Juliana Boechat
postado em 08/02/2010 08:14
Desde que assumiu o cargo de síndico do Bloco D da 205 Sul, há dois anos, Artur Benevides, 43 anos, lida com reclamações dos moradores sobre o lixo. Durante o fim de semana, dois contêineres localizados embaixo do prédio exalavam mau cheiro que chegava aos apartamentos. Em uma reunião há seis meses, os condôminos decidiram acabar de vez com aquela situação. Duas latas de lixo ; de cor verde para resíduos orgânicos e azul, para os secos ; foram colocadas em cada andar. A partir de então, os moradores passaram a separar o material reciclável do descartável ainda no apartamento. De tempos em tempos, o zelador chama a empresa de reciclagem para buscar papelões e plásticos para reutilização. A parceria rende ao prédio três sacos de lixo novos por semana. ;É uma boa economia;, garante Benevides.A coleta seletiva existe na Asa Sul: às segundas, quartas e sextas-feiras, o caminhão de lixo seco recolhe os materiais depositados nos contêineres específicos. Ainda assim, Benevides decidiu se colocar à frente para facilitar o trabalho dos catadores e manter as condições de higiene do condomínio que coordena. Iniciativas como essa podem ser repetidas em qualquer condomínio, com um gasto mínimo de dinheiro. Ainda que a coleta seletiva percorra as asas Sul e Norte e o Sudoeste, apenas 35% destes resíduos são, de fato, reciclados. O restante é levado ao Lixão da Estrutural. Uma pequena parcela desse montante pode ser reaproveitada pelos catadores.
Artur Benevides está tão envolvido com a ideia, que pesquisou para saber como funciona a coleta seletiva na América Latina. Ele gosta de citar o exemplo do Chile: ;Toda vez que você compra uma garrafa pet no Chile, tem que devolver o recipiente antigo. A gente viveu isso com as garrafas de vidro. Além disso, a sacola de supermercado dos chilenos é reciclável;. Também prefeito comunitário da Asa Sul, ele conversa sempre com representantes de outras quadras para implementar o sistema de reciclagem e a extinção dos containers. Na 205, Benevides ainda quer instalar um ;ecoponto; no centro da quadra para depósito de pilhas, baterias e materiais eletrônicos. ;É muito difícil conscientizar o povo. Se não bater na mesma tecla toda hora, ninguém adere à iniciativa. Na verdade, é questão de hábito;, reclamou o prefeito da Asa Sul.
Perigo
Considerado perigoso, o lixo eletrônico chega em grande quantidade às cooperativas do Distrito Federal. Catadores independentes estão acostumados a encontrar aparelhos de televisão, monitores de computador e impressoras abandonados na rua ou ainda nas mãos de crianças. ;Esse tipo de lixo gera um resíduo tóxico que faz mal ao meio ambiente e à saúde das pessoas. Não deve ser tratado como um lixo comum;, explicou Sônia Maria da Silva, presidente da cooperativa 100 Dimensão, do Riacho Fundo. Ainda assim, quando esse tipo de material chega ao galpão, os funcionários separam a parte descartável da utilizável. Com o plástico restante, constroem novos produtos.
Uma sala do Bloco I da 214 Norte se transformou em lixeira: uma prateleira a um metro de altura do chão divide o espaço reservado para os resíduos secos e os orgânicos. O mesmo foi feito em todos os andares. Como o bloco é virado para o Eixo L, o zelador presta atenção quando o caminhão do SLU passa em direção à entrada da quadra. Na hora, ele aciona o funcionário da limpeza, que busca nos andares os restos de caixa, papéis, plástico e isopor, já separados. Depois que os materiais são recolhidos, o funcionário limpa o local para evitar o mau cheiro e a presença de animais. Dessa forma, o síndico Raphael Rios, 47 anos, eliminou os dois contêineres que ficavam no estacionamento.
Há sete anos como síndico, ele garante que a mudança levou economia ao condomínio. ;Economizamos com dedetização, com produtos de limpeza e a quantidade de funcionários necessária para realizar o trabalho;, explicou. Ele acredita, no entanto, que a população precisa amadurecer para aceitar a coleta seletiva. Há um ano, ele tentou instalar um minhocário em alguns andares. Assim, os moradores depositariam ali resíduos orgânicos para diminuir o lixo molhado do prédio. ;Um morador derrubou de propósito a caixa. Aquilo mostrou que a iniciativa não estava agradando;, contou. Na quadra de Raphael Rios, quatro dos 11 prédios aderiram a formas de recolher o lixo a fim de eliminar de vez o contêineres. ;Quando é implantada, a iniciativa da coleta seletiva acaba sendo bem recebida;, contou, orgulhoso, de ter 94% de aprovação dos moradores do condomínio.
Tratamento especial
As pilhas e baterias que contêm chumbo, cádmio e mercúrio acima de níveis predeterminados merecem tratamento especial. Após o esgotamento energético, esses materiais devem ser entregues pelos usuários aos estabelecimentos que as comercializam ou à rede de assistência técnica autorizada pelas indústrias. Uma identificação na embalagem do produto mostra o símbolo indicando o destino correto.
Palavra de especialista
Sistema ainda é capenga
;A gente não tem coleta seletiva bem estruturada no Distrito Federal. Para ela ser implantada, tem de haver parceria entre a sociedade e o governo. Não adianta estimular que cada um tenha a separação do lixo e, no final, tudo chegar misturado aos aterros sanitários. O planeta não tem mais espaço para guardar todo o lixo que produzimos diariamente. Estudos mostram que cada um gera 600g de resíduos por dia. A reciclagem está mais complexa porque cada vez mais lidamos com produtos que contêm uma mistura de várias matérias-primas. Mas, ainda assim, é melhor reciclar da maneira que pode em vez de jogar o produto em aterros sanitários ou bueiros. Estamos ocupando muito espaço no planeta com lixo. A coleta seletiva tem uma implantação inicial cara, mas a médio e longo prazo, fica econômica, ambiental e socialmente sustentável. Em Brasília, a situação é ainda mais séria, porque não temos indústrias para processar esses materiais. A coleta seletiva é complexa, mas tem que ser encarada rapidamente.;
Thér;se Hofmann, doutora em desenvolvimento sustentável e professora da Universidade de Brasília (UnB).
[SAIBAMAIS]E EU COM ISSO
A coleta seletiva começa dentro da casa de cada um. Com uma simples mudança de rotina, a pessoa pode colaborar com o meio ambiente. A caixinha de leite, por exemplo, pode ser lavada antes de ser jogada fora. A iniciativa é a mesma para os potes de azeitona, maionete, catchup etc. Assim, facilita a reutilização do produto quando recolhido pelas cooperativas de reciclagem. Para separar o lixo seco do orgânico, basta ter em casa dois recipientes apropriados. Com a iniciativa da coleta seletiva, os catadores independentes e aqueles que trabalham nos aterros sanitários conseguem coletar mais materiais que, em seguida, serão vendidos às empresas de reciclagem. Colaborando com a separação do lixo, a pessoa ainda cuida da própria saúde evitando o acúmulo desnecessário de lixo, o surgimento de doenças e a atração de animais perigosos.