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"Rei das pipas" confecciona o objeto há 20 anos

Personagem bastante conhecido em Ceilândia e em vários locais do DF, ele se autodenomina o "rei das pipas", e com muita propriedade

postado em 02/03/2010 09:00
Sempre que ele atende o telefone, a saudação é a mesma: ;Rei das pipas, boa tarde;. De sorriso fácil, olhos verdes e cabelos pintados de acaju, o carioca que vive em Brasília há 22 anos é uma das grandes autoridades naquela que representa uma das maiores diversões da molecada: a pipa. Aos 64 anos, Pedro Paulo Soares Assis brinca, fabrica, sonha, respira e ainda se alimenta de pipas, já que elas sempre foram fonte de renda para ele. Em sua oficina são produzidas as pandorgas, cafifas, arraias, pipas ou papagaios ; as denominações são muitas ; que abastecem os vendedores da cidade.

Engana-se quem pensa que as boas chance de negócios caem do céu, como os papagaios que ele empina. Para garantir a renda, Pedro Paulo precisa ir atrás de clientes. Uma das estratégias foi oferecer seu produto nas embaixadas. Muitas aderiram à ideia e chegaram a encomendar 500 unidades, para revender nos países homenageados. Dessa fase, ele guarda em seu mostruário pandorgas de nações como Turquia, Grécia, Portugal, França e Alemanha. Todas com as cores das bandeiras de cada país e informações como língua, capital, população e curiosidades. ;Não sei se todas chegaram ao destino, mas falei com o embaixador do Brasil em Portugal e soube que ele e os filhos empinaram minhas pipas por lá;, orgulha-se.

Sua nova empreitada é fazer pipas comemorativas ao cinquentenário de Brasília. Ele negocia com a Secretaria de Turismo do GDF a produção de cerca de cinco mil unidades, para serem distribuídas durante a programação de festas. Os primeiros protótipos eram brancos, mas Pedro Paulo concluiu que a melhor combinação é entre o tecido amarelo e as letras verdes. Além da logomarca do cinquentenário, lê-se: ;Onde tem esta marca, tem um brasiliense orgulhoso;. Até o momento, 500 já estão prontas.

Há muitas unidades feitas sob encomenda para fábricas de salgadinhos, shoppings e supermercados, além de pequenos comerciantes de todos os cantos do Distrito Federal. Ele afirma ter 80 clientes fixos, entre bancas de jornal, armarinhos, papelarias e mercados. As estampas são as mais variadas. Vão desde brasões de times (segundo ele, a mais vendida é a do Flamengo) a super-heróis, montagens geométricas multicoloridas, propagandas de lojas. Mas a maioria traz, na lateral, os dizeres: ;Não coloque cerol (1)na linha. Evite os fios elétricos;.

Talento antigo
Pedro Paulo é exemplo de paixão obstinada que virou jeito de viver a vida. Aos cinco anos de idade, já fazia pipas para vender e diz que sua grande escola foi a vontade de confeccioná-las. Menino pobre, nascido em Brás de Pina, Zona Norte do Rio de Janeiro, foi criado na rua, fazendo dinheiro de toda maneira que conseguisse. Depois que o pai morreu, teve que ajudar a mãe a alimentar os oito irmãos. Já vendeu peixe, grampo, balas e revistas em vagões de trem, picolés e calendários de bolso de casa em casa e trabalhou na fundação da Ponte Rio-Niterói ; emprego que lhe custou a ponta de dois dedos da mão direita. Ao longo de todo esse tempo de muitas atividades diversificadas, nunca deixou de fazer pipas, para brincar e para vender.

As pipas tiram e dão o que ele tem. A primeira mulher, Rofina, o deixou porque queria um marido com emprego estável, em vez da insegurança do artesanato feito em vareta e papel. Mas foi a paixão que trouxe a segunda e atual mulher, Olga Helena. Em 1992, quando se mudou para Brasília, ele contratou oito ajudantes para o trabalho na oficina de pandorgas. Olga era uma delas. Depois de um mês de namoro, os dois se casaram. Hoje, vivem com o filho, Pedro Paulo Oliveira Soares, 19 anos, que não compartilha a paixão do pai. Quando criança, ele empinava e sabia fazer pipas, mas o assunto não o empolga mais. ;Não vejo a menor graça;, admite. A casa da família, um sobrado com dois quartos em Ceilândia Sul, foi comprada com o dinheiro das vendas.

Orgulhoso de sua linha de produção, Pedro Paulo diz ter inventado a ;pipa tecnológica;: no lugar das varetas de bambu e do papel de seda, a estrutura é feita com fibra de carbono e papel polipropileno. A fibra de carbono dá mais rigidez à estrutura e o polipropileno não estraga ao entrar em contato com gotas de chuva. Ele procurava criar algo diferente. ;A gente, quando nasce para artista, pensa. A maioria das pessoas imita;, diz, sem falsa modéstia. Outra vantagem de seus modelos sobre a concorrência é a de que suas pipas já são embaladas com cabresto e rabiola, prontas para ganhar os ares.

