postado em 28/01/2010 08:40
A rotina de muitos moradores da QE 26, Conjunto B, no Guará II, tornou-se mais alegre há três anos, com a chegada de novos habitantes à região. À época, uma família de micos passou a morar em cima das árvores da quadra. Desde então, os bichos viraram atração para adultos e crianças. Há quem venha de fora da QE 26 para brincar e alimentar os animais. Os oito saguis vivem de bananas, maçãs, goiabas e pães servidos pelos vizinhos. A turma começou pequena, apenas com a mãe e o pai. Meses depois, já eram 10 integrantes. Dois filhotes morreram: um atropelado e o outro eletrocutado nos fios da rede elétrica da via. Quem ficou desfruta de mordomias, mas em um ambiente às vezes pouco tranquilo.Os pequenos macacos vivem em meio ao barulho de tratores, carros e motos da movimentada pista que passa em frente à QE 26. Ali fica uma estação de metrô e há várias obras por perto. Algumas pessoas suspeitam que os bichos tenham se mudado para a copa das árvores depois da devastação da mata natural da região que ficava do outro lado da rua. Refugiados no pouco verde que sobrou, eles trazem alegria à comunidade. ;Estão desmatando tudo e eles correndo para se salvar;, observou o industriário Ricardo Lira, 45 anos, que fazia caminhada na manhã de ontem e parou para ver os macacos.
A família primata entra no clima da agitação e pula o dia inteiro entre os galhos. A mãe transporta os dois filhotes nas costas. Muitos se encantam com a agilidade dos micos, que atendem os chamados de quem oferta comida ou assobia. ;Parece que estão brincando de pique-pega;, diz o autônomo Marcus Vinícius Cardoso, 43 anos. Ele tomou para si a responsabilidade de sustentar os micos. ;Sempre gostei de animais. Todos os dias, trago banana e outras frutas para eles. O convívio com esses macaquinhos alegra a vida por aqui;, disse. Preocupado com o conforto dos novos amigos, Cardoso instalou uma pequena casa de cachorro feita em plástico azul na copa de uma mangueira. ;Quando chove, eles ficam ali. É um jeito de proteger os bichinhos;, afirmou.
Espertos
A vizinhança se encanta com a inteligência desses animais. Todos os dias, às 17h, a família se posiciona de frente para a Casa 16 e começa a fazer barulho. ;É o chamado para o seu Otacílio, o dono da casa, vir trazer o pão para eles;, explica Cardoso. O comportamento dos micos é dócil, segundo os moradores. Porém, os animais, como era de se esperar, se irritam e reagem quando provocados. ;Eles jogam goiaba em quem tenta fazer gracinha com eles;, diz Felipe Matheus, 6 anos.
As crianças até esquecem as brincadeiras com bicicletas e carrinhos para observar os micos. Ali, meninos e meninas sobem em árvores e aproveitam o contato com a natureza. ;Eu nunca tinha visto um macaco solto. É muito divertido. O sagui macho comanda o bando, todo mundo segue o pai;, observou Natan Rodrigues, 10 anos. ;Os pequenos também ajudam a preservar a espécie;, acrescenta Cardoso. ;Um dia, um lixeiro tentou levar um deles para casa. Eu fui atrás e avisei que os miquinhos não podiam ir embora, eram da natureza. No outro dia, o homem o devolveu;, relata Gabriel Matheus Amorim, 12 anos.
Na comunidade, todos sabem que, embora gostem dos animais, não podem levá-los para casa, porque bichos silvestres não devem ser domesticados. Segundo o artigo 29 da Lei Federal n; 9.605, de 1998, é crime matar, perseguir, caçar, apanhar ou utilizar espécies da fauna silvestre nativa ou em rota migratória sem a devida permissão. A pena é a detenção de seis meses a um ano e multa.
Mas a presença dos sanguis não agrada a todos. A dona de casa Luíza Júlia Ferreira, 77 anos, teme que eles transmitam doenças. ;Todo mundo trata desses bichos, dão até água e refrigerante para eles. Nunca atacaram ninguém, mas eu não confio;, relatou. Um morador chegou a entrar em contato com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pediu a retirada dos animais. O órgão, porém, informou que não pode interferir, porque os bichos não fizeram nenhum mal (leia Palavra de especialista). Mas informou que os saguis podem transmitir raiva e outras doenças aos seres humanos. ;Como eles não mordem ninguém, a gente não se preocupa;, finalizou Cardoso.
Palavra de especialista
Agrados que fazem mal
;Não é bom alimentar animais silvestres. Não faz bem a eles nem às pessoas. Se o sagui for portador da raiva, ele pode contaminar o ser humano. As pessoas, às vezes, se enganam com a carinha bonitinha do mico e esquecem que ele pode ser muito agressivo e morder. Além disso, o ser humano pode passar doenças para o bicho. A herpes labial, quando infecta o sagui, pode matá-lo em três dias. A gripe também oferece riscos. Se a pessoa morde uma banana e dá a fruta em seguida para o animal, sem saber, corre o risco de estar dizimando uma população da natureza. Dar comida altera a dieta deles e traz um desequilíbrio, porque eles se acostumam a encontrar alimento ofertado facilmente. Essa banana que dão a eles, por exemplo, não existe da mesma forma na natureza. Achamos que fazemos bem e acabamos fazendo mal.;
Laila Proença, médica veterinária de animais silvestres, mestre em biologia animal e doutoranda em medicina veterinária.