Para os moradores do bairro Estrela Dalva, bairro de Luziânia (GO) onde seis jovens desapareceram entre novembro de 2009 e janeiro deste ano, o feriado do Carnaval significa redobrar os cuidados com as crianças e adolescentes. Desde o alarde do caso, a rotina dos moradores tem sido austera.
A sensação de medo é bastante real para Antônio Marcelo dos Santos, 30 anos, e sua mulher, Ana Célia de Sousa, 23 anos. O casal mora no Estrela Dalva 2 e é vizinho da casa de Flávio Augusto, 14 anos, desaparecido desde o dia 18 de janeiro. Ana Célia conta que teve que deixar o emprego para cuidar dos filhos Jonathan, 7 anos, e Erik, 3 anos, enquanto o marido trabalha. Ana Célia lamenta o drama vivido por Valdirene da Cunha, mãe de Flávio, e recorda que o vizinho foi o primeiro amigo dos filhos. ;Antes os meninos brincavam livres por aí, mas agora não dá mais;, afirma Antônio. Acostumados a irem para a escola sozinhos, os garotos passaram a ser acompanhados pela mãe. A família chegou a cogitar se mudar de Luziânia, mas como tem um imóvel próprio, pagar aluguel em outra cidade oneraria o orçamento da família.
Situação semelhante vive o estivador Genivaldo Alves, 36 anos. Moram com ele e com a esposa seus três filhos, Hiago, Hugo e Igor, todos adolescentes, com idades entre 9 e 17 anos, além da filha, Glenda, de 18 anos, e a neta Isabela, de pouco mais de 1 ano. Segundo ele, a presença policial na região, uma das mais pobres da cidade, deixa sempre a desejar: ;Há 10 anos moro aqui e há 10 anos o policiamento é ruim;. O dia a dia da casa mudou significativamente e Genivaldo chegou até a proibir os filhos adolescentes - que têm perfis semelhantes aos dos desaparecidos - de participar das festas de Carnaval que acontecem à noite no centro. ;Prefiro que eles fiquem aqui de cara emburrada do que correr o risco de perder meus filhos;, defende.
Os amigos e vizinhos da família do jovem Márcio Luiz Souza Lopes, de 19 anos, desaparecido desde o dia 22 de janeiro, se uniram para proteger seus filhos. Pular Carnaval, nem pensar. ;Quando a gente vê esses acontecimentos, o melhor jeito é não sair. Frankelson, meu filho mais velho, de 13 anos, está praticamente trancado dentro de casa;, conta a telefonista Cláudia Moreira Bernardo. Os homens procuram trabalhar perto de onde moram para incrementar a segurança da família e as mulheres fazem revezamento para levar as crianças e jovens ao colégio. A dona de casa Francisca da Silva, por exemplo, tem duas filhas, mas chega a ficar responsável por nove crianças, entre sobrinhos e filhos de vizinhos. ;Cada um estuda em um lugar. Eu faço várias ;viagens; até levar e buscar todo mundo. Caminho o dia inteiro;, diz."A gente tem que se ajudar. Cada hora uma cuida dos meninos",explica Cláudia.
A aflição decorrente dos desaparecimento no local fez com que Ramona Claudete impedisse o filho Reinaldo da Silva, 18 anos, de aceitar um emprego de técnico em agricultura em Cristalina. ;Não quero ele andando sozinho, nem para pegar o transporte;, afirma. O menino de 8 anos Lucas Lopes, sobrinho de Márcio, não anda mais sozinho e recebeu instruções específicas dos pais para não falar com estranhos e sempre avisar onde está. ;Desde que meu tio sumiu, estou com medo;, admite.
Sem novidades
Em um mar de hipóteses e boatos como rapto para roubo de órgãos, trabalho escravo e exploração sexual, o delegado responsável pelo caso, Josuemar Vaz de Oliveira, da 5; Delegacia de Polícia Civil Regional de Goiás, afirmou ontem que ainda não há indícios precisos do motivo dos sumiços. ;Estamos recebendo e processando algumas informações para poder traçar melhor a sequência dos fatos;, informou. Ele ressaltou a importância da ajuda da população para que se levantem outras pistas.
O delegado, que assumiu o caso na semana passada, acredita que, caso os jovens tenham sido raptados, os criminosos podem ter abordado vários outros jovens até conseguir persuadir os seis que sumiram. ;É importante que as pessoas venham até a delegacia e nos deem mais informações;, afirma. Segundo Vaz de Oliveira, amanhã deve acontecer o primeiro encontro entre a Polícia Civil e a Polícia Federal para discutir os detalhes da cooperação entre as forças. A PF foi autorizada pela Secretaria de Segurança Pública de Goiás a participar das investigações no dia 9, após um pedido do então ministro da Justiça, Tarso Genro.
Questionada sobre a possibilidade de o escândalo político do governador de Brasília, José Roberto Arruda, empurrar o caso dos meninos de Luziânia para o esquecimento, Lúcia Maria Lopes, irmã de Márcio, dá um recado: ;Eles que nem pensem em nos esquecer. Nossa luta ainda não acabou;.