Guilherme Goulart
postado em 30/01/2010 07:00
Madrugada na capital do país. Imagine-se a bordo de um veículo em uma das avenidas do Plano Piloto, talvez a L2 Sul ou a W3 Norte. Ao se aproximar de um semáforo, a cor verde muda para o vermelho. É ponto de parada obrigatória. Eis que surge o dilema para parar ou não o veículo. Afinal, nunca se sabe se um bandido armado poderá surgir da escuridão e assaltá-lo. Mas e se o sinal estiver acompanhado de um pardal eletrônico? A decisão deve ser rápida: pagar a multa ou pisar no freio?[SAIBAMAIS]Uma mulher de 37 anos ficou com a segunda opção e está hoje entre as mais recentes vítimas de sequestro relâmpago no Distrito Federal. O crime, ocorrido na L2 Sul na madrugada de 23 de janeiro, aponta para um novo tipo de abordagem por parte de criminosos especializados em roubo e sequestro relâmpago. Assim, ataques a motoristas parados diante do sinal vermelho provocam debate sobre a necessidade de manter os semáforos em funcionamento depois das 22h.
A questão divide opiniões. O Correio ouviu brasilienses e a maioria se mostrou em dúvida quanto ao respeito às leis de trânsito, a segurança em cruzamentos, a possibilidade de ficar sob o poder de bandidos e o pagamento da multa de R$ 191,54. O Departamento de Trânsito do DF (Detran) afirma que mantém os sinais intermitentes das 23h30 às 6h30, salvo os equipamentos em locais de maior fluxo, como a Rodoviária do Plano Piloto e a entrada do Cruzeiro pelo Eixo Monumental.
A polêmica fica por conta dos semáforos acompanhados de fiscalização eletrônica e botões para pedestres. Seriam esses uma oportunidade para o ataque? No caso da jornalista, talvez. Ela seguia em um Gol preto por volta das 4h na L2 Sul. Havia deixado uma amiga em casa e dirigia para a Asa Norte. Na 603/604 Sul, parou por conta de um sinal vermelho. Acabou nas mãos de bandidos.
O semáforo tem pardal eletrônico. ;Achei melhor respeitar o sinal e não levar uma multa, apesar do horário. Quando reparei, havia dois homens bem perto do carro;, contou a mulher, que trabalha como assessora de imprensa. Um dos bandidos entrou no veículo, sentou ao lado dela e lhe apontou uma arma; o outro se acomodou no banco traseiro. O da frente mandou que ela seguisse pela L2. Nervosa, a motorista bateu no meio-fio, furando três pneus do carro.
O assaltante armado ficou revoltado e assumiu o volante. Também mandou que a jornalista trocasse de lugar com o comparsa. O estrago no carro, porém, os obrigou a desistir do Gol. Fugiram com a bolsa, a carteira e o celular da assessora, além da chave de roda do veículo. ;Foi um susto violento, mas pelo menos não fizeram nada comigo;, desabafou. Ela ainda passou por outro aperto. Ligou para o 190, mas a atendente disse que a Polícia Militar não poderia enviar um carro e a orientou a ir à delegacia.
Assalto
A insegurança em torno do semáforo da 603/604 Sul também assusta outros motoristas. A professora Larissa Vargas Brandão, 26 anos, não respeita a luz vermelha se tiver de passar pelo local à noite. Em novembro, a moradora de Taguatinga avançou o sinal e pagou multa pela infração. ;Eu já avancei vários sinais de madrugada. A L2 Sul fica deserta depois das 23h e achei que não era seguro;, justificou.
A postura de Larissa também encontra explicação em uma história de violência. Há menos de dois anos, ela e o marido sofreram um assalto ao respeitar a sinalização vermelha à noite em Taguatinga. Um dos ladrões esfaqueou o braço do companheiro de Larissa e fugiu com a bolsa dela. ;Lá, em Taguatinga, ficar parado no sinal é correr risco de vida;, comentou a mulher.
Segundo o Detran-DF, a Secretaria de Segurança Pública do DF pode pedir ao órgão mudanças nos semáforos por razões de violência. Alterações, no entanto, dependem da necessidade, de pedidos da população e de estudo de tráfego. Nenhum diretor do Detran-DF deu entrevistas. Mas sistema parecido ao do DF funciona em Porto Alegre (RS). A diferença é que, em situações específicas de risco, as multas por avanço de sinal acabam perdoadas. Desde que seja comprovado o perigo.
