Helena Mader
postado em 11/02/2010 08:39
Dívidas cobradas por cartórios de protesto se tornaram o mote de um novo golpe, que já fez dezenas de vítimas em Brasília. Estelionatários se passam por funcionários desses cartórios e ligam para os devedores, ameaçando executá-los judicialmente. Com medo, muitos depositam o valor devido em contas fornecidas pelos criminosos. O prejuízo nesses casos é em dobro, já que a vítima depois precisa quitar a dívida com o real credor. A Delegacia de Defraudações investiga a atuação de quadrilhas especializadas nesse tipo de golpe. Diante do alto número de casos, os cartórios do Distrito Federal lançaram uma campanha para alertar a população sobre o problema.Uma das vítimas desse crime foi um empresário do setor de construção civil. Ele foi enganado por um estelionatário na última terça-feira. Antônio (nome fictício) tinha uma dívida de R$ 600, que estava sendo protestada por um cartório. O golpista telefonou para o escritório do empresário e deixou recado com a secretária. O telefone era de São Paulo. Antônio entrou em contato com o número fornecido e uma pessoa que se identificou como Alexandre o pressionou a pagar o valor devido. ;Eu estava em um dia muito corrido quando falei com ele. O tal Alexandre disse que o pagamento estava atrasado e ofereceu me liberar da multa se eu fizesse um depósito no mesmo dia;, conta Antônio.
O empresário depositou os R$ 600 em uma conta da Caixa Econômica Federal, em nome de Rosimeire Scorza, e ainda enviou o comprovante de pagamento por fax, como exigido pelo interlocutor. ;No dia seguinte, meu sócio olhou os comprovantes com mais calma e desconfiou de tudo. Quando ligamos para o banco para tentar suspender a transferência, o dinheiro já tinha sido sacado;, lamenta Antônio. ;Ainda bem que não foi um valor muito alto, mas fiquei intrigado em saber como esses criminosos descobriram os meus dados, a ponto de saber o valor exato da dívida da nossa empresa;, finaliza o empresário.
Ionara Gaioso é tabeliã do 1; Ofício de Protesto de Títulos de Brasília ; o principal do DF. Ela conta que os golpes em nome dos cartórios são uma grande preocupação e revela que os bandidos muitas vezes escolhem suas vítimas nos editais de intimação. ;Quando não conseguimos localizar as pessoas nos endereços, somos obrigados a fazer a intimação dos devedores por edital, que é publicado em jornais de grande circulação. Com base nessas informações, os estelionatários localizam as vítimas e fazem chantagem com essas pessoas;, afirma Ionara.
Ela lembra que os cartórios já pediram à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios ; responsável pela fiscalização dos ofícios ; que as intimações tenham um número reduzido de informações, para que não sirvam de isca para golpistas. ;Também estamos em contato direto com a Delegacia de Defraudações. Repassamos todas as denúncias recebidas aos agentes que estão investigando os casos;, afirma Ionara Gaioso. ;Esses golpes não são novos, mas aumentaram sensivelmente no ano passado;, garante a tabeliã.
Os estelionatários pesquisam nomes de cartórios de protesto do DF e de outras cidades antes de ligar para as vítimas. As contas fornecidas para depósito são, quase sempre, abertas em nome de laranjas e o dinheiro é sacado logo depois do golpe, para evitar uma possível identificação pela polícia. Muitas vezes, o bandido cita cartórios que nem sequer existem.
Para evitar cair nesses golpes, basta observar dicas importantes. ;Nenhum cartório de nenhum lugar vai entrar em contato com os devedores pelo telefone. Isso não existe. As comunicações são feitas por correspondência;, orienta a tabeliã do 1; Ofício de Protesto de Títulos de Brasília. Na dúvida, também é recomendável procurar o cartório pessoalmente, para checar os títulos protestados. Os pagamentos normalmente são feitos por meio de boleto bancário entregue pelo cartório, não por depósito bancário em nome de terceiros.
A delegada-chefe da Delegacia de Defraudações, Ivone Rossetto, conta que a maioria dos estelionatários é de outros estados. ;A maioria desses criminosos é de São Paulo. Em alguns casos, eles usam telefones com código de Brasília, mas não estão aqui;, revela a delegada. ;Eles pressionam, fazem chantagem e, muitas vezes, a pessoa fica desorientada e acaba fazendo o depósito exigido pelo criminoso;, acrescenta Ivone Rossetto.
Prazo
Por lei, os devedores têm até três dias úteis para pagar o valor devido após a intimação do cartório. Nesse prazo, eles podem entrar em contato com o credor, com o cartório e, principalmente, checar se a dívida realmente existe. Caso o credor não tenha razão, o intimado pode entrar com pedido de sustação judicial do protesto. Os golpistas costumam ignorar esse prazo e exigem pagamento imediato.
Diante do grande número de casos, a Associação dos Notários e Registradores do Distrito Federal (Anoreg-DF) lançou um alerta no site da entidade. Nas páginas da internet dos cartórios de protesto também há avisos sobre a existência desse tipo de crime. ;Teve um estelionatário que chegou a ligar até mesmo para um cartório, tentando passar esse golpe. Eles pressionam e exigem dinheiro para não protestar o título;, justifica o presidente da Anoreg, Allan Nunes Guerra.
"Nenhum cartório vai entrar em contato com os devedores pelo telefone. As comunicações são feitas por correspondência"
Ionara Gaioso, tabeliã
Ionara Gaioso, tabeliã
Para saber mais
Com o nome sujo
O protesto em cartório é um instrumento para cobrar dívidas e comprovar a inadimplência de terceiros. O objetivo é evitar a impunidade e atitudes de má-fé, tanto por parte do credor, como por parte dos devedores. Para comprovar a dívida, os cartórios aceitam documentos como duplicatas, notas promissórias, cédulas de crédito, letras de câmbio e cheques. Se o devedor não pagar o que deve, o credor pode cobrar a dívida por meio do serviço de protesto de títulos.
Os tabeliães de protestos, sujeitos à fiscalização do Poder Judiciário, analisam a documentação e os argumentos apresentados. Eles têm poder legal para intimar os devedores a pagarem uma dívida. Qualquer pessoa, física ou jurídica, pode encaminhar títulos a protesto. Para isso, não é preciso ter assessoria de advogados, empresas de cobrança ou bancos. O serviço dos cartórios de protesto é regulamentado pela Lei n; 9.492/97.
Se o devedor não pagar em três dias úteis depois da intimação do cartório, há efetivamente o protesto. Como a informação é pública, a pessoa fica com o nome sujo. Essas informações são repassadas para órgãos de proteção ao crédito ; como a Serasa e o SPC ; e a pessoa fica com restrições na praça. Para limpar o nome, é preciso entrar em contato com o credor, negociar o débito e depois fornecer a documentação para o cancelamento do protesto.