De sua oficina saem modelos de todas as cores, tamanhos e materiais. Tem a mais tradicional, de bambu e papel de seda, com preços que variam entre R$ 0,50 a R$ 3. É possível comprar o modelo de fibra de carbono e papel especial a R$ 5. O protótipo mais caro, vendido a R$ 100, era uma pipa amarela, de dois metros, confeccionada no material tecnológico, com rabiola de cerca de seis metros, feita em tecido TNT (tecido não tecido). Uma curiosidade exposta em sua garagem é a pipa chinesa, em papel vermelho, azul e amarelo, que mais parece uma barraca de feira em miniatura.

Mercado sazonal
Todos os dias, o artesão acorda às 5h da manhã, faz o café e começa a produção, que chega a 300 pipas por dia. Leva cerca de três minutos para confeccionar os modelos mais simples. ;Já fiz mais de 1 milhão de pipas;, contabiliza. Segundo ele, o mercado é sazonal e esquenta no período de férias da meninada. Nessas fases, a produção diária pode chegar a 500 unidades. Segundo Pedro Paulo, pessoas de todas as regiões do Distrito federal correm para seu portão. No restante do ano, quem faz a festa é a vizinhança. É comum ele ser cumprimentado por várias crianças pelas calçadas, sob os olhares curiosos das mães, que não imaginam de onde eles se conhecem.

;Os meninos ficam atrás dele noite e dia;, revela a vizinha Helena Silva, 83 anos. ;De vez em quando gosto de soltar uma pipinha. A criançada da rua se junta e pega dicas comigo;, confirma. Uma demonstração de sua popularidade estava na esquina da casa de Pedro Paulo. Ao ver o desfile de pipas coloridas, o pequeno Gabriel Vieira Barbosa, de menos de três anos de idade, correu na direção dele exclamando: ;Pipa! Pipa!”. Ao ser presenteado com uma delas, agarrou o carretel e saiu correndo, dizendo saber empinar pipa e gostar muito. O entusiasmo do menino ainda existe em homens de mais de 50 anos e, garante o rei das pipas, em meninas também.

O pior momento do negócio, segundo ele, foi o confisco da poupança, durante o governo Collor. ;Ninguém tinha dinheiro para comprar pipa. Passei até fome;, lembra. A bonança veio em seguida, garante ele, com o real. Mas, apesar dos altos e baixos, Pedro Paulo afirma que a cultura da pipa não vai acabar nunca. O poder desse brinquedo equivale, para ele, ao de uma terapia: ;Minha paixão pela pipa é desesperada. Penso nisso 24 horas por dia;.

1 - Brinquedo consciente
Mistura de pó de vidro (ou de ferro) com cola. A perigosa combinação é impregnada na linha da pipa, que passa a ser uma superfície cortante, o que pode causar inúmeros acidentes. A versão feita com pó de ferro conduz eletricidade e aumenta o risco de morte, no caso de contato com fios de alta-tensão. O cerol é utilizado para cortar a linha de outras pipas.

Para saber mais
A história da pipa
Ela já era conhecida em civilizações antigas, como a chinesa, a japonesa, a egípcia e a indiana. É mais provável que tenha sido inventada por chineses, por volta de 200 a.C. Hieróglifos egípcios já mencionavam objetos voadores controlados por linhas. O brinquedo está presente em pesquisas científicas, como num experimento de Benjamin Franklin, de 1752. Uma chave foi amarrada ao fio de uma pipa, empinada em dia de tempestade. Ao perceber que a descarga elétrica descia pelo dispositivo, ele inventou o para-raios. As primeiras fotos aéreas também foram feitas a partir de pipas. No Brasil, elas chegaram com os colonizadores portugueses. Foram usadas para anunciar a aproximação de perigo no Quilombo dos Palmares.

Além dos conhecidos nomes pipa, arraia ou raia, papagaio, pandorga e suas variantes, é chamada de muitas outras formas nas regiões do país:

# Amazonas ; cangula, guinador, frade, curica e estrela
# Ceará ; barril, bolacha, cangulo, estrela e pecapara
# Rio de Janeiro ; cafifa, laçadeira, estilão, gaivota, marimba, pião, modelo, quadrado e carambola
# Maranhão ; jamanta (quando grande) e curica (quando pequena)
# Pernambuco ; camelo e hamelo
# Rio Grande do Norte ; coruja
# Minas Gerais ; frecha, catita, quadra e lampião
# São Paulo ; rainha, peixinho, quadrado, quadrada, quadradinha e índio
# Pará ; maranhoto, curica, pote, guinador e cangula
# Rio Grande do Sul ; churrasco, barrilete, arco, estrela, caixão, bidê, bandeja, navio e pipa
# Santa Catarina ; papagaio e barrilote

Dicas para se divertir
# Não coloque cerol na linha. Ela pode ferir quem passa pela área. As principais vítimas são os motociclistas
# Ao soltar pipa, olhe também onde pisa, para não tropeçar, cair em buracos ou correr o risco de sofrer diversos acidentes
# Prefira lugares abertos, como campos e parques
# Nunca solte pipa em áreas próximas a fiações elétricas
# Se o objeto ficar preso na fiação elétrica, não tente retirá-lo
# Nunca use fios metálicos (fios de cobre ou bobinas) e papel laminado na confecção de sua pipa
# Não solte pipa em dias de chuva e com relâmpagos

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