Cidades

Justiça reduz reajuste de aposentada

Tribunal do DF barra aumento de 130% aplicado por operadora nas prestações do seguro de uma dona de casa que completou 59 anos de idade, limitando o índice a 8%. Decisão, que tomou por base o Estatuto do Idoso e o Código de Consumidor, pode obrigar empresas a rever reajustes aplicados por causa da mudança na faixa etária dos usuários

postado em 10/02/2010 09:56
Uma decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) representa um passo a mais em direção ao fim de uma situação considerada abusiva por órgãos e entidades de defesa dos direitos do consumidor e dos idosos. Trata-se do salto que o valor da mensalidade dos planos de saúde dá quando os usuários completam 59 ou 60 anos, dependendo do tipo de contrato que ele possui (veja quadro). A juíza Paloma Fernanda Rodrigues Barbosa, do TJDFT, concedeu liminar vetando o aumento de R$ 262,73 para R$ 606,31 na mensalidade paga pela dona de casa Sônia Marins Ramos da Silva, 59 anos, à Sul América.

Sul América elevou de R$ 262,73 para R$ 606,31 a mensalidade de Sônia que havia completado 59 anosA operadora de plano de saúde passou a enviar boletos com o reajuste de 130,14% logo após a cliente completar aniversário e sair da faixa de 54 a 58 anos para a de 59 anos ou mais. Na decisão, a juíza Paloma Barbosa determinou que Sônia pagasse a mais à Sul América apenas 8% sobre a mensalidade que já vinha saldando.O índice é o mais recente autorizado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão responsável por regular a atividade das operadoras, para cobertura da inflação.

A juíza usou três pontos da norma legal para embasar a decisão. Citou o artigo 422 do Código Civil, que determina a utilização dos princípios da probidade e da boa-fé na assinatura de contratos; lembrou o Código de Defesa do Consumidor, que proíbe impor ao consumidor obrigações que tragam a este exagerada desvantagem; e, por fim, amparou-se no Estatuto do Idoso, que em seu artigo 15 determina ser ;vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade;. A juíza atribuiu tanta importância ao Estatuto do Idoso na argumentação que, ao falar dele, não se limitou ao caso específico de Sônia, que contratou seu plano em 2008, após a legislação em defesa dos mais velhos passar a valer, o que ocorreu em janeiro de 2004.

No texto em que concede a liminar, a juíza Paloma Barbosa cita os planos de saúde contratados antes da vigência do estatuto e considera que, como é ;norma de ordem pública;, o Estatuto ;tem aplicação imediata, alcançando, inclusive, contratos anteriores a sua entrada em vigor;.

O caso de Sônia Marins Ramos ainda deve ter seu mérito julgado, e é provável que a Sul América recorra de decisões desfavoráveis. Mas, se levadas em conta decisões judiciais em instância final recentes sobre o assunto, a balança pende para o lado da dona de casa. Além da questão do abuso contra o consumidor, o argumento da discriminação em razão da idade vem ganhando força.

Decisões
Em 10 de abril de 2008, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) cancelou o reajuste da mensalidade de uma segurada da Amil cujo plano, contratado em 2001, teve aumento de 185%. Além de vedar a alta, a ministra Nancy Andrighi mandou que todos os valores cobrados indevidamente fossem devolvidos em dobro. Ou seja, deu ganho de causa à consumidora, de 60 anos, mesmo se tratando de contrato anterior à vigência do Estatuto do Idoso.

Em 15 de novembro do mesmo ano, outra decisão semelhante. A terceira turma do STJ proibiu o reajuste abusivo das mensalidades por faixa etária em uma decisão válida apenas para os associados da Unimed Natal. Em 15 de dezembro de 2003, a operadora enviou correspondência aos seus associados informando que, em janeiro do ano seguinte, seriam aplicados aumentos às mensalidades pelo critério de faixa etária. Os percentuais seriam de 100% e 200% para quem completasse 60 e 70 anos, respectivamente. Ao propor a ação, o Ministério Público do Rio Grande do Norte argumentou, com base no Código do Consumidor e no Código Civil, que as cláusulas eram abusivas.

Idade não deve ser critério

O advogado especialista em defesa do consumidor José Geraldo Tardin, presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), diz que a entidade, que assessora consumidores e atua no caso de Sônia Marins Ramos, trabalha com cerca de 40 ações semelhantes à da dona de casa no momento. Segundo o instituto, entre as causas na Justiça, a que teve o menor aumento por faixa etária registrou um reajuste de 103%. ;É francamente abusivo;, diz o presidente do Ibedec. Para Tardin, o número de processos judiciais e de causas ganhas contra as operadoras de saúde poderia ser maior, mas falta informação.

;O consumidor desconhece seus direitos. Quando o cliente na faixa dos 59 ou 60 anos vê a mensalidade subir, interrompe o pagamento por não ter mais condições de arcar. Isso é tudo que a operadora quer. Quando você atrasa a mensalidade o plano de saúde é cancelado e você é excluído, quando mais necessita de cuidados;, afirma Tardin.

