O calvário vivido pelas mães dos seis jovens desaparecidos em Luziânia exige uma parada no hospital regional da cidade. É prática comum na cidade colocar, no mural, uma foto de quem sumiu. Na maioria das vezes, as pessoas voltam para casa. Aldenira Alves de Souza foi a primeira a colar uma imagem ali, em 31 de dezembro de 2009. Antes mesmo de saber que o destino as uniria de forma trágica, contou a Sônia o que havia acontecido com Diego Alves Rodrigues, seu filho de 13 anos, no dia anterior. Quatro dias mais tarde, foi o filho de Sônia, Paulo Victor, 16 anos, que sumiu misteriosamente e teve sua foto estampada no mural.
Quando Sirlene Gomes de Jesus foi ao hospital com a foto de George, desaparecido de forma igualmente inexplicada em 10 de janeiro, Sônia resolveu unir as mães e dar início à luta que ganhou proporção nacional. Nos 12 dias seguintes, mais três fotos foram pregadas no local e três mulheres aderiram ao movimento: Mariza Pinto Lopes, mãe de Divino Luiz Lopes da Silva; Valdirene Fernandes da Cunha, mãe de Flávio Augusto dos Santos; e Maria Lúcia Lopes, mãe de Márcio Luiz Lopes. O Correio conversou com todas elas, que contaram como tem sido os dias sem seus filhos.
Luta contínua
Celular sob o travesseiro
Não faz nem um mês, a dona de casa Sirlene Gomes de Jesus, 42 anos, e o marido, o pedreiro Fábio da Silva, 33, resolveram construir um puxadinho. Deixariam a casa onde moram atualmente, no afastado Parque Estrela Dalva 8, para os quatro filhos e morariam em um anexo dentro do mesmo terreno. A construção foi interrompida quando George Rabelo, 17 anos, desapareceu, no último dia 10. As energias para a reforma da casa foram transferidas para a busca do jovem. Desde o dia em que o adolescente foi visto pela última vez por amigos e familiares, Sirlene só se dedica a isso. Dorme com o celular debaixo do travesseiro. De dia, anda pelas ruas do bairro com o carregador do celular por perto, para não conviver com a culpa de que George teria tentado entrar em contato pelo telefone mas não conseguira por causa de um minuto de desatenção. ;Entreguei na mão de Deus, porque eu estou esgotada, quase desistindo.;
Latidos na madrugada
Para a dona de casa Maria Lúcia Lopes, 50 anos, nada justifica o sumiço repentino de Márcio Luiz Lopes, 19. Ele era voluntário da escola municipal Ramiro Aguiar, ajudava na horta e fazia as vezes de vigia e porteiro nos eventos de pais e alunos. Márcio sumiu em 21 de janeiro. Foi o último dos seis a desaparecer no Parque Estrela Dalva.
Os cachorros vira-latas que passam o dia se escondendo do sol implacável desta época do ano em Luziânia servem como vigilantes para Maria Lúcia à noite. São a extensão dos olhos e ouvidos da mãe. Basta ouvi-los latir no meio da madrugada que ela corre para a rua na expectativa de ver o filho. A filha, Lúcia Maria Lopes, 25 anos, é quem traz a mãe de volta para casa. ;Ele (Márcio) está vivo. Todos os seis estão, tenho certeza;, diz, timidamente.
Rondas noturnas
Dois dias depois de Divino Luiz Lopes da Silva, 16 anos, desaparecer, a diarista Mariza Pinto Lopes, 42, recebeu uma ligação de uma amiga, que dizia que o filho estava em uma parada de ônibus conversando com um homem em um Chevrolet Astra. Partiu em disparada para o local no carro do namorado da filha. Até viu o veículo suspeito, mas nenhum sinal de Divino. Desde então, tomou a iniciativa de sair em ronda pelas ruas do bairro todas as noites. Ainda não encontrou sinal do filho.
Mariza alimenta-se à base de sopa desde o sumiço do garoto. Mas só depois de muita insistência da filha, a estudante Fernanda, 19 anos. Foi ela quem colou quatro cartazes de ;procura-se; nas paredes da casa, no Parque Estrela Dalva Zero. Um deles está perto do chão para que Micael, seu filho de 1 ano e 6 meses, possa beijar a foto de Divino, sempre quando percebe que o assunto é o seu desaparecimento.
