No princípio, Deus criou o homem. Se Ele soubesse... Mas tudo bem. Com a costela do homem, criou Eva. Perfeito. Aí, veio a danada de uma serpente e deu uma maçã para Eva comer. Evinha comeu. Coitada dela! Danou-se no pecado. E o casal foi expulso do paraíso. E o mundo andou e desandou. Aí, o homem criou coisas, casas, aviões, navios, bombas, a penicilina. E criou uma loirinha americana que parava o trânsito. A cinturinha, de pilão, enlouquecia. Toda menina queria ser ela. E todo menino queria uma igual em casa, para fazer coisinhas que deixariam Adão e Eva com inveja. Quantos sonhos com a professorinha, a enfermeira, a modelo, a secretária;
Pois bem, a loirinha, que nasceu em 9 de março de 1959 em Nova York (chique toda), virou uma cinquentinha. Mas, como o homem é genialíssimo, ela continua linda, com cinturinha de pilão e agora, para todos os gostos e desejos ; ruivinha, negra, gueixa, índia. A mulherada morre de inveja, mas ela nunca fez plástica. Nenhumazinha. Nem aplicou botox. Ela é fenômeno. O nome dela? Barbie.
Quando a loirinha nasceu, a personagem desta história tinha 7 anos. Mas aqui, em terras tupiniquins, a americanazinha não dava as caras. Talvez não gostasse muito do calor dos trópicos. Ficou lá, nos Estados Unidos, criando o mundo lúdico de uma legião de meninas que queria ser exatamente como ela. Surgiram dezenas. Com caras de modelos, impecavelmente bem-vestidas, distribuindo sorrisos e elegância. Puro sonho.
Longe da América do Norte, lá no Rio de Janeiro, mais precisamente em Vila Isabel, terra de samba e de cerveja, a menina nascia. Na verdade, quando a loirinha americana passou a existir, a menininha de Vila Isabel já tinha 7 anos. E nem sabia da existência da moça americana de cintura de pilão que parava trânsito. Ainda assim, a menina brincava com suas bonequinhas simplesinhas. Fez casinha, comidinha. A boneca americana só chegou ao Brasil em meados da década de 1980.
O tempo passou. Lena Freire, a menina de Vila Isabel, cresceu. Tornou-se mocinha. Nem brincava mais com suas bonecas. Passou a gostar de futebol e de Fórmula 1. Flamenguista roxa, não perdia um Fla X Flu. Em 1971, aos 18 anos, mudou-se com família para a capital que ainda engatinhava. Veio brava. Deixou praia, Maraca e amigos. Deixou a bossa nova. E veio para o cerradão, onde a poeira encardia roupa no varal e remelava os olhos.
Aqui, a menina de Vila Isabel formou-se em matemática. Casou-se. Virou mãe de dois rapazes. Foi trabalhar no Banco Central, com mercado de capitais. Há uma década, aposentou-se. Agora, aos 57 anos, cuida de bonecas. O quê? Isso mesmo, minha gente! A menina do Maraca agora só pensa nelas, nas suas Barbies ; das mais simples às chiquerímas. Virou colecionadora. A única de Brasília que participa de um grupo nacional dos amantes das loirinhas que fizeram a fantasia de muitas cinquentinhas e continuam encantando suas netinhas, sobrinhas, afilhadas...
Por acaso
A mulher que trabalhava com mercado de capitais nunca pensou que um dia fosse virar uma colecionadora de Barbies. Aposentada há uma década, um dia, em 2002, procurava por revistas antigas num site de compras. Depois, vasculhando mais, deparou-se com brinquedos antigos. Viu uma Barbie. ;Achei linda. Pensei em comprar e acabei comprando.; Fez contato com a vendedora, que morava no Rio de Janeiro, e um dia, numa viagem à terra natal, encontrou-se com a moça que tinha Barbies raras. ;Achei o máximo. Era linda.; E explica: ;O que me encanta nelas são as roupas de adulto, com estilo. Na minha infância, as bonecas tinham roupas de bebê;.
No ano seguinte, Lena comprou mais três bonecas. Nunca mais parou. Já teve mais de 150. ;Hoje, devo ter umas 110, fora 25 que não são Barbies;, diz. O preço de cada uma? ;Depende muito. Varia do ano em que foram produzidas, da originalidade. Mas não são baratas, não.; As ;filhas; de Lena moram num apartamento espaçoso da 314 Sul. No armário do quarto onde dorme com o marido, ela colocou as poderosas. ;Elas ficam numa vitrine fechada, longe da poeira.; Detalhe: nem a empregada da família, que está ali há 17 anos, limpa as bonecas. ;Só eu mexo;, decreta.
E a variedade delas impressiona. Tem de todos os tipos, sofisticação e glamour. ;Minha predileção são as bonecas ligadas a personagens de filmes. E adoro as negras, elas são mais elegantes e mais bonitas;, derrete-se. E, no quesito cinema, as Barbies de Lena arrasam. Tem a insuperável Scarlet O;Hara (Vivian Leigh) e seu Rett Butler (Clark Gable). Elizabeth Taylor. E a eterna Gilda (Rita Hayworth), a atriz que mexeu com o imaginário masculino e matou de raiva e ciúme a mulherada dos anos 1940 e 1950.
Quer mais? Tem Nicole Kidman com a roupa que apresentou uma das edições do Oscar e Julia Roberts, em Erin Brockovich ; Uma mulher de Talento). Parou por aí? Não. Dionne Warwick, a diva negra de voz aveludada; Cher. E tem ela também, Madonna, a namorada de um certo Jesus carioca, no filme Procura-se Susan desesperadamente. Para completar a coleção, no encontro realizado no Museu da Barbie, em São Paulo, onde todos os colecionadores do Brasil foram presenteados, Lena ganhou a reprodução da primeira boneca, de 1959. É tão rara que continua na caixa.
Infância feliz
Lena brinca com suas bonecas. Conversa com elas. ;É divertido. Para mim, é uma terapia.; Faz roupinhas. Troca acessórios com o seu grupo de colecionadores. São mulheres e até homens. Alguns deles, estilistas, vestem as bonecas como se elas fossem para um desfile. Modificam-nas para virar personagens. Pergunto se ela não se importa com a opinião das pessoas. Tranquilamente, Lena responde: ;Elas me dizem: ;Credo, você brinca com bonecas nesta idade?; Sei que algumas acham ridícula essa paixão. Devem imaginar que não tive infância. Pelo contrário. Foi tão boa, que algumas coisas quero que continuem...;
E sobre as crianças de hoje, a infância da internet e dos brinquedos eletrônicos, ela palpita: ;As meninas estão deixando de ser crianças. Já aos 8, 9 anos, muitas delas já se vestem como adultas e só pensam em ser modelos;. Depois que se aposentou, Lena fez três tatuagens: uma rosa no ombro direito, uma rosa com tribal na nuca e, no pé, um ideograma japonês que quer dizer estrela. E apaixonou-se pelas suas Barbies. Insisto em saber, afinal, o que as bonecas representam na sua vida. Segurando uma de suas Barbies negras (suas preferidas), ela diz: ;É fantasia, alegria, prazer, um mundo de personagens e sonhos;. E no princípio Deus criou o homem, que foi expulso do paraíso. O homem, solto neste mundão, criou até a Barbie ; a cinquentinha mais enxuta do pedaço. A mulherada quer a receita.
PARA ADMIRAR
Quer ver de perto o mundo de fantasia da boneca que fez história no mundo? Vá à Praça Central do Parkshopping, até 3 de fevereiro, das 10h às 22h. Lá, a exposição Barbie 50 faces mostra mais de 100 raras dessas chiques cinquentinhas. O destaque é o exemplar original da primeira Barbie, lançada nos Estados Unidos, em 1959, a única que existe no Brasil.