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Menina de 14 anos personifica história de superação

Um dos destaques do último carnaval, uma adolescente de 14 anos que desfilou na ala das passistas da Aruc personifica, por si só, uma exemplar história de superação. Com muita coragem, ela enfrentou uma delicada cirurgia que modificou suas condições de vida, mas não a demoveu de seus sonhos

postado em 18/02/2010 09:12
Não é todo dia que se encontra alguém que já enfrentou o câncer duas vezes e ri à toa, de graça, quase sempre até chorar. Mais difícil ainda é encontrar uma pessoa que suportou ter o braço direito amputado em razão da doença e leva a vida sem a afetação da autopiedade, muito pelo contrário. Esse alguém é Thaynnara Krystine Cordeiro da Silva Ramos e tem apenas 14 anos. As descrições clássicas não cabem no caso dela. A verdade sobre Thaynnara é que ela é flamenguista, ginasta, dançarina de um grupo folclórico, fã do Aviões do Forró e eterna apaixonada pela Aruc, escola de samba que frequenta desde que seu endereço era a barriga da mãe, Cristian Cordeiro da Silva.

Thaynnara, com a bandeira da escola de samba pela qual desfilou: A história de Thaynnara mudou quando ela tinha 9 anos. Um dia, sentiu fortes dores no braço direito. Um exame de raio-X feito no Hospital de Base constatou um tumor no úmero ; osso do braço ;, próximo ao ombro, e a biópsia diagnosticou um câncer. Encaminhada para o Hospital de Apoio de Brasília, Thaynnara foi submetida a quimioterapia, internações semanais e outros procedimentos durante dois longos anos. ;Praticamente passei a morar no hospital. Foi doído para ela. Minha filha era muito nova;, relembra Cristian. Quando os médicos anunciaram que a única chance de cura era amputar o braço direito de Thaynnara, Cristian não se segurou. ;Não aceitei. Quis uma segunda opinião e queriam me encaminhar para médicos de São Paulo. Mas como é que eu ia largar o meu emprego e mudar para um cidade onde não tenho ninguém? Viver às custas dos outros? Nem pensar!”, conta.

Por sugestão de colegas de trabalho, Cristian procurou o Hospital Sarah Kubitschek, referência em reabilitação de politraumatismos e ortopedia. O caso de Thaynnara era tão emergencial que, no mesmo dia em que a avó da menina, Sandra Cordeiro, levou os exames para entrar na lista de espera de consultas, Cristian recebeu uma ligação do hospital com o dia e a hora em que os médicos do Sarah conheceriam o caso de Thaynnara. O laudo, entretanto, foi o mesmo. Em menos de uma semana, Thaynnara foi operada e teve o braço e o ombro direitos amputados. Tendo que passar mais tempo em hospitais do que trabalhando, Cristian foi dispensada do emprego e dedicou-se integralmente aos cuidados com a filha, que ainda fazia quimioterapia. Foi então que a Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace) cruzou o caminho da família Cordeiro. A organização dava suporte financeiro e apoio psicológico. E apoio era o que Cristian realmente precisaria para aguentar o que viria a seguir.

Segundo desafioCristian (E) deixou o trabalho para acompanhar o tratamento da filha
Pouco mais de seis meses após a cirurgia, Cristian notou um caroço no pescoço da filha. A biópsia acusou outro tumor, mais uma vez maligno. Thaynnara voltou à sala de operações do Sarah. ;Da primeira vez, eu aguentei o tranco. Mas da segunda vez, não deu. Eu dizia à psicóloga que me acompanhava que preferia ver a minha filha morta a vê-la sofrendo daquele jeito. Mas eu sou guerreira. Fui levando e superei;, recorda Cristian. Mas Thaynnara não é qualquer menina. Ela respondeu bem à nova rodada de quimioterapia e, com a coragem e insistência necessárias, conseguiu vencer um segundo câncer. ;Eu saía pulando, correndo, toda vez que deixava o hospital;, diz Thaynnara.

O retorno para casa significou a volta para o samba. ;O lugar onde eu me sinto mais feliz é na Aruc;, assume, sorridente. Ela tem motivos para isso. É a xodó da escola. Até apadrinhamento do presidente de carnaval ela já ganhou. Desde que pisou pela primeira vez na avenida integrando a Ala das Crianças, quando tinha 7 anos, a pequena só perdeu um desfile. Neste ano, saiu pela segunda vez na ala das passistas, esbanjando samba no pé. ;Meu sonho é ser rainha da bateria;, ambiciona. Largou os planos de seguir uma determinada religião que proibia festejar o carnaval. ;O samba é mais forte;, assume.

É inevitável que o processo de ajustes ao novo corpo leve um certo tempo. Thaynnara ainda se sente um pouco envergonhada. A mochila de rodinhas, já que não pode carregar nada nas costas, é uma pedra no sapato. ;Ela pede para ajudar a fazer tarefas de casa. Adora lavar louça, e haja detergente!”, brinca a mãe. ;Já sei fazer ovo frito, arroz, brigadeiro;, garante Thaynnara. Nasceu destra, mas aprendeu a ser canhota e sua letra, como comprovou a reportagem, é muito bonita. Amigos, são muitos. Mas as tardes livres para brincar são poucas. Há três anos, a ginástica rítmica ocupa três tardes da semana. Ela já faz o solo e está se preparando para chegar às Paraolimpíadas.

Oficialmente, ela diz que quer ser advogada quando crescer. Mas a mãe trata de revelar os planos mirabolantes da filha: Thaynnara quer ser modelo, até já fez curso. ;A Gisele Bündchen é meu ídolo;, resume. Bem, no caso de Thaynnara, tudo é possível.

"Eu dizia à psicóloga que preferia ver a minha filha morta a vê-la sofrendo daquele jeito. Mas sou guerreira"
Crisitian Cordeiro da Silva, mãe de Thaynnara

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