O cheiro de Flávio
Passadas 48 horas em claro após o desaparecimento de Flávio Augusto Fernandes dos Santos, 14 anos, ; que não retorna para casa desde o dia 18 de janeiro ; a contadora Valdirene Fernandes da Cunha, 36 anos, pensara numa solução para minimizar todo o sentimento de tristeza. O cheiro do filho na cama ainda desarrumada era o único conforto. Mas ela não conseguiu entrar no cômodo dele sem tê-lo em frente ao computador. Então, Valdirene tirou uma cômoda de seu quarto para pôr a cama dele no lugar. Nela, consegue pegar no sono novamente.
A rotina diária da contadora mudou completamente. Nem compras no supermercado Valdirene consegue fazer. Cada produto na prateleira lembra de um gosto do filho sumido. ;Olho de um lado e lá está o achocolatado que ele gosta. Do outro, o gel . Tudo me lembra Flávio;, sofre a mãe.
Trajeto feito e refeito
Mais de um mês após o sumiço de Diego Alves Rodrigues, 13 anos, Aldenira Alves de Souza ainda se apega nos detalhes do dia do desaparecimento para investigar o caso misterioso. Sentada na fresca varanda da casa, ela fica matutando onde poderia ir para obter novidades sobre o assunto. Dias após ver o filho pela última vez, percorreu quilômetros de matagal a pé com a esperança de encontrá-lo. ;Caminhamos até a penitenciária;, relembra. A descrença com as buscas policiais a transformou numa especialista. Com a ajuda de familiares, fez e refez o último trajeto de Diego várias vezes. As descobertas são passadas para os agentes, os quais já chama pelo nome, devido à intimidade com o caso.
Dor maior que a depressão
Recém curada da depressão que sofreu há um ano após uma conturbada separação, a funcionária pública Sônia Vieira de Azevedo Lima, 45 anos ; mãe de Paulo Victor de Azevedo Lima, 16, desaparecido em 4 de janeiro ;, teve uma recaída. A dor por não ter notícias do filho não se compara aos problemas vividos anteriormente. Somente com o uso de remédios, ela supera o fato de não poder conviver com o filho adotivo. O instinto de liderança a transformou na coordenadora das mães. Foi ela que iniciou toda a caminhada das mães em busca de notícias dos filhos. Reuniu telefones, montou uma lista de contatos e combinava diariamente manifestações e saídas à procura de notícias. Tanta força e determinação contagiaram o restante das matriarcas. ;No que depender das mães de Luziânia, esses casos jamais cairão no esquecimento;, relatou.
Nova mobilização na cidade neste domingo
As mães estão mobilizadas desde o mês de janeiro. Elas já foram a Goiânia (GO), onde pediram apoio ao secretário de Segurança, Ernesto Roller. No município onde moram, tiveram encontro com os parlamentares das CPIs da Pedofilia e das Crianças e Adolescentes Desaparecidos, do Senado e da Câmara dos Deputados, respectivamente. Na semana passada, vieram a Brasília e, durante encontro com o secretário executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto, pediram a intervenção da Polícia Federal no caso.
Barreto explicou que, nesse caso, a PF só pode entrar nas investigações se houver um pedido formal do governo do estado, que rechaça essa possibilidade, pelo menos por enquanto. Em evento na última sexta-feira, na capital goiana, o governador Alcides Rodrigues (PP) disse que não é o caso de pedir o apoio da Polícia Federal, pois a Polícia Civil estadual, ainda de acordo com ele, tem condições de esclarecer os desaparecimentos.
As mães não se conformam. Hoje, elas farão uma manifestação em Luziânia, a partir das 18h30. A concentração da caminhada será em frente à prefeitura. Amanhã, elas planejavam ir a Goiânia para tentar convencer o governador de que o apoio da PF é necessário, mas desistiram porque não havia nenhuma audiência marcada. Além dos parlamentares, os familiares dos jovens receberam o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que também defende o respaldo federal.