O presidente do Ibedec aconselha consumidores com contratos anteriores e posteriores ao Estatuto do Idoso a moverem ações na Justiça. Segundo ele, advogados têm argumentado nos tribunais que as operadoras de planos de saúde não podem alegar de forma generalizada que o cliente de 59 anos em diante terá necessariamente a saúde deteriorada e custará ao plano muito mais caro do que o contratante da faixa etária imediatamente anterior. ;Idade não pode ser critério e a Justiça tem reconhecido isso.;

De acordo com Tardin, na hora de mover a ação, o consumidor pode optar pelo Ibedec, que cobra R$ 32 mensais de seus associados, ou procurar um advogado especialista em direito do consumo. Ele lembra que processos que envolvem contestação de cláusulas contratuais não podem ser resolvidos na Justiça Cível, que dispensa a representação por advogado e julga causas menores.

Boa saúde
A dona de casa Sônia Marins Ramos da Silva sempre teve boa saúde. Pensionista do INSS desde a morte do marido, agora que os filhos estão criados, ela ocupa o tempo livre nadando e pedalando. Durante toda a vida, fez exames e consultas pagando do próprio bolso, mas, há dois anos, por insistência da família, contratou um plano de saúde pela Sul América. ;Meus filhos queriam que eu estivesse mais segura caso precisasse de cirurgia, internação, coisas que custam mais caro. Sempre gastei com consultas e exames de rotina;, conta.

Terminado o prazo de carência, Sônia começou a utilizar os serviços da rede credenciada do plano. Fez acompanhamento ginecológico, mamografia, foi ao cardiologista, realizou exames de sangue, tudo ao custo deR$ 262,73. Pouco depois de seu aniversário de 59 anos, entretanto, a dona de casa teve uma surpresa desagradável. Sem qualquer aviso prévio, os boletos do plano começaram a vir no valor de R$ 606,31. ;De início, eu liguei para eles, tentei negociar. Mas foram inflexíveis, disseram que era a norma. Uma filha minha, advogada, me orientou a entrar na Justiça e procuramos o Ibedec. Então, descobri que a Sul América estava duplamente errada, não estava agindo segundo a norma coisa nenhuma, porque meu plano é posterior ao Estatuto do Idoso;, diz.

Sem comentários
Procurada, empresa Sul América se manifestou por meio de nota, dizendo que ;tem por norma não comentar decisões judiciais, especialmente aquelas que não são definitivas e sobre as quais ainda cabe recurso;. Sobre os reajustes, apesar de a mensalidade do plano de Sônia, posterior à vigência do Estatuto do Idoso, ter subido mais de 130%, a empresa declarou que segue ;as normas publicadas pela ANS, especialmente no que se refere a aumentos por faixa etária;.

A ANS disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que igualmente não comenta decisões judiciais, mas que clientes que se sintam lesados podem procurar sua central de atendimento, pelo número 0800 701 9656, para registrar denúncia.

A Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados (Fenaseg), à qual a Sul América é afiliada, informou que nenhum de seus diretores poderia se pronunciar porque estavam em viagem.


TIPOS DE ACORDO

Atualmente, há usuários de planos de saúde no país vinculados a três tipos de contratos, cada um sujeito a normas que mudam segundo a data da assinatura*

# Planos contratados antes de 2 de janeiro de 1999:
São os planos assinados antes da entrada em vigor da Lei n; 9.658/98. À época, as operadoras definiam valores e faixas etárias a seu próprio critério e sem regulação, e as informações nem sempre constavam no contrato. Por meio da Resolução n; 56/03, a ANS determinou, posteriormente, que as operadores informassem a existência e o conteúdo das cláusulas de faixas etárias, dentre outras características desses planos, possibilitando a verificação do cumprimento.

# Planos contratados entre 2 de janeiro de 1999 e 1; de janeiro de 2004:
As faixas etárias e os percentuais de variação
têm que estar expressos nos contratos assinados nesse período. O preço da última faixa (70 anos ou mais) pode ser, no máximo, seis vezes maior do que o preço da faixa inicial (0 a 17 anos). Contratos de consumidores acima de 60 anos ou com 10 anos ou mais de plano de saúde também não podem sofrer variação por mudança de faixa etária. Se o contrato já vem com variações altas pré-fixadas, no entanto, o cliente é lesado da mesma forma.

# Planos contratados depois de 1; de janeiro de 2004:
Preços e faixas etárias devem estar expressos no contrato.
O número de faixas aumentou de sete para 10 visando atender a determinação do Estatuto do Idoso, que veda a variação por mudança de faixa etária para consumidores com idade acima de 60 anos. A Resolução n; 63/03 da ANS determina, ainda, que o valor determinado para a última faixa etária (59 anos ou mais) não seja mais do que seis vezes superior ao estabelecido para a primeira (0 a 18 anos.)

* Independentemente do tipo e da época do contrato, o consumidor que se sentir lesado por cláusulas abusivas pode procurar a Justiça.


RECLAME

; Ibedec ; 3345 2492
; ANS ; 0800 701 9656

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação