postado em 24/01/2010 08:19
A produção científica na Universidade de Brasília (UnB) enfrenta grandes dificuldades. Referência nacional em desenvolvimento de pesquisas, a instituição sofre um processo de empobrecimento de sua atuação na área. Os professores estão com dificuldades para viabilizar projetos. Investimentos migram para outras universidades do país. Principalmente para as de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em alguns casos, professores da UnB têm de associar seus estudos a desenvolvidos em instituições de fora. Em outros, são obrigados a dar adeus a verbas por não conseguirem, devido à falta de estrutura administrativa, gerir os convênios com órgãos públicos e empresas que liberam o dinheiro. Esse é o feito colateral do fato de a UnB não contar hoje com fundação de apoio alguma, depois que as entidades envolvidas em irregularidades praticamente fecharam as portas.
[SAIBAMAIS]O clima entre os professores-cientistas é de desânino. "Enquanto outras universidades estão a todo vapor produzindo pesquisas, nós estamos perdendo projetos, a nossa competitividade. Hoje, no Brasil, não faltam recursos para investimento em ciência, eles são abundantes. Mas não estamos conseguindo trazê-los para dentro da UnB", lamenta o professor José Alexander Araújo, da Faculdade de Tecnologia, que está à frente de importantes pesquisas na área de engenharia mecânica.
Limbo
A Universidade de Brasília foi o epicentro de denúncias, que vieram à tona em 2007, e colocaram em cheque a forma de funcionamento das fundações de apoio de todas as universidades públicas do país. Agora, vê-se no limbo. No momento, não tem entidade alguma vinculada a ela. Das cinco, três perderam o credenciamento e duas foram extintas. Finatec, Fubra, Fepad, FunSaúde e Fahub não estão mais atreladas à UnB. A última a perder o vínculo foi a Fundação Universitária de Brasília (Fubra), cujo credenciamento venceu em 2 de outubro.
Não ter uma fundação de apoio atrapalha as universidades porque essas entidades foram criadas para facilitar a gestão de projetos de pesquisa e extensão. No entanto, uma série de irregularidades de mau uso do dinheiro público, falta de prestação de contas e contratos superfaturados fizeram com que mergulhassem numa profunda crise. A Finatec (1)chegou a ficar 1 ano sob intervenção judicial. E o Ministério Público pediu na Justiça a extinção dela.
A fundação de apoio garante agilidade administrativa porque está regida por legislação diferente das universidades públicas. Estas se encontram engessadas por uma série de regras burocráticas que não acompanham as necessidades de celeridadade nos projetos científicos. Enquanto pela universidade o professor terá de esperar meses para conseguir comprar um computador, por exemplo, por meio da fundação, em 15 dias ele pode ser adquirido. "Parceiros do setor privado estão desembarcando da UnB. Um contrato, para ser assinado, demora até 1 ano. Eles estão migrando para universidades que contam com fundações de apoio", diz José Alexander. Um projeto de R$ 400 mil da Faculdade de Tecnologia em parceria com o setor elétrico está parado há meses, emperrado em problemas burocráticos na UnB.
A Universidade de Brasília é a única no País que se encontra em situação de não ter fundação de apoio. O ano de 2009 foi agonizante para pesquisadores, o que preocupa os professores. "Não se resolveram nas universidades as questões estruturais que provocaram a criação das fundações no passado. É muito difícil para o professor gerir sozinho o projeto, por mais que os funcionários da UnB tenham boa vontade em ajudar. A máquina é lenta", comenta o presidente da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (Adunb),professor Flávio Botelho.
Equipamentos
Segundo ele, há professores prestes a desistir de projetos por falta de suporte administrativo. "Professor tem que estar no laboratório, na sala de aula e orientando aluno. Não tem tempo de cuidar de todos os detalhes administrativos que um convênio, um contrato exige em termos burocráticos", aponta Flávio Botelho. Alguns tipos de recurso só podem ser geridos em pesquisas por meio de fundações. Grande parte dos equipamentos de laboratórios da UnB foi comprada por meio das fundações, com captação de milhares de dólares. A situação pode provocar uma debandada de pesquisadores para outras universidades.
O reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Júnior, avalia que apenas parte do grupo de pesquisadores foi mais atingida pelas dificuldades no gerenciamento de pesquisas. Ele explica que, mesmo com as fundações credenciadas, normas e decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) restringem agora a atuação das entidades de apoio. "Estamos nos ajustando às novas regras para recuperar o mais rápido possível nossa agilidade nesta área. Mas não estamos paralisados", afirma o reitor. Ele assumiu a reitoria há quase dois anos, eleito depois da renúncia de Timothy Mulholand , desgastado por denúncias. O novo reitor tomou posse com a missão de finalizar o processo de saneamento das irregularidades que existiam na relação entre a UnB e fundações de apoio.
Os estudantes pressionam para que as fundações não voltem mais a funcionar por simbolizarem um momento que manchou a imagem da instituição. "A demonização das fundações não traz resultado algum. É preciso retirar dessa discussão a questão político-ideológica. É uma discussão técnica. Qual a vantagem de se não ter uma fundação?", questiona o professor José Alexander.
"Não há como medir agora o desempenho científico da UnB no último ano. Estamos no campo do impressionismo. E as fundações são seletistas, criam grupos de excelência que acabam provocando uma certa hierarquização dentro da universidade. Toda a comunidade acadêmica deve ter o mesmo tratamento", aponta. O reitor sustenta que vários novos projetos foram firmados no ano passado, como, por exemplo, com a Petrobras.
1 - Lixeira de luxo
O Ministério Público denunciou a destinação de R$ 470 mil para a decoração da cobertura de luxo usada pelo então reitor Timothy Mulholand. A verba foi repassada pela Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec). Depois da polêmcia, a Unb mergulhou numa crise institucional que resultou na ocupação da reitoria pelos estudantes. Mulholand acabou deixando o cargo sob forte pressão. Entre os móveis e eletrodomésticos, o símbolo da gastança foi uma lixeira de quase R$ 1 mil.