postado em 24/02/2010 08:32
Enquanto Vila Planalto, Itapoã e Planaltina são os piores cenários de um surto de dengue no Distrito Federal e recebem operações ostensivas da Vigilância Ambiental, é necessário prestar atenção em outras regiões potencialmente perigosas para o aparecimento de mais focos do mosquito Aedes aegypti(1), transmissor da doença. O cuidado é imperativo, uma vez que, só nos dois primeiros meses do ano, o DF registrou 1.425 notificações de dengue e 390 casos já foram confirmados. A Secretaria de Saúde investiga as suspeitas de que três pessoas, em Planaltina, Ceilândia e Vila Planalto, tenham morrido em decorrência da doença.O Correio percorreu diversos pontos do DF e constatou que alguns deles oferecem uma combinação quase perfeita para a reprodução do vetor da doença: acúmulo de lixo e água parada. No Autódromo Internacional de Brasília, pilhas de pneus ; lar preferido do Aedes aegypti para depositar suas larvas ; formam um muro de contenção da pista de corrida. Entre as muitas fileiras, garrafas vazias e pequenas poças de água. O administrador do Autódromo, Edson Zacarias de Souza, afirma que todos os pneus são furados para evitar o acúmulo de água, principalmente daquela proveniente da chuva. Segundo ele, o local passa por supervisão da Vigiliância Ambiental pelo menos uma vez por mês, mas a última visita aconteceu no começo de janeiro. No entanto, o mato alto que margeia a pista permite avanços no ciclo de vida do mosquito. Edson informou que uma roçagem no local está prevista para amanhã.
No depósito do Detran-DF, na 906 Norte, a concentração de carros apreendidos pode ser um problema. Atualmente, 4.500 veículos estão parados no local, que tem lotação máxima de 5 mil carros. Segundo o diretor de fiscalização do órgão, agente Silvain Fonseca, o fumacê, nebulização de inseticida que mata as larvas, é feito a cada 15 dias justamente para evitar um ambiente propício. ;Furamos as carcaças dos carros velhos e os pneus; tentamos manter o mato baixo. Nós nos preocupamos com a saúde dos nossos funcionários;, descreve. Apesar disso, em um terreno tão grande e com tantos veículos, alguns trechos escapam ao controle e o mato chega a encobrir partes de carros. ;É um trabalho difícil, mas temos a cultura de reduzir o risco ao máximo;, garantiu.
Taguatinga
Embora não registrem quantidade alarmante de casos, algumas regiões de Taguatinga também inspiram cuidados. Uma delas é o Setor de Oficinas, em Taguatinga Norte. Em um dos canteiros próximos à pista que liga a cidade a Ceilândia, o maranhense Aldir Nunes, 28 anos, capinava a grama alta e retirava entulhos de uma área de ferro-velho, com carcaças de carro acumuladas. Recém-chegado à cidade, precisava de um emprego e foi contratado para limpar a área. Afirmou que as muitas sacolas de lixo acumulavam mosquitos e o interior dos carros estava cheio de água. ;Só a força de Deus mesmo pra me livrar da dengue;, acredita. Quem o contratou foi o dono de uma das oficinas instaladas na região, Osmar Gomes, 50 anos. Segundo ele, a cada seis meses é preciso pagar alguém para fazer o serviço. ;Estamos vendo a dengue no jornal todo dia. A gente tem que agir também;, recomenda. Ele garante não ter ouvido falar de casos da doença naquela região.
Outro criadouro em potencial está localizado em Taguatinga Sul. O antigo Clube Primavera foi abandonado e o mato cresceu, impedindo a visão das cinco piscinas. A casa da fisioterapeuta Alya Reis, 29 anos, fica na rua que dava acesso ao clube. Não é possível ver as piscinas nem mesmo do segundo andar da residência. Depois de fechar as portas, o clube virou depósito de lixo e ponto de esconderijo para bandidos. Cansados da situação, os moradores decidiram fechar o acesso com um muro. Hoje, a única entrada para o Primavera é um portão lateral, trancado. Da pista, um trecho onde o muro está quebrado permite ver a piscina vazia, acumulando água das chuvas e lixo. Os moradores também atiram dejetos por sobre o muro construído. ;Aqui tem muito pernilongo e barata;, afirmou a fisioterapeuta.[SAIBAMAIS]
1 - Febre amarela
Além da dengue, o mosquito Aedes aegypti é também um dos transmissores da febre amarela. Segundo o Ministério da Saúde, foram confirmados 46 casos de febre amarela e 25 mortes decorrentes da doença no Brasil em 2008.
Níveis preocupantes
De acordo com o subsecretário de Vigilância à Saúde, Allan Kardec, os 465 funcionários designados para o combate à dengue em todo o DF têm trabalhado mais em locais onde a situação atingiu níveis preocupantes, como é o caso da Vila Planalto, que já tem 106 casos confirmados. ;Agora, a prioridade é para os lugares de maior incidência, mas a ideia é ampliar a ação. Trabalhamos todos os dias tanto em ações de prevenção como em ações educativas. A população precisa ser nossa aliada;, aponta Kardec.
A ajuda dos moradores, porém, pode estar distante. Ontem, a reportagem flagrou um homem despejando o conteúdo de um carrinho de mão sobre uma nova aglomeração de lixo próxima ao Setor de Chácaras, entre a Vila Planalto e a pista que dá acesso aos palácios do Jaburu e da Alvorada. Galhos de árvore, frutas podres, pneus e restos de obras formavam pilhas no chão. Um casal se aproximou do local com sacos de lixo, mas se afastou quando percebeu a presença do Correio.
Prevenção é a palavra de ordem na Universidade de Brasília (UnB). Com a proximidade da volta às aulas, o campus da Asa Norte vem passando por uma limpeza geral desde segunda-feira. Na semana que vem, funcionários da universidade receberão treinamento da Vigilância Ambiental para destruir larvas e mosquitos.
Ontem, a Companhia de Teatro da Secretaria de Saúde apresentou uma peça educativa sobre a dengue para aproximadamente 800 crianças no Centro de Ensino Fundamental do Itapoã. ;É a melhor forma de conscientizar as crianças. Elas são agentes multiplicadores e passam o recado para os pais;, acredita Ana Dalila Diniz, agente da Vigilância e integrante do grupo teatral.
Para saber mais
Como é o fumacê
Fumacê é o termo popular pelo qual é conhecido o UBV pesado, método de aspersão do produto que mata o mosquito transmissor da dengue. O equipamento que espalha o produto é acoplado à carroceria de uma caminhonete e libera cerca de 208 mililitros do inseticida por minuto. Para realizar o ciclo completo de tratamento, é preciso fazer cinco aplicações, uma por semana. O procedimento só pode ser feito entre as 18h e as 22h e entre as 6h e as 8h, quando as temperaturas são mais baixas e há menos vento. A alta temperatura degrada o produto e o vento não permite que o inseticida circule pelo ar. A chuva também interrompe a aplicação. Hoje e amanhã, a aplicação do produto chega a Itapoã.
Quando a infestação pelo mosquito é concentrada e reduzida, o UBV costal é o método mais adequado. Trata-se do mesmo inseticida, carregado em um tanque preso às costas do técnico. A aplicação é feita em locais específicos e se estende a 300 metros do local onde há indícios do vetor da doença.