo dia 2. A decisão, tomada em dezembro último pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), será publicada no Diário da Justiça na data marcada para começar a valer. A medida é uma resposta a um recurso apresentado pela Advocacia-Geral da União (AGU), no qual fica claro que essas estruturas ferem o tombamento da cidade. Em até 30 dias, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) deve iniciar a fiscalização para a retirada das grades. Quem não obedecer a determinação será notificado e, caso o condomínio insista em manter a proteção, pode responder a processo judicial.

Grades nos edifícios são vistas em todo o Plano Piloto. No Bloco H da 208 Sul, por exemplo, a edificação é toda cercada por motivo de segurançaA discussão a respeito do que fere ou não o tombamento da capital federal tomou novo fôlego no fim do ano passado quando o condomínio do Bloco G da 304 Norte entrou com uma ação (Leia entenda o caso) contra o governo local e o Iphan, na tentativa de ganhar o direito de manter uma liminar que permitia o uso das grades há 20 anos. Os moradores alegaram que a manutenção dos portões era uma questão de segurança. Mas a AGU contestou e venceu a disputa com o argumento de que a instalação de grades contraria o projeto original de Lucio Costa, de formar em Brasília um conjunto de edifícios residenciais sobre pilotis ligados entre si, cercados somente por árvores para facilitar a circulação, a ventilação e o bem-estar das pessoas.

Os ministros da 1; Turma do STJ, por unanimidade, acolheram os argumentos da AGU e impediram as modificações. ;O Iphan está satisfeito. As grades são um absurdo, um atentado ao tombamento. Os moradores dizem que é questão de segurança, mas alguns condomínios querem fazer estacionamentos e outras coisas e não apenas se proteger. Liberar a instalação seria concordar com a desordem absoluta;, defendeu o superintendente do Iphan-DF, Alfredo Gastal.

Asa Norte

[SAIBAMAIS]O síndico do Bloco G da 304 Norte, Jorge Ademar da Silva, 57 anos, não se conforma com a decisão. ;Ainda dá tempo de tentar um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF). Não vamos desistir. Há uma escola com 3 mil alunos perto do prédio. Eles sujam o pilotis, usam crack e picham as paredes. Se é uma área tombada, porque o governo não cuida melhor com policiamento e limpeza de graça?;, indaga.

Em outras quadras de Brasília, o problema se repete. Na Asa Sul, pelo menos as 207, 208, 209, 105 e a 108 têm exemplos de cercamento. Na 208 Sul, os casos não são raros. No Bloco H, os moradores blindaram o edifício com grades que vão até o teto. Há um portão, mas com cadeado. A passagem de pedestres que dá acesso ao prédio termina em um muro. Os blocos I e J foram mais longe e cercaram toda a área entre os dois edifícios para fazer estacionamentos privativos em área pública. ;A decisão do STJ não muda nada. Se tirarmos as grades, os pilotis viram espaço para uso de drogas e para mendigos. Quase todos os prédios têm grades e devem cercar ainda mais;, opinou o síndico do Bloco H da 208 Sul, Orlando Santos.

A responsabilidade de fiscalizar e preservar o tombamento no DF é do Iphan. Mas somente o GDF pode retirar as estruturas irregulares. ;Até o mês que vem, quem não se adiantar à presença dos agentes será notificado e receberá prazo entre 30 e 45 dias para se adequar;, avisou Gastal. Segundo ele, a atribuição de retirar as grades é de quem as colocou. Mas a Agência de Fiscalização deve estabelecer uma parceria com o órgão para multar quem estiver fora da lei. Os valores serão aplicados de acordo com a área pública cercada ilegalmente. Nem o governo nem o Iphan têm um levantamento sobre a quantidade de prédios cercados no Plano Piloto.


NO CRUZEIRO, É DIFERENTE
Outra área tombada como patrimônio histórico e cultural da humanidade, o Cruzeiro, recebeu autorização para instalar grades nos prédios, em setembro de 2009. À época, o governador José Roberto Arruda sancionou a Lei Distrital n; 135/2009. O texto autoriza o fechamento dos residenciais. As cercas frontais, laterais e de fundos devem ficar afastadas 1,2m do meio-fio e 2,5m de outras barreiras. O gradeamento dos prédios no Cruzeiro também foi contestado no fim de 2008 pelo Iphan. O STJ ordenou a retirada de cercas em prédios dessa área. O GDF, porém, deu o parecer final favorável à manutenção das grades. ;O Cruzeiro é diferente porque tem uma urbanização ruim. Lá é perigoso para os habitantes proibir as grades;, opinou Alfredo Gastal, do Iphan. ;As regras devem ser iguais para todo mundo;, rebateu o síndico Jorge Ademar da Silva, da Asa Norte.

; Entenda o caso
Batalha antiga


Há 20 anos, o Bloco G da 304 Norte tenta na Justiça ganhar o direito de usar grades ao redor do prédio. Inicialmente, o juízo de primeira instância e o Tribunal Regional Federal da 1; Região acolheram os argumentos do condomínio e concederam uma liminar. Mas, em dezembro último, a AGU recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que impediu a instalação de qualquer tipo de cercamento. A medida vale a partir do dia 2 próximo.

A Procuradoria-Geral Federal da AGU defendeu que a autorização para instalação das grades violaria o artigo 17 do Decreto-Lei n; 25/37, no qual está previsto que ;as coisas tombadas não poderão, em caso nenhum, ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, reparadas, pintadas ou restauradas. Sob pena de multa de 50% do dano causado;. Até a publicação da ordem, os advogados dos condomínios ainda podem entrar com pedido de embargo. Mas, de acordo com procuradores da AGU, a solicitação não deve ser acatada e não cabe recurso no STF por não se tratar de assunto que fere a Constituição.

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