Guilherme Goulart
postado em 28/02/2010 09:07
Há exatos seis meses, pelo menos dois homens invadiram o apartamento 601/602 do Bloco C da 113 Sul. Entraram no imóvel à noite, provavelmente pela porta dos fundos, e atacaram com facas duas pessoas na área de serviço: o advogado e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Guilherme Villela, 73 anos, e a governanta da família, Francisca Nascimento da Silva, 58. Receberam, ao todo, 61 golpes. Uma terceira vítima perdeu a vida com 12 facadas no corredor principal: a advogada Maria Carvalho Mendes Villela, 69, mulher de José Guilherme.
Desde então, o que se sabe do crime cometido em 28 de agosto do ano passado não vai muito além da dinâmica descrita pelos peritos do Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Civil do Distrito Federal. A complexidade do triplo assassinato desafia a polícia e o Judiciário brasilienses. A ponto de o inquérito ter trocado de mãos ao longo da investigação. Os três primeiros meses ficaram por conta da 1ª Delegacia de Polícia, na Asa Sul. Mas irregularidades identificadas pelo Ministério Público do DF (MPDF) fizeram com que o Tribunal de Justiça do DF determinasse a mudança de comando na apuração.
O caso segue sob responsabilidade da Coordenação de Investigação de Crimes Contra a Vida (Corvida) desde a primeira quinzena de dezembro (leia arte na página 33). Os delegados à frente da unidade especializada em investigação de homicídios - Luiz Julião Ribeiro e Mabel Faria - têm por característica não dar informações dos casos antes de concluídos. Mas as mudanças no perfil da investigação podem ser percebidas pelas testemunhas. Relatos ouvidos pela reportagem reforçam que o trabalho policial não só continua como passou por reformulações.
Um dos pontos que recebeu atenção especial dos investigadores da Corvida, por exemplo, é o local onde ocorreu o crime. Porteiros, demais funcionários e moradores do Bloco C da 113 Sul voltaram a prestar depoimentos para o caso. Dessa vez, no Departamento de Polícia Especializada (DPE), no Parque da Cidade. "Já repeti tudo que havia dito na 1ª DP. Depois disso, ligaram várias vezes para tirar uma ou outra dúvida. O que dá para perceber é que as perguntas são mais profundas e mais específicas", contou um condômino do edifício, que preferiu não se identificar.
Os agentes visitam o prédio com frequência. Ouvem empregados e dão uma olhada no apartamento 601/602 para confirmar determinadas informações. As portas do imóvel, por exemplo, permanecem interditadas com fitas colocadas pela polícia. Nem servidores do prédio têm permissão para circular pelo local. Está, assim, à disposição dos investigadores. "Pela movimentação da polícia por aqui, dá para ver que estão bastante ativos", afirmou outro morador. Já os parentes das vítimas, segundo funcionários, raramente aparecem no Bloco C.
O triplo homicídio também forçou modificações na rotina do edifício. Principalmente em relação à segurança. Antes de o crime ser cometido, o sistema de vigilância era em VHS e não gravava a movimentação. A cobrança de uma taxa extra obrigatória permitiu a troca dos equipamentos de vídeo. São agora digitais e capazes de armazenar bancos de imagens. Houve a troca das portas de serviço. Funcionários da limpeza e da segurança ainda fizeram cursos de capacitação de uma semana. Nenhum deles deixou o emprego depois das mortes dos Villela e de Francisca.
Confiança
Fontes ouvidas pelo Correio dão a entender que o trabalho feito pela Corvida não se restringe às duas linhas de investigação seguidas pela 1ª DP. O promotor Maurício Miranda, do Tribunal do Júri de Brasília, terá acesso ao inquérito no início de março, quando vence o prazo da Corvida para a conclusão do caso - ele pode ser prorrogado pela Justiça. Por enquanto, ele prefere manter silêncio em relação à nova apuração. Adiantou apenas que outras possibilidades são aprofundadas pela delegacia especializada.
As equipes chefiadas pela delegada Martha Vargas se concentraram nas hipóteses de latrocínio (roubo com morte) e crime por encomenda. Por conta de uma delas, três pessoas acabaram presas por agentes da delegacia da Asa Sul, em novembro: Cláudio José de Azevedo Brandão, 38 anos, Alex Peterson Soares, 23, e Rami Jalau Kaloult, 28. Ao prendê-los, a polícia encontrou uma chave do apartamento dos Villela. Apesar da apreensão do objeto, a Justiça mandou soltar o trio em menos de um mês. O motivo: falta de provas.
Para o delegado e deputado federal Laerte Bessa (PSC), também não se levou em conta o depoimento prestado por Alex na 1ª DP. O então acusado disse que o vizinho Cláudio lhe pediu para guardar a chave em troca de uma recompensa. Os dois moravam na Vila São José, em Vicente Pires. "O caso estava resolvido. Tenho certeza absoluta de que se trata de um latrocínio e os três estão envolvidos. O problema é que muita coisa atrapalhou, além da ordem para a troca de delegacia ter sido inconstitucional", avaliou o ex-diretor da Polícia Civil do DF, que desde o início acompanha as investigações.
O diretor-geral da Polícia Civil do DF, delegado Pedro Cardoso, acredita que o caso exige mais apuração. E deposita confiança no trabalho do delegado Luiz Julião. "É um delegado experimentado e está, neste momento, fazendo o processo de releitura do crime. Também está dando continuidade à apuração feita pela 1ª DP", explicou. Cardoso, no entanto, evitou dar prazos para a conclusão de um dos casos mais complexos da história da corporação. "Confio na forma segura dessa investigação e na solução de todo esse mistério", acrescentou o diretor.
Os familiares dos Villela evitaram falar sobre a tragédia. O Correio entrou em contato com a neta do casal por e-mail. Propôs uma entrevista, enviou algumas perguntas, mas não houve resposta. A irmã de Francisca, a também empregada doméstica Maria Nascimento da Silva, 52 anos, conversou com a reportagem. Disse que prestou novo depoimento na Corvida assim que a apuração mudou de delegacia. "Falaram que recomeçaram algumas coisas. Está demorando a chegarem a uma solução, mas a gente tem de dar um tempo para eles trabalharem", ponderou.
Mas o Correio também apurou que a retomada do trabalho policial tem apresentado pouco avanço. Ainda faltam elementos capazes de ligar suspeitos ao local do triplo assassinato. "Os agentes estão trabalhando bastante, mas não estão chegando a muitos resultados", afirmou um policial ouvido pela reportagem, que preferiu o anonimato. A Corvida se mantém exclusivamente à frente do inquérito há exatos 80 dias. Há histórias de outros homicídios (1)solucionados pela Corvida que levaram anos até os assassinos serem presos e condenados.
1 - Paciência
Os investigadores da Corvida levaram quatro anos para desvendar os mistérios em torno da morte da universitária Mariana Corrêa Silva Alves Bragança, 25 anos. A investigação levou ao indiciamento do então marido da vítima, o soldado do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope) Marivaldo Amaldo da Silva. Ele responde a processo no Tribunal do Júri pelo crime cometido em junho de 2005. Segundo os agentes, tomou cuidados extremos para tentar não ser identificado.
O número
80
Total de dias em que o Caso Vilella está exclusivamente sob responsabilidade da Corvida