Renato Alves
postado em 10/02/2010 08:20
Quatro meses após saber publicamente do caso, autoridades goianas começam a tomar as primeiras providências para assistir 19 moradores de um vilarejo portadores de um mal raro e mortal. Por iniciativa do Ministério Público, representantes da área de saúde de Goiás decidiram organizar uma força-tarefa para o atendimento aos pacientes portadores de xeroderma pigmentoso, moradores do distrito de Araras, em Faina (GO), a 510km de Brasília. Fruto de um erro genético, a doença deixa o paciente com uma pele hipersensível à luz. Qualquer contato com raios ultravioletas lhe causa câncer.Por meio de uma série de reportagens, o Correio revelou, no início de outubro do ano passado, o drama dos portadores de xeroderma residentes em Araras, povoado pertencente a Faina, cidade do noroeste goiano com 8 mil habitantes. A enfermidade, transmitida de pai para filho, pode ou não se manifestar em algum momento de suas vidas. No caso dessa comunidade, ela atingiu a quarta geração. Além dos que lá moram, outros dois nascidos na localidade e residentes nos Estados Unidos carregam a moléstia. Ao menos 20 integrantes da mesma família morreram por causa dela ao longo dos últimos 50 anos.
Somente na tarde de ontem, autoridades goianas concluíram que o caso merece uma atenção especial pela sua gravidade. Perante o coordenador do Centro de Apoio Operacional do Cidadão do Ministério Público de Goiás (MPGO), Marcelo Celestino, representantes das secretarias Estadual e Municipal de Saúde, das faculdades de Medicina da Universidade Federal de Goiás e da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), da diretoria do Hospital Geral de Goiânia (HGG) e da Superintendência Leide das Neves Ferreira (Suleide) assumiram o compromisso de agir juntos.
As instituições foram unânimes quanto à necessidade de atendimento e ao interesse científico que o grupo de pacientes desperta. O presidente da Suleide, Zacharias Calil, ressaltou que o grupo de Araras é a maior comunidade concentrada de incidência de pacientes com xeroderma no mundo. ;Essa é uma patologia raríssima, daí a necessidade de um estudo genético, um trabalho científico pelo seu ineditismo;, ressaltou. A Suleide atende 1.040 doentes do Césio-137, material radioativo que contaminou parte de Goiânia em 1987.
No caso de Araras, a Suleide investigará a causa do fenômeno para evitar a sua propagação. O órgão do governo estadual conta com laboratório de genética, mantido na PUC-GO, em Goiânia. Analisando material genético (sangue, cabelo) dos portadores de xeroderma, pesquisadores poderão apontar, por exemplo, quais as probabilidades dos doentes terem filhos com xeroderma, mesmo sendo fruto de um relacionamento com alguém fora da família. O Hospital das Clínicas, o HGG e a PUC-GO também ofereceram suas estruturas para o atendimento, exames e pesquisa.
O promotor Marcelo Celestino garantiu o transporte gratuito dos pacientes e o atendimento eficiente pelo Programa Saúde da Família em Araras, assim que o promotor de Justiça local acionar o município de Faina. A reunião definiu ainda que participantes do Projeto Rondon farão um levantamento social dos pacientes. Após essa etapa, o MPGO intercederá para garantir aos doentes pensão especial pelo governo estadual, até como forma de buscar a adesão dos pacientes ao acompanhamento e monitoramento da doença.
Por fim, pesquisadores e representantes das entidades presentes devem fazer, em breve, uma visita técnica ao povoado, o que será acordado com o município de Faina. ;Após termos o levantamento do pessoal do Projeto Rondon, convidaremos a Prefeitura de Faina a assinar um Termo de Ajuste de Conduta;, adiantou Marcelo Celestino.
Sem instrução
Por morar em uma região com temperaturas entre 20;C e 35;C, não ter aposentadoria, instrução, dinheiro e acompanhamento médico ideal, os doentes de Araras passam a maior parte da vida expostos ao sol, pois sobrevivem da agricultura e pecuária. Com a retirada dos tumores, acabam mutilados. Após a denúncia do Correio, os governos municipal, estadual e federal prometeram apurar o caso e garantir o atendimento médico gratuito aos pacientes, cidadãos de baixa renda e de pouca instrução. Os representantes dos órgãos assumiram desconhecer o problema, até a publicação das reportagens.
Desde então, apenas uma equipe da Secretaria de Saúde de Faina foi ao povoado. Pela primeira vez, os doentes de Araras receberam a visita de um médico e de uma enfermeira em casa. Ambos examinaram todos os doentes, e anotaram os dados pessoais deles. Tudo para fazer o primeiro levantamento sobre a propagação do xeroderma e do câncer de pele nos moradores da região. Entre outras coisas, eles constataram que o posto de saúde do povoado ; sem aparelhos e medicamentos ; nem sequer tinha a ficha dos pacientes, mesmo sendo todos nascidos no vilarejo e alguns doentes há 60 anos.
Como ajudar
Quem quiser ajudar os doentes de Araras deve ligar para Gleice, no telefone público do povoado ; (62) 3391-1174 ; ou mandar correspondência em nome dela para Av. João Artiga, 815, Centro, Matrinchã, Goiás, CEP 76.740-000.