Em Recife (PE), uma série de sequestros e roubos no momento da parada de veículos forçou modificações no sistema de sinalização. Os sinais se mantêm em pisca-alerta com a luz amarela entre as 22h e as 6h. Nas cidades paulistas de Campinas e Ribeirão Preto, embora os semáforos funcionem, os pardais são desativados durante a noite e a madrugada.
Já no Rio de Janeiro, os pardais ficam desligados das 23h às 5h, mas não por motivos de violência. Decreto publicado em janeiro do ano passado abre a possibilidade de o motorista avançar o sinal vermelho em 59 pardais eletrônicos espalhados em locais com baixos índices de acidentes.
Santa Maria
Um sequestro relâmpago iniciado em Valparaíso terminou de modo trágico na madrugada de ontem. Nailton Umbrelino Lopes de Abreu, 19 anos, e o primo (que não teve a identidade revelada) conversavam em uma rua do município goiano, quando foram abordados por três homens, um dos quais armado. Os criminosos assumiram a direção do carro e colocaram os rapazes no banco traseiro.
Como o veículo estava com pouca gasolina, os homens pararam para abastecer em um posto de gasolina na DF-290, pouco antes da entrada de Santa Maria. Nesse momento, as vítimas tentaram fugir. Um dos rapazes conseguiu escapar, mas Nailton levou um tiro na cabeça e morreu ainda no carro. Os bandidos fugiram a pé. O crime foi filmado pelas câmeras de segurança do comércio. A 32; Delegacia de Polícia (Santa Maria) investiga o caso.
; Análise da notícia: desligamento é sensato
Marcelo Tokarski
Você está dirigindo seu carro tarde da noite e à sua frente o semáforo fica vermelho. Ao lado, a placa indica a presença da fiscalização eletrônica. Pelas regras de trânsito, todo motorista sabe que deve pisar no freio e parar. Mas, enquanto freia, você percebe a presença de um homem suspeito. Pensa em assalto ou sequestro relâmpago e fica diante do dilema: se não parar o carro, será multado. Se parar, passa a ser um alvo.
Como medida de segurança, várias cidades do país adotaram uma postura sensata. Durante a noite e a madrugada, os pardais são desligados. Avançar o sinal vermelho continua sendo infração de trânsito. Mas se um agente flagrar esse motorista, poderá avaliar a situação e aplicar ou não a sanção. Desde que os condutores sejam responsáveis, ao desligar os pardais à noite, as autoridades não estarão incentivando a barbárie no trânsito, mas sim protegendo o cidadão de outro tipo de barbárie.
; Depoimento: do crime à revolta
;Vivi de novo. Foi essa a sensação que tive quando vi os dois bandidos se distanciarem do meu carro, carregando minha bolsa e o celular na madrugada do último dia 23, em plena L2 Sul. Eles só me abandonaram ali porque o carro estava com os pneus furados, graças a uma manobra involuntária que fiz ao bater no meio-fio. Os carros passavam, as pessoas olhavam, mas ninguém teve coragem de chegar perto. Eu fiquei calma na hora, comecei a pensar que Deus não me abandonaria. Tão logo saíram do meu carro, procurei um orelhão com a certeza de que algum policial militar fosse me socorrer. Foi com grande surpresa que ouvi a atendente dizer que eu deveria procurar uma delegacia de polícia. A sensação de medo logo virou revolta. Cadê uma viatura policial para me acudir naquele momento? Como uma vítima que acaba de sofrer um sequestro relâmpago conseguiria chegar sozinha a uma delegacia, sem dinheiro e sem telefone? Os policiais só apareceram quando eu já estava em casa, para dizer que haviam localizado meu carro. Mas eu sabia onde ele estava, eu só o deixei porque os pneus estavam furados. Ficar sob a mira de um revólver, totalmente nas mãos de dois homens desconhecidos foi, sem dúvida, um dos piores momentos da minha vida. Que poderia ter sido minimizado se, pelo menos, eu tivesse o amparo do governo, que, naquele momento, deveria garantir a minha segurança.;
Mulher de 37 anos, vítima de sequestro relâmpago