O desaparecimento dos seis garotos em Luziânia ; cidade goiana distante 66km de Brasília ; espalha pânico entre os moradores das cidades vizinhas. O caso domina as conversas onde quer que se vá. Anônimos solidarizam-se com a dor das mães e, acima de tudo, temem que aconteça o mesmo com seus filhos. Em função disso, muitos pais proibiram as crianças e adolescentes de brincarem na rua. Sair à noite sozinhos, nem pensar.
Em Valparaíso (GO), a 25km de Luziânia, a família da comerciante Neide Costa dos Santos, 50 anos, mudou a rotina. Ela é mãe de três filhos. A mais nova tem 15 anos, a do meio 28, e o mais velho, 30. ;Agora, eles ligam para avisar quando estão chegando. Eu ou meu marido ficamos esperando para abrir o portão. Eles não são mais crianças. Mas não dá para ficar pensando que não acontece na família da gente;, diz, em tom de preocupação, a moradora do bairro Céu Azul.
A Polícia Militar reforçou o patrulhamento na cidade na última semana, quando começou o ano letivo. Apesar disso, o comando da corporação não acredita que o sumiço dos garotos de Luziânia seja fruto da ação de uma quadrilha especializada. Não bastasse a gravidade do caso, as lendas sobre o que teria acontecido alimentam ainda mais o medo da população.
Moradores do Novo Gama, de Valparaíso e de Luziânia contam que circulam boatos de que um carro preto estaria rondando os jovens para raptá-los. Também são recorrentes os comentários de que os desaparecidos de Luziânia teriam sido vítimas de uma suposta quadrilha de tráfico de órgãos. Para piorar, ainda se fala que o sumiço deles está relacionado à queima de arquivo. Mas para a polícia, de concreto, até agora, só o desaparecimento repentino dos adolescentes.
Mudança de hábito
Buscar os filhos na escola não fazia parte da rotina da artesã Vanuza Souza Santos, 25 anos. Mãe de três crianças ; com idade de 9, 6 e 4 anos ;, ela não os deixa mais irem sozinhos para o colégio. ;Eu explico por que estou fazendo isso: quero que fiquem atentos. Eles também estão assustados com todas essas notícias e perguntam se alguém vai roubá-los também;, revela, pouco depois de se certificar de que as crianças realmente brincavam na casa de uma vizinha e não na rua.
No Novo Gama, município distante 28km de Luziânia, a situação se repete. A reportagem conversou com moradores na tarde da última sexta-feira. A falta de notícias dos garotos e as lendas amedrontam ainda mais. ;Dizem que existe um carro preto que passa raptando as crianças. E também que eles foram roubados por traficantes de órgãos. A gente não sabe o que é mito ou verdade;, relata a cabeleireira Eliane Sueli da Silva Lopes, 32 anos, mãe de um casal de filhos de 16 e 12 anos. Na dúvida, Eliane proibiu os filhos de ficarem na rua. E o mais novo só visita o pai, que mora no mesmo bairro, se alguém mais velho o levar e trazer de volta.
No Lago Azul, bairro do Novo Gama, a diarista Ednalva dos Santos, 37, fez o que pôde para impedir que o filho de 17 anos começasse a estudar à noite. A transferência do turno foi automática na escola. Mas ela não aceitou. ;Eu fui à escola, briguei, briguei, mas não deixei ele estudar à noite de jeito nenhum. A gente não sabe o que aconteceu com aqueles meninos. Cada dia aparece uma história diferente. Não quero arriscar; , desabafou Ednalva, que é mãe de outras três crianças de 10, 4 e 2 anos.
Moradora do Pedregal, a dona de casa Maria dos Remédios Custódio, 25 anos, se diz apavorada. Os filhos de 7, 6 e 3 anos foram proibidos de brincar na rua. Nem mesmo dentro do quintal de casa ela se sente segura. ;Eles estão muito assustados. Quando alguém bate no portão, saem correndo para perto de mim. Até eu estou com medo de sair de casa;, confessou.
Colaboraram Naira Trindade e Daniel Brito
Em Valparaíso, mais policiamento na ruas
Osumiço dos seis jovens de Luziânia corre de boca em boca em Luziânia. Quem tem filho redobra os cuidados e a Polícia Militar reforçou o policiamento. Na última quinta-feira, quando a reportagem esteve na cidade, várias viaturas policiais percorriam as ruas. No bairro Céu Azul, os moradores estranharam o vaivém dos veículos oficiais, alguns deles em alta velocidade.
O comandante do 20; Batalhão de Polícia Militar de Valparaíso, major Crésio Pimenta de Almeida, confirmou que, desde a última segunda-feira, quando teve início o ano letivo no município, colocou mais policiais nas ruas. Apesar disso, garante que a decisão é apenas para proporcionar sensação de segurança aos moradores. ;A PM existe para atender aos anseios da população e, neste momento, quando começa o ano letivo, os pais querem a presença da polícia por conta desses fatos;, explicou o major, referindo-se ao misterioso desaparecimento dos jovens de Luziânia.
[SAIBAMAIS]Apesar de colocar a tropa na rua, o militar não acredita que os seis jovens desaparecidos sejam vítimas de uma quadrilha especializada. ;Um grupo criminoso organizado não levaria jovens de um mesmo bairro, porque teria as características de seus membros difundidas entre a população e no meio policial. O que é veiculado pela mídia não faz qualquer sentido;, garantiu.
Evocando os mais de 20 anos de experiência policial, o comandante acredita que os jovens se conheciam e que teriam fugido por problemas diversos. ;Não tem como morarem no mesmo bairro, frequentarem os mesmos locais, provavelmente a mesma escola, e não se conhecerem. Não vejo razão para esse pânico instalado;, analisou.
Antes do misterioso sumiço dos jovens de Luziânia, a dona de casa Lucineide Francisca Silva, 27 anos, delegava aos filhos pequenas tarefas como ir à farmácia, à padaria ou ao supermercado para fazer pequenas compras. Agora, evita ao máximo fazer esses pedidos. Grávida de nove meses e mãe de outras quatro crianças, ela não se cansa de alertar os filhos sobre os riscos da aproximação de pessoas estranhas. ;Explico que não podem dar conversa para desconhecidos. E se alguém insistir, é para eles saírem correndo e gritarem por socorro;, explicou.